domingo, 21 de dezembro de 2025

Pequenos (e nem tão pequenos) erros que tiram os leitores do sério - Alexandra Moraes - Ombudsman FSP

 O tema não é inédito, mas dá um jeito de se renovar todos os dias. A correção dos erros de português da Folha reúne as credenciais para ser classificada como trabalho de Sísifo.

Alguns leitores passaram o ano acompanhando o drama de ver a pedra empurrada morro acima rolar todo dia de volta ao início. Uma das mais dedicadas à causa é Magda Wagner. Nesta semana, ela achou mais um erro, no título "Polícia Civil prende segundo suspeito de roubo a obras de arte da biblioteca Mário de Andrade".

"Esse ‘a’ onde deveria ser ‘de’ mostra que o título foi redigido por alguém que não sabe escrever com segurança. Não se trata de errinho, esse é dos grandes."

Errar é humano, assim como Sísifo, e por isso mesmo é preciso tornar a empurrar a pedra montanha acima. Mas isso inclui buscar a origem do problema: desatenção, ignorância ou condescendência, com "dá para entender" ou "o dicionário prevê tal uso".

Aconteceu com "233 deputados que apoiaram a perca [sic] do mandato do deputado", em setembro. O leitor João Manoel Zaninotto, 70, escreveu, não sem espanto: "Poderia, por favor, me informar se o português dessa frase está correto ou se os revisores deixaram escapar?".

Num texto publicado em 2015 na Veja, Sérgio Rodrigues, hoje colunista da Folha, informava que, "na norma culta, o substantivo relativo ao verbo ‘perder’ é ‘perda’". "Ocorre que a forma ‘perca’, surgida regressivamente a partir do verbo, é de uso tão frequente no português popular, informal, que a maioria dos dicionaristas" a registra, "ainda que anotando tratar-se de forma ‘não preferencial". E essa forma "costuma ser tratada como erro".

Não dá para dissociar a linguagem das desigualdades sociais ou desprezar mudanças culturais. Mas, se a língua opera como marcador social, também serve como proteção para o poder.

Um barco a vela, formado por letras, dirige-se a uma série de quedas-d'água que provavelmente irão destruí-lo.
Ilustração de Carvall para coluna da Ombudsman de 21 de dezembro de 2025 - Carvall /Folhapress

Nesse sentido, o jornal peca ao se encher de jargões. Não raro, vocábulos e detalhes técnicos ocultam mais do que esclarecem. Reproduzi-los de maneira acrítica também é um erro.

Para Magda, porém, "os casos de regência estão entre os piores". "Não quero me colocar como alguém padecendo do que eu chamaria síndrome de Aldrovando Cantagalo", afirma a leitora, citando o personagem de Monteiro Lobato que "apalpava com erótica emoção a gramática de Augusto Freire da Silva".

"Mas é difícil ‘deixar para lá’, com vocabulário limitado, matérias repetitivas (agora entrou na moda o ‘impulsionar’) e impropriedades. Já conversamos sobre o ‘possuir’, que muitos parecem considerar mais chique do que ‘ter’. Ou o muitas vezes desprezado verbo ‘pôr’, sempre cedendo lugar a ‘colocar’. E isso vem numa expressão esquisita e muito frequente, que li na Folha de novo: ‘colocar fogo’. Fico imaginando alguém pegando ‘um fogo’ e colocando-o em algum lugar…"

Marcio Leonel é outro incomodado. Desde outubro, reuniu 137 imagens que provam os deslizes gramaticais e os enviou ao jornal.

"Sou leitor da Folha há mais de 60 anos. Pela repetição, [os erros] começaram a me incomodar e aí resolvi avisar. São pequenos erros que não dá para listar no Erramos, mas que também podem incomodar outros leitores", conta Marcio. "Lembro que existia uma equipe de revisores e que, talvez há uns 20 anos, essa equipe foi desfeita e a revisão passou a ser feita pelos próprios responsáveis pela matéria."

Há muito tempo não há revisores. Mas outra função que se perdeu nas últimas décadas foi a do redator. O próprio Manual da Redação explica: "Com a redução das Redações e o avanço tecnológico, repórteres e editores têm absorvido as funções que costumavam ser de um redator, como finalização da edição, releitura de reportagens e elaboração de títulos, legendas e textos de apoio".

O problema não é só de quem escreve, embora tenha ali um ponto inicial claro. Está em todo o processo, e é um investimento com o qual a instituição pode ou não se comprometer.

"Os textos da Folha estão muito mal escritos! A pontuação está de chorar. Como é que o povo vai aprender a escrever se os veículos de comunicação já não fazem mais o papel de referência?", questiona outra leitora, que preferiu não ter o nome divulgado. Ela envia "uma súplica". "Prestem especial atenção às redes sociais, vitrines importantíssimas. Como a Folha vai captar assinantes se os ‘cartões de visita’ são tão ruins?"

Ainda que o jornal tente se adaptar ao imperativo visual das redes sociais, é na palavra que ainda está sua principal matéria-prima. E o problema do texto vai além da incorreção superficial. Erros gramaticais e de digitação podem ser irritantes por sua banalidade, mas esses são fáceis de arrumar, se forem reconhecidos.

Mais graves são os erros ou contorcionismos linguísticos pelos quais se expressam a falta de interesse, a pouca intimidade com a lógica da língua e a ausência das perguntas importantes.

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