Existem duas coisas muito estranhas nas redes sociais: gente que chora diante da câmera (se bem que gente que se grava gargalhando com os amigos pra mostrar alegria também é esquisito) e gente que transforma boa ação em conteúdo. Quando as duas coisas vêm juntas, o resultado é um melodrama indigesto.
O choro quer transmitir: sou sensível; a caridade: sou bom. São justamente esses atributos —sensibilidade e generosidade— quando autênticos, que dispensam prova, não pedem trilha sonora, enquadramento, post.
Vamos ao exemplo da semana. A influencer Nathalia Valente virou assunto depois de viajar a Angola como voluntária em uma iniciativa solidária. Ao encontrar crianças em situação precária, ela chora, liga a câmera (ou vice-versa) e, com uma maquiagem resistente à água, soluça como se estivesse vendo uma revelação súbita, "ué, tem fome aqui?". Ué, não é uma ação humanitária? Entre uma lágrima e outra, explica o gatilho: "Porque eu faço muita dieta, né, deixo de comer um monte de coisa, e aqui elas não têm o que comer... Então, pra mim pesa muito isso."
Vamos (tentar) entender: o corpo leve de crianças desnutridas pesa... nela. O sofrimento do outro vira um tipo de "experiência sensorial". A miséria sai do centro e entra a necessidade de tornar pública a comoção.
Quando o foco recai sobre o benfeitor, e não sobre a causa, a benfeitoria deixa de iluminar o cerne do problema e passa a iluminar quem segura a lanterna.
E sim, existe um contraponto relevante: visibilidade gera recursos. Sem visibilidade não há doação; sem doação não há ajuda. A repercussão aumenta arrecadações e viabiliza projetos concretos, como aconteceu nesse caso. Aplaudo iniciativas como o Zuzu for Africa e exalto a entrega generosa dos voluntários, inclusive de Nathalia Valente —não questiono sua generosidade.
Vozes são importantes. Mas, sem o cuidado necessário —doar também exige responsabilidade— corre-se o risco de enfraquecer a própria causa.
Expor a dor tem limites éticos. A expropriação da imagem, ainda mais quando o rosto é infantil, avança essa linha. Entre vídeos regados a lágrimas de crianças vulneráveis, dancinhas, e —a cereja do bolo— meninas em biquínis com estampa de cereja da marca da própria influencer, o arranjo fica delicado, mesmo que o destino do dinheiro seja nobre. É aí que o ato começa a perder a inocência.
Não precisa ser expert em psicologia para imaginar o impacto sobre uma criança quando alguém pergunta, com cara de dó, "é aqui que você mora?", chora na frente dela e depois se desculpa: "não aguentei". Olhares piedosos arranham a dignidade humana.
Solidariedade não se limita ao ato de dar, a ajuda não termina aí. Sérgio Buarque de Holanda dizia que o colonialismo não acaba quando o colono vai embora, acaba quando a mente do colonizado se liberta. Por melhor que sejam as intenções, o "olhar salvador" continua ali, vivo, ainda mais quando há espetacularização.
E depois? O que será da voluntária-influencer-branca-redentora depois de tanta comoção? Certamente aprendeu sobre dignidade, fome, dureza da vida. Mas, se for verdade que dias depois usou o mesmo alcance como propaganda do tigrinho ou qualquer outra promessa de dinheiro fácil, fica difícil chamar de consciência social.
Ainda assim, o saldo é positivo só por estarmos falando sobre isso. Valeu, Nathalia!

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