A eletrificação da mobilidade avança mais rapidamente do que se projetava. Basta observar o crescimento dos veículos a serviço de aplicativos, das entregas urbanas e do transporte de última milha nas grandes cidades —e mesmo nas nem tão grandes assim.
O Brasil ainda está longe de países que adotaram metas agressivas para a eletrificação do transporte. Ainda assim, já superamos previsões oficiais feitas há poucos anos. Em 2017, estimava-se algo como 360 mil veículos eletrificados em 2026; em 2025, já ultrapassamos meio milhão. A meta mais recente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), no PDE 2035 (Plano Decenal de Expansão de Energia 2035), é que 23% dos novos veículos leves vendidos em 2035 sejam eletrificados.
O mercado se move depressa. Em 2025, os veículos elétricos já responderam por cerca de 9% das vendas. Há mais modelos, mais concorrência e preços mais competitivos. O boca a boca faz o resto: quem dirige um carro elétrico tende a recomendá-lo. Converse com quem dirige.
E não são apenas os veículos leves. Pressões ambientais, políticas públicas e compromissos regulatórios vêm acelerando a eletrificação de frotas —sobretudo de ônibus urbanos. Em São Paulo, a proibição da aquisição de novos ônibus a diesel é compromisso oficial desde outubro de 2022. Apesar de revisões sucessivas após a pandemia —a meta original era atingir 2.400 ônibus elétricos em 2024—, o compromisso foi mantido. O ano de 2025 termina com mais de 1.100 novos ônibus elétricos em operação, resultado de um arranjo que combina mandato regulatório e financiamento, com apoio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e de instituições multilaterais como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Ganha a população, com menos poluição sonora, e ganha o clima, com menos emissões, já que nossa matriz elétrica é majoritariamente renovável.
Mas eletrificar frotas não é suficiente.
O transporte urbano enfrenta congestionamentos crônicos, enquanto eventos climáticos extremos já pressionam as redes de eletricidade. Um programa bem-sucedido precisa melhorar o sistema como um todo. Eletrificar sem olhar para a rede é receita para frustração.
O sucesso da expansão dessas frotas depende de redes de distribuição preparadas —e, sobretudo, de seu uso inteligente. É aqui que entram modelos tarifários capazes de sinalizar custos reais e incentivar o uso eficiente da infraestrutura. A boa notícia é que há evidência sólida de que isso funciona.
Um estudo recente conduzido no Reino Unido por Bernard e coautores (NBER) oferece pistas valiosas. Trata-se de um experimento de campo envolvendo cerca de 110 mil usuários e 60% da infraestrutura pública de recarga. O objetivo era avaliar se descontos temporários —aproximando o preço da recarga do custo marginal da eletricidade— alterariam o comportamento dos usuários. Alteraram, e muito. Reduções de até 40% no preço, anunciadas com um dia de antecedência, levaram a aumentos de mais de 100% da demanda nos horários incentivados e a ganhos significativos de bem-estar. A resposta foi ainda maior entre consumidores de menor renda e entre aqueles que dirigem veículos com baterias maiores.
Em outras palavras: consumidores respondem fortemente a sinais de preço. E essa resposta permite reduzir custos de operação, aliviar o estresse sobre as redes e evitar investimentos ineficientes.
Para o Brasil, onde a eletrificação cresce e as redes urbanas já dão sinais de saturação, essa evidência é muito importante. Tarifas dinâmicas —que variam no tempo e refletem melhor os custos do sistema— podem orientar o carregamento para horários de menor demanda, reduzir gargalos locais e adiar expansões desnecessárias da infraestrutura.
Assim como no trânsito urbano, eletrificar a mobilidade sem regras claras de uso leva a congestionamento —não só nas ruas, mas também nas redes. Expandir infraestrutura sem orientar comportamento encarece o sistema e reduz seus benefícios. O sucesso da transição energética exige coordenação de sistemas de transporte e de eletricidade, não apenas velocidade.
Que em 2026, ano eleitoral, a transição seja julgada menos pelas promessas e mais pela capacidade de coordenação e entrega.

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