Alguém diz algo equivocado —ou que é visto como equivocado— na internet, e isso gera uma reação em cascata de respostas indignadas, deboche, agressividade e insultos. Linchamento virtual, cancelamento, os nomes são vários. Acontece sempre. Vez ou outra um cancelamento pode até ser justo, mas o normal é que um surto de indignação coletiva não se paute por uma análise cuidadosa dos discursos e não aplique penas com moderação. Ainda assim, por mais que lamentemos essa dinâmica que comete tantas injustiças —e atira para todos lados, com todas as ideologias— , ela segue acontecendo.
Dificilmente críticas ao cancelamento terão qualquer efeito, pois ele não tem um autor identificável; é o resultado de milhares de decisões autônomas não coordenadas. O impacto para a pessoa que o sofre é brutal, mas para cada um dos que participa do processo o ato é minúsculo: fazer um comentário, dar um like. Um comentário mal-educado sozinho seria insignificante. Uma onda de milhares deles abala psicologicamente qualquer um.
Além disso, o momento incentiva a entrar na dança. O tema está quente, as pessoas estão indignadas; como não expressar também minha indignação, meu deboche, meu desprezo? Nada vende tão bem quanto o conflito. Identificar e atacar um vilão é sucesso garantido. Participar do debate enquanto ele acontece. Via de regra, quem engaja no tema nem sabe ao certo como aquilo está sendo recebido pelo objeto da crítica: ele está acuado, assustado? Está raivoso? Não está nem aí? Se eu não falar nada, outro falará.
Bem sei como opiniões minhas já foram mal-interpretadas pelos tribunais difusos das redes. Em outros, a interpretação estava correta, só não agradou à maioria. E bem sei também que é inevitável, de nada adianta lutar contra. Uns poucos ouvirão, uns poucos trarão argumentos —e com esses vale interagir— , o resto, a grande maioria, passará e seguirá para a próxima distração.
Do ponto de vista individual, a única saída é a resiliência. Cabe a quem está nessa arena diária da opinião se acostumar, não levar os insultos de desconhecidos para o lado pessoal e ir treinando como se expressar melhor. O momento também traz oportunidades: coloca o formador de opinião (e hoje todo mundo é um pouco formador de opinião) em evidência, dando-lhe ainda mais espaço para se manifestar.
Institucionalmente, contudo, creio que há um aprendizado. Num passado recente, essa onda passageira de indignação tinha repercussões institucionais quase imediatas: demissão de um emprego, fim de um contrato, desconvites para eventos. Hoje, as instituições estão um pouco mais resilientes e entendem que a onda de raiva passa e tudo volta ao normal. Seja qual for a decisão, o calor do momento, com uma multidão indignada à porta, é o pior momento para tomar uma decisão.
A dinâmica do cancelamento é uma consequência da democratização do debate. Todo mundo pode falar e interagir; isso faz com que as paixões aflorem. Colocar-se do lado certo é mais importante do que nuances. Não há nenhum porteiro do discurso para decidir quais reações são legítimas e quais não merecem um megafone para se expressar. A lei põe algum limite em ameaças, calúnias e preconceitos, mas será sempre insuficiente. O mar está revolto e a calmaria não virá. Não adianta sonhar com outros tempos.

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