domingo, 29 de março de 2020

As polêmicas do cientista francês que defende a cloroquina contra o coronavírus, OESP


Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo
SÃO PAULO - Virou caso de polícia. A tormenta que tomou conta do mundo acadêmico francês após o microbiologista Didier Raoult publicar seu trabalho sobre os efeitos da hidroxicloroquina contra o coronavírus (Sars-Cov-2) está agora na mesa do procurador da República de Nantes, Pierre Sennès. “Trata-se de uma investigação em curso por atos de intimidação, mas não de ameaça de morte”, informou a procuradoria por nota.
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O professor de microbiologia Didier Raoult, especializado em doenças infecciosas e diretor do IHU Mediterrâneo Infeccção, em seu escritório em Marselha Foto: GERARD JULIEN / AFP
A ameaça foi feita por telefone entre os dias 1.º e 2 de março. Sènnes não revela detalhes. O telefone usado seria o de um médico do centro hospitalar universitário de Nantes, segundo informou o semanário Le Canard Enchaîné. Didier Raoult é o diretor do Instituto Hospitalar Universitário (IHU) de Marselha e chefe da equipe que  divulgou dados de uma pesquisa com 42 pacientes de covid-19 em que 75% deles, após seis dias de tratamento com a substância associada ao antibiótico azitromicina, livraram-se do vírus.
Com um passado de polêmicas, Raoult está no olho do furacão. Seu trabalho levou os presidentes Donald Trump (EUA) e Jair Bolsonaro a apostarem suas fichas de que a hidroxicloroquina pode ser a saída rápida e barata para combater a doença e acabar com a quarentena que paralisa a economia de seus países. Em 15 ou 20 dias o estudo de Raoul deve levá-lo ao prêmio Nobel ou ao ostracismo reservado aos que dão falsas esperanças às aflições humanas.
O professor de Marselha parece um gaulês de história em quadrinho. Tem cabelos longos e barba e carrega um anel de motociclista na mão direita. O professor tem um olhar que perscruta o interlocutor. Parece querer cortar a cabeça de quem o contesta só para mostrar que no interior do crânio do oponente não há cérebro.

Estudo teve poucos pacientes

O que detonou a polêmica na academia foi Raoult ter decidido publicar um estudo que, em condições normais, não seria aceito por nenhuma revista científica. Primeiro, pelo baixo número de pacientes envolvidos. Ele  tinha 26 que receberam a hidroxicloroquina em Marselha e 16 no grupo de controle em duas outras cidades francesas – Nice e Avinhão.
Dos 26 pacientes que receberam a medicação, seis abandonaram a pesquisa. Um porque morreu; três porque foram entubados, outro por deixar o hospital e um por ter náuseas. Nenhum deles foi incluído no resultado final, pois a pesquisa pressupunha  testar todos os dias os pacientes para medir a carga viral. 
Era 25 de fevereiro quando Raoult entrou em campo na luta contra a covid-19. Defendeu que a solução para a doença seria mais barata do que se imagina, com base no uso da hidroxicloroquina, uma molécula antiga usada contra a malária e o lúpus. Menos de um mês depois, seu trabalho estava publicado. Segundo o jornal Le Monde, no mesmo dia da publicação do artigo – 20 de março – Phillipe Ravaud, diretor do Centro de Pesquisas Epidemiológicas e Estatística Sorbonne Paris Cité, pediu ao colega os dados brutos da pesquisa, mas não os recebeu.
Dia 23, foi a vez da professora e infectologista Karine Lacombe, do departamento de doenças tropicais infecciosa do Hospital Saint-Antoine, em Paris, dizer que estava “enojada” com o que estava acontecendo. “Com base em um estudo absolutamente contentável do ponto de vista científico, expõem-se pessoas à falsa esperança de cura de uma doença que se sabe que, em 80% dos casos, ao cabo de alguns dias, não haverá mais vírus. O que está acontecendo em Marselha é absolutamente escandaloso”, afirmou à TV France 2.
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O ministro francês da Saúde, Olivier Véran, decidiu permitir o uso nos hospitais do país da hidroxicloroquina em pacientes graves Foto: Geoffroy Van Der Hasselt/Pool via REUTERS
Para um pesquisador especialista em biologia ouvido pelo Estado, Raoult deixa claro as inconsistências em seu trabalho. “Ele foi muito honesto ao dizer isso.” Do ponto de vista de ético, seria, portanto, justificável publicá-lo em razão da situação mundial. “É precio esperar. O mundo inteiro está testando a hidroxicloroquina e teremos os resultados em breve”, disse. 
De fato, o professor de Marselha escreve no estudo que “por razões éticas em razão de resultado tão significativo e evidentes” é que ele e seus pares decidiram publicá-lo para que fosse avaliado pelo comunidade médica, dado a urgente necessidade de achar uma droga efetiva contra o Sars-Cov-2. “Nosso estudo tem limitações.”

Negacionista do aquecimento global

Questionado sobre as reações dos colegas, Raoult foi seco. “Eu faço ciência, não política.” O pesquisador é próximo de políticos de direita e de extrema-direita, como o Rassemblement National (RN, extrema-direita), de Marine Le Pen. Na última quinta-feira, recebeu o apoio de Jean-Luc Mélenchon, dos Insubmissos (esquerda) em seu blog. “O retrato traçado desse professor me fez tapar o nariz, pois sei muito bem o cheiro de pintura que vem da ‘boa sociedade’ e de suas penas de aluguel.”
Raoult possui trabalhos importantes publicados sobre o mimivírus, um vírus gigante descoberto por sua equipe  e sobre vírus que infectam outros. Também  tem trabalhos sobre bactérias ligadas ao tifo. Não caiu de paraquedas nessa história. Mas, em 2006, ele e sua equipe foram suspensos por um ano pela American Society for Microbiology, nas revistas editadas pela sociedade, por suspeita de fraude. O caso foi revelado pela revista Science, em 2012.
Um ano depois, Raoult resolveu se envolver em uma encrenca científica ao expor seu ceticismo sobre as mudanças climáticas. Disse então que as previsões sobre o aquecimento global eram absurdas. Também afirmou que o buraco na camada de ozônioestaria resfriando o globo.

Controverso sobre vacinas

Em 2018, publicou  o livro La Vérité sur les vaccins (A Verdade Sobre as Vacinas) e  voltou a causar polêmica. Na obra, ele critica a política de vacinação obrigatória da França. Diz ter pouca valia vacinar contra sarampo e poliomielite, pois a primeira é uma doença rara no país e outra, erradicada. Advoga, em vez disso, que o governo desenvolva vacinas para a gripe, a catapora e o rotavírus.
De 2011 até 2018, o país registrou, graças à vacinação, 5,3 mil casos de sarampo após ser atingido por uma epidemia de 2008 a 2011 (22 mil casos). Para quem contestava Raoult, afirmando que a alta taxa de imunização protegia os franceses da volta das doenças, ele dizia que as vacinas atuais estavam ligadas a doenças que existem só em países que não vacinam a população. Não teve sucesso.
Mas na semana passada conseguiu que o ministro da Saúde, Olivier Véran, permitisse que a hidroxicloroquina fosse dada a pacientes de hospitais. E para conduzir os trabalhos científicos sobre a doença (37.575 infectados e 2.314 mortos na França), nomeou uma comissão liderada por Françoise Barré-Sinoussi, Nobel de Medicina em 2008. Ao assumir, ela pediu “prudência” com a hidroxicloroquina.
Raoult, que era da comissão, afastou-se. Em artigo no Le Monde, denunciou conflitos de interesses entre cientistas e a indústria farmacêutica e criticou quem viu inconsistências em seu estudo: “Ninguém testa paraquedas dando a um grupo de controle sacos vazios para pular.” Por fim, comparou a covid-19 ao ebola. “Não se dá placebo a pacientes de uma doença que mata 30%.” A batalha acadêmica está apenas no começo.

Estado procurou por e-mail os pesquisadores citados, mas não obteve resposta. Também buscou Raoult. Perguntou sobre como estava a pesquisa com a hidroxicloroquina e sobre as reações ao seu estudo nos mundos político e científico. Também não houve resposta.

Ignorar, mitigar ou suprimir, Fernando Reinach, O Estado de S.Paulo (importantíssimo)


29 de março de 2020 | 05h00

No dia 16 de março de 2020 foi publicado o estudo feito para nortear as medidas de contenção do novo coronavírus que já é considerado um clássico. O trabalho, feito por um grupo de epidemiologistas do Imperial College em Londres, simulava a intensidade da pandemia na Inglaterra e nos Estados Unidos e recomendava as possíveis medidas de contenção até que uma vacina ou um remédio fosse descoberto. Esse estudo teve por base modelos que levavam em consideração os dados e os resultados da pandemia na China, a estrutura social, a estrutura doméstica, a demografia, distribuição de idade e o sistema de saúde da Inglaterra e dos EUA. De início a Inglaterra adotou a estratégia de mitigação proposta por esse estudo, mas logo em seguida mudou de rumo e adotou a supressão.

Pessoas usam máscaras para se prevenir do coronavírus no metrô de Pequim
Pessoas usam máscaras para se prevenir do coronavírus no metrô de Pequim Foto: Carlos Garcia Rawlins/Reuters
Agora esse mesmo grupo refez o estudo para cada um de 202 países, sendo que um deles é o Brasil. Para isso foram levadas em consideração todas as peculiaridades do Brasil, como a distribuição etária e estrutura familiar, índice de desenvolvimento e assim por diante. É um trabalho imenso descrito em um texto técnico e acompanhado de uma enorme planilha que detalha o resultado de cada um dos cenários analisados para cada um dos países, e também para o planeta como um todo. Vale a pena entender os resultados. De início é importante lembrar que os resultados para os diferentes cenários se restringem às consequências médicas e epidemiológicas da pandemia e não consideram os custos sociais e econômicos das medidas.
Segundo os autores existem três estratégias possíveis diante do novo vírus. A primeira é ignorar sua existência, não tomando nenhuma atitude. Nesse caso o modelo simula o espalhamento do vírus pelo planeta sem nenhuma medida de contenção. Esse cenário deve ser entendido como um referencial para podermos analisar o impacto das diferentes medidas de mitigação. Para o planeta, esse cenário prevê um único e enorme pico de casos no primeiro ano, onde 7 bilhões dos 7,7 bilhões de pessoas do planeta seriam infectados, ocorreriam incríveis 40,6 milhões de mortes e o colapso total dos sistemas de saúde. O único lado positivo dessa estratégia é que depois desse número enorme de mortes toda a população estaria imune ao vírus e o problema desapareceria. Essa atitude não foi adotada por nenhum país, mas pode vir a ocorrer em alguns países incapazes de implementar uma das outras estratégias.
A segunda estratégia é a mitigação. Nesse caso as medidas têm como objetivo reduzir as interações entre pessoas em 42%. Ou seja, toda a população interage com menos da metade das pessoas que interagiria em condições normais. O objetivo é espalhar o número de casos ao longo do tempo, de modo a não sobrecarregar muito o sistema de saúde (o tal achatamento da curva). Nesse cenário o estudo analisa duas possibilidades: isolar somente os mais idosos de cada país ou isolar igualmente toda a população. Apesar da diferença de estratégia, os números projetados são semelhantes. O número de mortes no primeiro seria de 20 milhões de pessoas, metade do anterior, e os países mais pobres seriam os mais afetados. Enquanto no mundo desenvolvido teríamos oito vezes mais casos que a capacidade máxima dos hospitais, nos países pobres o número de casos seria 25 vezes maior que a capacidade dos hospitais. Além disso as medidas teriam de ser estendidas por muitos meses até que toda a população fosse infectada e se tornasse imune ao vírus. Essa foi a estratégia adotada na Inglaterra até que a primeira versão desse modelo foi publicada, quando o governo decidiu mudar para a terceira estratégia.
A terceira estratégia é a supressão do vírus. Ela pressupõe uma diminuição de 75% dos contatos interpessoais de toda a população, o suficiente para levar a propagação do vírus a zero. Foi essa a estratégia usada na China. Ela também tem duas versões, uma em que o isolamento total é feito quando ainda existem poucas mortes e outra quando o número de mortes por semana já é alto. Quanto mais cedo ela é adotada, melhor os resultados. Nesse cenário nos primeiros 250 dias da pandemia, seriam infectadas 470 milhões de pessoas e teríamos 1,9 milhão de mortes. Se adotada mais tarde, essa estratégia levaria a 2,4 bilhões de pessoas afetadas e 10,5 milhões de mortes. Observe como retardar as medidas de supressão aumenta muito o número de mortos (o erro da Itália).
Essa estratégia tem dois problemas. O primeiro é que é difícil de implementar. O único caso de sucesso foi na China, e muitos países podem tentar implementar a supressão, e, se não tiverem sucesso, acabam com medidas que na realidade são de mitigação. O segundo problema, agora enfrentado pela China, é que a supressão tem de ser mantida até que surja uma vacina ou tratamento, pois, caso as medidas sejam relaxadas antes, a pandemia volta porque uma fração minúscula da população fica imune ao vírus. É bom lembrar que esses modelos assumem que grande parte dos casos (mesmo os que não necessitam de internação) terão sido testados e estarão em isolamento, assim como seus familiares.

Cenários
Cenários
Bom agora vamos ver os números para o Brasil (veja a tabela acima). Os resultados assumem que a população do Brasil é de 212 milhões de pessoas e a taxa de replicação do vírus (R0) é 3,0. Outros cenários, com outros valores da taxa também estão no trabalho, mas os resultados são semelhantes. Na tabela a primeira linha descreve o que aconteceria se ignorássemos o vírus (nenhuma intervenção). Não haveria redução da distância social e seriam infectados 181 milhões dos 212 milhões de brasileiros no primeiro ano. Teríamos 1,08 milhão de mortes, 5,89 milhões de pessoas hospitalizadas – sendo que dessas 1,44 milhão de pessoas seriam de casos graves que necessitariam intubação. A segunda e terceira linha descrevem os cenários de mitigação, onde a distância social seria reduzida em 42 e 41%. Na linha três o distanciamento social seria generalizado, mas maior para os idosos (60% para o grupo de risco).
Nesses dois cenários o número de infectados cai para 114 e 112 milhões de pessoas, o número de mortes cai para algo como 500 mil pessoas, os hospitalizados para algo como 3 milhões e os casos críticos para algo como 700 mil pessoas. Como você pode ver isolar os idosos não faz muita diferença, apesar dos números serem um pouco melhores. Uma das vantagens dessa estratégia é que os casos estarão espalhados ao longo do ano, o que sobrecarregaria menos os hospitais.
Finalmente podemos tentar suprimir a pandemia. Para isso é preciso reduzir os contatos sociais de toda a população em 75% (veja linha 4 e 5 da tabela). Nesse caso, a data em que iniciamos esse processo é de suma importância. No Brasil se o processo for iniciado quando as mortes por semana forem de 3,4 mil, o número de infectados será de 50 milhões de pessoas, teremos 206 mil mortes, e 1,18 milhão de brasileiros serão hospitalizados e 272 mil serão casos graves. Agora se a supressão for iniciada quando o número de mortes for de 425 por semana (o que deve ocorrer semana que vem ou na outra), 11,45 milhões de brasileiros serão infectados, 44 mil morrerão, 250 mil serão hospitalizados e, desses, 57 mil serão casos graves.
Em todos esses cenários o número total de leitos hospitalares e o número de pessoas entubadas no pico da pandemia também foram estimados. No melhor cenário (supressão cedo) precisaríamos de 72 mil respiradores e no pior (nenhuma intervenção, 2,2 milhões de respiradores). Essas são as projeções de um dos melhores grupos de epidemiologistas do mundo, levando em consideração todas as peculiaridades do Brasil, como o fato de os idosos morarem com pessoas jovens, parte das famílias viver em favelas e outras peculiaridades do Brasil (no trabalho estão descritas todas as características do País que foram usadas no modelo). Os números são verdadeiramente assustadores, mas os dados recentes da Itália e da Espanha sugerem que esses modelos estão no caminho certo.
Hoje, no Brasil, muitos Estados estão tentando adotar a estratégia da supressão, enquanto o governo federal propõe a mitigação com isolamento dos idosos. Tentar aplicar uma dessas estratégias não é certeza de sucesso. Se a população não respeitar o isolamento, uma estratégia de supressão pode facilmente se transformar em uma mitigação e uma de mitigação pode não ter efeito. Olhe com cuidado a tabela, os prós e contras de cada estratégia, e forme uma opinião. É isso que todos os governantes que acreditam na ciência deveriam estar fazendo.
MAIS INFORMAÇÕES: THE GLOBAL IMPACT OF COVID-19 AND STRATEGIES FOR MITIGATION AND SUPPRESSION. IMPERIAL COLLEGE COVID-19 RESPONSE TEAM (26/03/2020)

Opção safada, J.R.Guzzo, O Estado de S.Paulo


29 de março de 2020 | 05h00

Numa coisa dá para se ter confiança de 100% no Brasil: todo o mal que vem de fora sempre pode ser piorado assim que entra aqui. O coronavírus, por exemplo. Embora o seu grau de mortalidade seja baixo, comparado com assassinos desvairados como o H1N1, poucos organismos conhecidos pela biologia se espalham com tanta rapidez. (O H1N1, que apareceu em 2009, contagiou 760 milhões de pessoas em todo o mundo e matou quase 300.000. No Brasil o bicho ainda continuava matando em 2019: foram mais 780 mortos). Mas nem o coronavírus, com toda a sua rapidez, consegue contagiar um país com a velocidade com que a hipocrisia, a mentira e a capacidade de fazer política suja contagiaram o Brasil.
A mãe de todas as falsificações é a repetição, no mundo político, na mídia que se pretende iluminada e nas elites ignorantes, subdesenvolvidas e medrosas que comandam boa parte do combate à epidemia, de uma opção safada: “Não se pode colocar a economia acima das vidas”. Parece um pensamento generoso. É apenas falso. Alguém está propondo que vidas sejam sacrificadas para abrir shopping centers? O que está se dizendo é que as duas tarefas, a de defender a saúde pública e a de fazer a economia funcionar, são indispensáveis e precisam obrigatoriamente ser executadas ao mesmo tempo. É possível – e, se não for assim, não haverá um país vivo depois do coronavírus.
Será que não havia doença nenhuma no Brasil antes do coronavírus? E foi preciso paralisar todo o sistema produtivo nacional para tratar delas? Estaríamos confinados em casa há 100 anos, se fosse assim – com as indústrias e o comércio fechados, sem transporte, sem escolas, sem comida, sem nada. E não é que nossas doenças sejam coisa simples, que se cura com uma colherinha de sal de frutas Eno. Só em 2019 as doenças cardiovasculares mataram quase 300.000 pessoas no Brasil – simplesmente 30% de todas as mortes que houve no País. A pneumonia matou 60.000 brasileiros, 80% deles idosos. Morre-se de tuberculose, uma doença da miséria, neste país; houve 70.000 casos em 2018, o último ano em que há estatísticas, com 5.000 mortos. A morte por coronavírus valeria mais que essas?
Não passou pela cabeça de ninguém “confinar” a população em casa por “tempo indeterminado” para combater as doenças devastadoras citadas acima. A economia brasileira não parou nem um minuto para se tratar da saúde pública – e não dá realmente para dizer que o SUS é ruim porque as indústrias produzem e o comércio vende. O que uma coisa poderia ter a ver com a outra? Na verdade, não dá para dizer muitas coisas que estão sendo ditas por aventureiros em busca de chances políticas, repetidas pelo síndico do prédio e encampadas, com casca e tudo, pelos meios de comunicação.
Não é verdade que o Brasil caminha para um genocídio em que podem morrer “até 2 milhões de pessoas”. Não é verdade que sugerir alternativas ao confinamento-isolamento total seja um “desafio” ao que pregam “todas as grandes autoridades da ciência mundial”. Não é verdade que a Organização Mundial da Saúde tenha autoridade científica para ser levada a sério; é apenas uma entidade política terceiro-mundista. Não é verdade que o coronavírus seja “o pior problema de saúde pública do Brasil nos últimos 30 anos”. Nosso pior problema de saúde dos últimos 30 anos é o SUS.
Não é esta, é claro, a opinião de quem jamais pôs os pés no SUS – mas decide o que você tem de fazer e de saber sobre a epidemia. Poucas coisas são tão estúpidas nesta vida quanto deixar decisões importantes a cargo de quem não vai sofrer nada com as suas consequências. É exatamente o que estamos fazendo neste momento.