terça-feira, 2 de janeiro de 2018

A neutralidade da rede, OESP


Pelos próprios valores que representa, a neutralidade da rede deve permanecer intocada no Brasil

O Estado de S. Paulo, O Estado de S.Paulo
31 Dezembro 2017 | 03h00
A Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos (FCC, na sigla em inglês) decidiu, por 3 votos a favor e 2 contrários, derrubar uma série de normas que garantem a chamada neutralidade da rede global de comunicações, um princípio que assegura acesso livre e igualitário a qualquer tipo de conteúdo no ambiente online, tanto para os que produzem como para os que consomem.
Por esse princípio, as operadoras de telecomunicações – empresas responsáveis por comercializar os meios de acesso à internet – não podem restringir o acesso a sites ou a serviços oferecidos online, beneficiando alguns produtores de conteúdo em detrimento de outros por meio da cobrança diferenciada aos usuários de acordo com o conteúdo que estes desejam acessar.
O que a princípio pode parecer apenas um debate acerca da aplicação das regras de livre mercado ao mundo digital, na verdade embute uma discussão bem mais preocupante sobre concentração de mercado e liberdade de expressão, temas dos mais caros a todos os países democráticos, como é o caso dos EUA, evidentemente.
Tal como acontece no Brasil, há localidades nos EUA que são atendidas por apenas uma empresa de telecomunicações, única provedora de acesso à internet para toda a população local. Sem as regras que asseguram a neutralidade da rede, essas empresas sem concorrência estarão livres para escolher o que pode e o que não pode trafegar por suas redes, exercendo uma espécie de curadoria de conteúdo que dá azo a todo tipo de manipulação. Em última análise, um indevido poder sobre a informação circulante.
A neutralidade da rede é um pilar da internet livre desde seu advento, ou pelo menos desde que a chamada World Wide Web (WWW) começou a ter uso comercial e privado, e não apenas militar. Em outras palavras, ao votar pelo fim da neutralidade da rede, a agência que regula as telecomunicações nos EUA votou por acabar com a internet tal como ela é conhecida.
A decisão da FCC, é importante destacar, não tem caráter terminativo, ou seja, para valer precisará ser aprovada pelo Congresso norte-americano. Pesquisas de opinião realizadas pouco depois da sessão da comissão indicavam que 83% dos eleitores são favoráveis à manutenção das atuais regras que garantem a neutralidade da rede, dado que pode ter influência sobre os votos dos congressistas.
Dependendo do resultado da votação no Congresso dos EUA, ainda sem previsão para ocorrer, terá início uma longa batalha judicial. A Netflix, gigante do setor de produção e difusão de conteúdo digital, criticou a decisão da FCC e, em comunicado à imprensa, disse que a neutralidade da rede foi o princípio que “conduziu a um período de inovação, criatividade e engajamento cívico sem precedentes”.
No Brasil, a neutralidade da rede está garantida pela Lei 12.965/2014 – o Marco Civil da Internet –, que no inciso IV do artigo 3.º estabelece que a “preservação e garantia da neutralidade da rede” é um dos princípios que disciplinam o uso da internet no País. Embora o SindiTelebrasil, entidade que representa as empresas de telecomunicações, venha defendendo a flexibilização dessa regra, a neutralidade da rede deve permanecer intocada, seja por consistir no mais importante dispositivo do Marco Civil da Internet, seja pelos próprios valores que representa.
O diploma legal brasileiro chegou a ser elogiado pelo criador da WWW, o cientista britânico Tim Berners-Lee, que afirmou que, com o Marco Civil, “finalmente um projeto de lei reflete como a internet deve ser: uma rede aberta, neutra e descentralizada, em que os usuários são o motor para a colaboração e inovação”.
A neutralidade da rede é um princípio que reflete no ambiente online os valores democráticos sobre os quais estão assentados países como o Brasil e os Estados Unidos. Enquanto prevalecer intocado, nenhum argumento poderá servir de subterfúgio para a adoção de práticas comerciais abusivas ou restritivas à livre circulação de informações.
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Nos 40 anos de Lei do Divórcio, 1/3 dos casamentos acaba em separação



Desde 1984, os dados do IBGE apontam que os casamentos avançaram 17% e os divórcios aumentaram 269%. Na prática, o Brasil conta com 3 gerações de casais legalmente separados




Fábio de Castro, Felipe Resk e José Maria Tomazela, O Estado de S. Paulo
30 Dezembro 2017 | 16h00

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Wilson Dias Batista 85 anos, Cleonice Lagemann 47 anso e a Sra Martinha Batista 100 anos, todos da mesma familia e juntos apesar do divórcio

SÃO PAULO - Quarenta anos após a instituição da lei do Divórcio no Brasil, um a cada três casamentos termina em separação no País. É o que mostram os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Um balanço feito com dados do instituto entre 1984 e 2016 aponta ainda que o número de dissoluções disparou com o passar dos anos. Em 1984, elas representavam cerca de 10% do universo de casamentos, com 93,3 mil divórcios. Essa correlação saltou para 31,4% em 2016 – com 1,1 milhão de matrimônios e 344 mil separações.
Apesar de a Lei do Divórcio vigorar desde 1977, os dados sobre o tema só começaram a ser incluídos nas estatísticas anuais de Registro Civil na década seguinte. Até aquele ano, o desquite era o dispositivo legal, mas não possibilitava uma nova união formal. O levantamento aponta mais de 7 milhões de dissoluções registradas no País entre 1984 e 2016, ou 580 divórcios por dia, ante 29 milhões de matrimônios. 
No período, os casamentos subiram 17%. Já os divórcios aumentaram 269%. Na prática, o Brasil passou a contar com três gerações de casais legalmente separados. É o caso da família Dias Batista, de Sorocaba, que coleciona três divórcios concluídos e outro em andamento – e ainda assim permanece unida.
O patriarca da família, Wilson Dias Batista, de 85 anos, se divorciou duas vezes. A primeira foi em 1978. Já seu filho, o advogado Cláudio Dias Batista, de 51 anos, se divorciou da ex-mulher Cleonice Lagemann, a Cleo, de 47, em 2014. E um filho deles também está em processo de divórcio. 
No primeiro divórcio do pai, Cláudio era um menino de 12 anos. Wilson conta que, na época, a separação era difícil. “Precisava que um cônjuge alegasse alguma coisa contra o outro”, lembra. Também tinha de realizar a separação judicial e, só após o prazo, convertê-la em divórcio. 
“Era tanta dificuldade que as pessoas pensavam muito antes de iniciar um processo”, afirma Cláudio, que hoje atua na área do Direito da Família. A exigência do período de carência só caiu em 2010. No segundo divórcio do pai, neste ano, nem foi preciso levar o caso ao juiz. 
Apesar do próprio histórico de separações, Wilson lamenta o divórcio do filho. “Gosto muito dela, me deu sete netos”, diz. O mais velho tem 25 anos. A mais nova, 11. Cláudio e Cleo se conheceram em São Roque, no interior. Ele, locutor de rádio, foi apresentar um evento no qual ela era modelo. “Foi paixão imediata”, conta o advogado. Hoje, o casal compartilha a guarda de três filhas menores.
Neste Natal, Cláudio viajou com os filhos para o Guarujá, enquanto Cleo ficou em Sorocaba, cuidando do ex-sogro e da tia do ex-marido, Martinha Batista, de 99 anos. “Não faço por obrigação, mas por amor. Continuam sendo minha família”, diz Cleo.
Cláudio tem uma namorada que já foi apresentada à família. Cleo também está em um novo relacionamento, que mantém sob discrição. Mas isso não a impede de cuidar da tia do ex. 
“Ela é a filha que não tive. Não tinha nenhuma obrigação de cuidar de mim, mas me trouxe para morar com ela”, diz dona Martinha, prestes a completar 100 anos. Lúcida, ela se aposentou como meteorologista e nunca quis se casar. “Fui ao cardiologista e ele disse que meu coração aguenta mais uns 20 anos. Isso porque eu nunca tive marido.” 
Um dos filhos do ex-casal está em processo de divórcio, após três meses de união. O período curto não surpreende Claudio. “Na sociedade contemporânea, os relacionamentos começam e se desfazem com muita rapidez, mas nem sempre a legislação acompanha”, afirma. “A guarda compartilhada, por exemplo, é um grande avanço, mas pressupõe que o casal tenha um relacionamento bom.” 
Divorciada há quase dois anos, a bancária Mariana Pereira, de 42, compartilha com o ex-marido a guarda de um gato, o Eddie, que sempre trataram como filho. “Foi um acordo bem natural para nós dois”, conta. O acordo, segundo afirma, fez da separação menos dolorosa. “O Eddie é parte da nossa família e a solução para que nenhum de nós ficasse sem vê-lo fez bem para nós dois.”



Fortalecimento. Para especialistas em Direito da Família, uma das razões do “boom” de divórcios é o recuo do preconceito. “As pessoas desquitadas, especialmente as mulheres, eram extremamente estigmatizadas”, diz Luiz Kignel, sócio da PLKC Advogados. “Houve uma mudança cultural em que se compreendeu que o divórcio não é um mal. Os casais que se separam não optaram pela solidão, mas pela felicidade.” 
O avanço da legislação – que permitiu divórcio em cartório e retirou o prazo de separação – é outro motivo para a alta, segundo defende Mário Luiz Delgado, diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp). “Isso não significa o enfraquecimento do casamento como instituição, mas sim o fortalecimento”, diz. “Com esse cenário, nenhum casamento vai continuar por conveniência, medo ou dificuldade de ser dissolvido.” / COLABOROU ISABELA PALHARES 

Ela foi a primeira divorciada do País e faria de novo

Hoje com 78 anos, divorciada se tornou juíza de paz

Roberta Pennafor, O Estado de S. Paulo
30 Dezembro 2017 | 16h00

RIO - "Eu já me casei pensando na separação”, diz Arethuza Figueiredo Henrique Silva de Aguiar, a primeira mulher a se divorciar no Brasil. Hoje com 78 anos, juíza de paz ainda em atividade, sustenta o que pensava à época. “Ninguém deve fingir nada, nem por patrimônio nem pelos filhos. Nenhum filho prefere ver um matando o outro em seu nome”, defende. “Você não pode ser infeliz com medo do que os outros vão dizer, seja em 1977, seja em 2017.”  
Então estudante de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), filha da classe média de Niterói, a jovem Arethuza se uniu ao primeiro marido, a quem não amava, induzida pela mãe. Tinha 23 anos e disse o “Sim” na Igreja da Porciúncula de Sant’Ana, em Niterói, em fevereiro de 1963. Teve duas filhas, nascidas em 1964 – ano de sua formatura na universidade – e em 1967. Em março de 1970, já estava desquitada.
Em plena ditadura, o divórcio foi sancionado em 26 de dezembro de 1977. No dia 29, Arethuza, aos 38 anos, se divorciou, sob as lentes ávidas da imprensa. Era a mulher mais citada no noticiário então. “Minha mãe teve de aceitar. Aquele fim de ano foi muito especial para mim. Faria tudo outra vez. O que vi de gente infeliz no Direito de Família, doente, por causa de casamentos malditos...”
Em 1978, ela se casou de novo. Separou-se 16 anos depois. Mãe de duas filhas e avó de quatro netas, ela segue realizando casamentos e “acreditando piamente no amor”. “É uma instituição maravilhosa, apesar de eu não ter encontrado a felicidade no casamento”, afirma.
 

Promessa de vida e reconstrução, FSP


Vinicius Torres Freire – Folha de S.Paulo
O ano que começa daqui a pouco é de aniversários políticos e econômicos tristes, datas de lembrança da morte da sensatez e da civilidade na conversa pública brasileira, se é que restou alguma conversa. Conviria fazer um luto rápido e tentar logo e outra vez recuperar o tempo e as oportunidades perdidas. Até porque a reconstrução vai demorar.
Vai fazer cinco anos que se destampou de vez o tumulto político lavado em ódio. Todas as flores do pântano floresceram a partir de Junho de 2013, embora não bem por causa das manifestações ou da maioria delas.
Vai fazer dez anos que começou o desatino econômico que em boa parte foi o responsável por nos enterrar nesta crise, rara até para este país primitivo e volátil.
Mais difícil do que restabelecer a economia será refazer a política. Jamais fomos governados por tanto tempo por tanta gente ao mesmo tempo tão desclassificada, descarada e incompetente como nesta década. Embora a política tenha se tornado especialmente podre por escolha própria, note-se que foram coalizões político-sociais que ampararam o saque do Estado, a bandidagem, o desatino econômico e o oportunismo político odiento.
As alternativas de lideranças seniores são quase nulas. Na melhor das hipóteses, podemos aspirar a uma mediocridade estável no próximo quadriênio. Seria um tempo para reparar o que está arruinado, arrumar as bases da economia e tentar recriar partidos, correntes e lideranças políticas, da esquerda à direita.
Reconstrução é a palavra adequada. Passamos por uma devastação que em geral apenas guerras costumam produzir.
O país ficou quase 9% mais pobre de 2013 a 2016. Dadas as expectativas atuais de crescimento, voltaremos ao nível de 2013 apenas em algum momento de 2022; na expectativa mais otimista, em 2020. Isto quanto a recuperar o que perdemos, a voltar ao mesmo nível de PIB per capita do encantado ano de 2013.
Mas isso é pouco. Quanto deve demorar para recuperarmos também o que deixamos de ganhar? Isto é, recuperar também o que a economia poderia ter crescido nos anos perdidos. Digamos que o país pudesse ter continuado a crescer à medíocre taxa de 2,7% ao ano (média do crescimento de 1996 a 2015). Deixemos um ano, 2015 ou 2016, para lá, um ano perdido mesmo de recessão feia, coisa que volta e meia acontece, é
inevitável, "está no preço".
Se crescermos sem parar à taxa de 3,6% ao ano, ritmo que no momento parece bom além da conta, vamos recuperar o tempo perdido em 2026. Esse é o tamanho do desastre, uma medida da miséria que governos dementes e uma oposição sabotadora produziram. Quando voltarão os empregos perdidos e aqueles que a economia deixou de criar? É bem mais complexo especular, neste caso. Mas, se tudo der muito certo, não antes de cinco ou seis anos.


Faz já 40 anos, cometemos besteirões que nos têm condenado a ser o país do futuro medíocre, talvez sombrio. Vivemos intervalo de relativos progresso, estabilidade e sensatez nos anos de 1995 a 2008, nada brilhantes, mas animadores. Dá medo de pensar que esses 14 anos tenham sido exceção. Mas a estupidez, a violência, a pobreza e a desigualdade não são destino. São escolha