Desde 1984, os dados do IBGE apontam que os casamentos avançaram 17% e os divórcios aumentaram 269%. Na prática, o Brasil conta com 3 gerações de casais legalmente separados
Fábio de Castro, Felipe Resk e José Maria Tomazela, O Estado de S. Paulo
30 Dezembro 2017 | 16h00
SÃO PAULO - Quarenta anos após a instituição da lei do Divórcio no Brasil, um a cada três casamentos termina em separação no País. É o que mostram os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Um balanço feito com dados do instituto entre 1984 e 2016 aponta ainda que o número de dissoluções disparou com o passar dos anos. Em 1984, elas representavam cerca de 10% do universo de casamentos, com 93,3 mil divórcios. Essa correlação saltou para 31,4% em 2016 – com 1,1 milhão de matrimônios e 344 mil separações.
Apesar de a Lei do Divórcio vigorar desde 1977, os dados sobre o tema só começaram a ser incluídos nas estatísticas anuais de Registro Civil na década seguinte. Até aquele ano, o desquite era o dispositivo legal, mas não possibilitava uma nova união formal. O levantamento aponta mais de 7 milhões de dissoluções registradas no País entre 1984 e 2016, ou 580 divórcios por dia, ante 29 milhões de matrimônios.
No período, os casamentos subiram 17%. Já os divórcios aumentaram 269%. Na prática, o Brasil passou a contar com três gerações de casais legalmente separados. É o caso da família Dias Batista, de Sorocaba, que coleciona três divórcios concluídos e outro em andamento – e ainda assim permanece unida.
O patriarca da família, Wilson Dias Batista, de 85 anos, se divorciou duas vezes. A primeira foi em 1978. Já seu filho, o advogado Cláudio Dias Batista, de 51 anos, se divorciou da ex-mulher Cleonice Lagemann, a Cleo, de 47, em 2014. E um filho deles também está em processo de divórcio.
No primeiro divórcio do pai, Cláudio era um menino de 12 anos. Wilson conta que, na época, a separação era difícil. “Precisava que um cônjuge alegasse alguma coisa contra o outro”, lembra. Também tinha de realizar a separação judicial e, só após o prazo, convertê-la em divórcio.
“Era tanta dificuldade que as pessoas pensavam muito antes de iniciar um processo”, afirma Cláudio, que hoje atua na área do Direito da Família. A exigência do período de carência só caiu em 2010. No segundo divórcio do pai, neste ano, nem foi preciso levar o caso ao juiz.
Apesar do próprio histórico de separações, Wilson lamenta o divórcio do filho. “Gosto muito dela, me deu sete netos”, diz. O mais velho tem 25 anos. A mais nova, 11. Cláudio e Cleo se conheceram em São Roque, no interior. Ele, locutor de rádio, foi apresentar um evento no qual ela era modelo. “Foi paixão imediata”, conta o advogado. Hoje, o casal compartilha a guarda de três filhas menores.
Neste Natal, Cláudio viajou com os filhos para o Guarujá, enquanto Cleo ficou em Sorocaba, cuidando do ex-sogro e da tia do ex-marido, Martinha Batista, de 99 anos. “Não faço por obrigação, mas por amor. Continuam sendo minha família”, diz Cleo.
Cláudio tem uma namorada que já foi apresentada à família. Cleo também está em um novo relacionamento, que mantém sob discrição. Mas isso não a impede de cuidar da tia do ex.
“Ela é a filha que não tive. Não tinha nenhuma obrigação de cuidar de mim, mas me trouxe para morar com ela”, diz dona Martinha, prestes a completar 100 anos. Lúcida, ela se aposentou como meteorologista e nunca quis se casar. “Fui ao cardiologista e ele disse que meu coração aguenta mais uns 20 anos. Isso porque eu nunca tive marido.”
Um dos filhos do ex-casal está em processo de divórcio, após três meses de união. O período curto não surpreende Claudio. “Na sociedade contemporânea, os relacionamentos começam e se desfazem com muita rapidez, mas nem sempre a legislação acompanha”, afirma. “A guarda compartilhada, por exemplo, é um grande avanço, mas pressupõe que o casal tenha um relacionamento bom.”
Divorciada há quase dois anos, a bancária Mariana Pereira, de 42, compartilha com o ex-marido a guarda de um gato, o Eddie, que sempre trataram como filho. “Foi um acordo bem natural para nós dois”, conta. O acordo, segundo afirma, fez da separação menos dolorosa. “O Eddie é parte da nossa família e a solução para que nenhum de nós ficasse sem vê-lo fez bem para nós dois.”
Fortalecimento. Para especialistas em Direito da Família, uma das razões do “boom” de divórcios é o recuo do preconceito. “As pessoas desquitadas, especialmente as mulheres, eram extremamente estigmatizadas”, diz Luiz Kignel, sócio da PLKC Advogados. “Houve uma mudança cultural em que se compreendeu que o divórcio não é um mal. Os casais que se separam não optaram pela solidão, mas pela felicidade.”
O avanço da legislação – que permitiu divórcio em cartório e retirou o prazo de separação – é outro motivo para a alta, segundo defende Mário Luiz Delgado, diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp). “Isso não significa o enfraquecimento do casamento como instituição, mas sim o fortalecimento”, diz. “Com esse cenário, nenhum casamento vai continuar por conveniência, medo ou dificuldade de ser dissolvido.” / COLABOROU ISABELA PALHARES
Ela foi a primeira divorciada do País e faria de novo
Hoje com 78 anos, divorciada se tornou juíza de paz
Roberta Pennafor, O Estado de S. Paulo
30 Dezembro 2017 | 16h00
RIO - "Eu já me casei pensando na separação”, diz Arethuza Figueiredo Henrique Silva de Aguiar, a primeira mulher a se divorciar no Brasil. Hoje com 78 anos, juíza de paz ainda em atividade, sustenta o que pensava à época. “Ninguém deve fingir nada, nem por patrimônio nem pelos filhos. Nenhum filho prefere ver um matando o outro em seu nome”, defende. “Você não pode ser infeliz com medo do que os outros vão dizer, seja em 1977, seja em 2017.”
Então estudante de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), filha da classe média de Niterói, a jovem Arethuza se uniu ao primeiro marido, a quem não amava, induzida pela mãe. Tinha 23 anos e disse o “Sim” na Igreja da Porciúncula de Sant’Ana, em Niterói, em fevereiro de 1963. Teve duas filhas, nascidas em 1964 – ano de sua formatura na universidade – e em 1967. Em março de 1970, já estava desquitada.
Em plena ditadura, o divórcio foi sancionado em 26 de dezembro de 1977. No dia 29, Arethuza, aos 38 anos, se divorciou, sob as lentes ávidas da imprensa. Era a mulher mais citada no noticiário então. “Minha mãe teve de aceitar. Aquele fim de ano foi muito especial para mim. Faria tudo outra vez. O que vi de gente infeliz no Direito de Família, doente, por causa de casamentos malditos...”
Em 1978, ela se casou de novo. Separou-se 16 anos depois. Mãe de duas filhas e avó de quatro netas, ela segue realizando casamentos e “acreditando piamente no amor”. “É uma instituição maravilhosa, apesar de eu não ter encontrado a felicidade no casamento”, afirma.
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