terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Michael França - Que tipo de desigualdade podemos tolerar?, FSP

 Uma sociedade plenamente igualitária talvez seja uma ótima ficção literária, mas não representa um bom guia de política pública. As pessoas têm desejos diferentes, disposição distinta para o risco, habilidades e prioridades variadas. Mesmo em um país ideal, em que todos partissem de um ponto de partida parecido, alguns trabalhariam mais, outros prefeririam mais tempo livre e alguns aceitariam salários menores em troca de estabilidade.

No final dessa geração hipotética, teríamos um mundo com desigualdades de renda, de patrimônio e de estilo de vida. Tal desigualdade não seria necessariamente injusta, pois os cidadãos tiveram oportunidades parecidas e os resultados obtidos foram frutos de escolhas e esforços distintos.

A pergunta não é se haverá desigualdade, pois sempre haverá. A pergunta é sobre qual o tamanho e o tipo que estamos dispostos a aceitar. A ideia de "desigualdade justa" aparece aí. Em linguagem simples, ela sugere que as diferenças de resultados podem ser toleradas quando decorrem de escolhas e esforços feitos sobre uma base minimamente semelhante de oportunidades. O desafio é que, quando passamos dessa concepção geral para o exame mais cuidadoso, esse ponto de partida comum fica mais difícil de definir.

A imagem mostra um menino ajoelhado no chão, polindo o sapato de um homem que está em pé. O menino usa uma camisa clara e calças escuras, enquanto o homem está vestido com um terno. Ao fundo, há caixas empilhadas, possivelmente de sapatos, e outras pessoas podem ser vistas ao longe. A cena retrata uma atividade de trabalho em um ambiente urbano.
Menino trabalhando como engraxate em Bowery, Nova York, 1910 - Lewis W. Hine/Divulgação

A versão mais conhecida dessa visão aparece na noção de igualdade de oportunidades, ou seja, não seria necessário igualar os resultados individuais, desde que todas as pessoas tivessem acesso a boas escolas, saúde básica e segurança.

Em teoria, é um pensamento elegante. Contudo, na prática, duas dificuldades emergem. A primeira é óbvia nas estatísticas de qualquer país desigual. O lugar em que a pessoa nasce continua associado à qualidade da escola, à estabilidade da renda, ao nível de violência e à chance de encontrar redes de apoio.

A segunda dificuldade é mais sutil. Mesmo que um governo avançasse na direção de equalizar oportunidades, ainda assim a desigualdade remanescente estaria livre de críticas? A resposta é menos evidente do que parece.

Parte das diferenças de renda não nasce apenas de esforço, mas também de choques de sorte e azar, como doenças inesperadas, acidentes, encontros profissionais fortuitos ou crises econômicas. Outra parte é produzida por mecanismos de transmissão familiar mais sofisticados e difíceis de capturar nas estatísticas tradicionais.

Catadores separam material reciclável na rua 25 de Março, região central de São Paulo - Lalo de Almeida - 14.dez.22/Folhapress

O modo de falar, a confiança para se apresentar diante de autoridades, por exemplo, ou mesmo o apetite para correr riscos, costumam ser menos uma escolha individual e mais um subproduto do patrimônio herdado. Para quem tem uma reserva financeira, correr riscos equivale a jogar uma partida em que a derrota traz incômodos, mas dificilmente representa um golpe que leve ao nocaute.

Para quem vive no limite, um fracasso empresarial significa voltar à pobreza, comprometer o futuro dos filhos e recomeçar do zero em um mercado de trabalho que pune biografias marcadas por interrupções.

Entretanto, apesar das dificuldades de encarar de frente a distância inicial entre as linhas de partida, precisamos avançar para um país em que o destino dependa menos do berço e mais das escolhas e esforços de cada pessoa.

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