A gente aprende no mundo ocidental que o educado é comer com talheres, essas pazinhas de metal que levantam a comida do prato e a trazem à boca, numa mini-versão da corrida equilibrando a batata na colher onde a gente mostra a competência adquirida na infância. Mas aí colocam um sanduíche, taco mexicano ou burrito na frente da gente, ou um rolinho primavera vietnamita cru, que a gente tem que pegar com a mão, mesmo, ou um bom pedaço de frango assado —e céus, a experiência sensorial é completamente diferente. A comida comida com as mãos é um deleite para os sentidos.
Faz todo sentido. O principal órgão sensorial da boca é a língua, que é muito mais que um músculo, mas, para começo de conversa, é um músculo mesmo, e, como tal, é cheio de receptores proprioceptivos. Esses são terminações nervosas que envolvem fibras musculares modificadas, chamadas fusos (por causa de seu formato), e indicam ao cérebro quão esticadas ou encurtadas os fusos estão, conforme os músculos se contraem.
Ou seja: os receptores proprioceptivos informam ao cérebro toda e qualquer mudança no formato da língua, conforme ela se estica, alarga, abraça e acolhe a comida na boca. Além disso, se o que entra na boca é um pão crocante, uma tortilha macia ou frango se despedaçando de tenro, a experiência proprioceptiva da boca é completamente diferente.
Mas quando se usa um garfo... basta abrir a boca sempre do mesmo jeito para acolher o montinho de comida. E, uma vez dentro da boca, quem primeiro se expõe a ela é o palato, nome chique mas muito menos poético do céu da boca, que tem muito menos receptores do que a língua.
Ainda antes do sabor, que depende da difusão de moléculas da comida para dentro das papilas gustativas, vêm a textura e a temperatura, cortesia de outros tipos de receptores nervosos, dos tipos cutâneo e interoceptivo. Os primeiros indicam a maciez ou aspereza da comida, se ela começa líquida, em partículas ou pedaços grandes, se desliza na boca ou é seca. Os segundos indicam a temperatura, e eventualmente a presença de substâncias químicas como menta, álcool ou pimenta.
Só então vem o paladar de fato, que é a parte menos rica e sensorialmente interessante da comida, porque ela só informa ao cérebro o tipo de nutriente que será digerido: proteína, sal, açúcares, ácidos ou alcalóides.
E nada disso sozinho é sabor ainda. O sabor é criado no cérebro, como a combinação de tudo isso e mais um tanto: o cheiro da comida, que, se vinda de garfo, a gente só detecta quando já está dentro da boca, conforme a gente respira enquanto mastiga —pois o cheiro da comida chega ao nariz pelo lado de dentro, pela garganta.
Mas quando se come com as mãos, a comida é trazida inteira à boca, bem debaixo do nariz, que tem a oportunidade de inalar toda aquela deliciosidade ainda antes dela ser abocanhada.
A alternativa muito mais saborosa para a sopa é sorvê-la diretamente de uma xícara ou pote, que também muda tudo, a começar com o biquinho que a gente faz para puxar para a boca o líquido, que vai desde já inundando todas as superfícies com todo tipo de sensação ao mesmo tempo.
Por isso os pauzinhos dos orientais, que deixam a língua abraçar a comida imediatamente, são uma grande invenção. O sushi não teria o mesmo sabor se fosse comido de garfo e faca...

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