domingo, 26 de outubro de 2025

Estado Novo, ditadura de Getúlio Vargas, acabava há 80 anos; veja cronologia, FSP

 Bruno Xavier

São Paulo

De 1937 a 1945, o Brasil viveu sob a ditadura do Estado Novo, comandada por Getúlio Vargas. O período é caracterizado por mudanças amplas no país (que fica menos rural, mais urbano e passa por um processo de industrialização intenso, surgindo uma classe operária atuante politicamente), mas também ficou marcado pela perseguição, tortura e morte de opositores ao regime.

Em setembro de 1937, um documento falso criado pelo capitão Olímpio Mourão Filho que acusava judeus e comunistas de planejarem a tomada de poder passou a circular. Dois meses depois, Getúlio anunciava o fechamento do Congresso, o cancelamento das eleições e a imposição de uma nova Constituição. Era o início da ditadura do Estado Novo, que seria encerrada em 29 de outubro de 1945.

Vargas, de terno, em um carro aberto, leva a mão à cabeça e saúda o público da arquibancada do estádio do Pacamebu
Getúlio Vargas saúda o público durante as comemorações do dia do Trabalho em 1º de Maio de 1944, no estádio do Pacaembu, em São Paulo - CPDOC/Fundação Getúlio Vargas

Antes disso, medidas autoritárias já estavam em vigor desde a Intentona Comunista, em 1935. Neste ano, o governo Vargas passa uma série de emendas e decretos ampliando o poder da Presidência. Em 1936, é criado o Tribunal de Segurança Nacional (TSN), uma corte de exceção para julgar opositores, e o país vivia em estado de sítio.

Nesse período, ainda constitucional, já havia prisão e tortura de opositores. Em 1936, por exemplo, o americano Victor Barron foi submetido à tortura para revelar o esconderijo de Luís Carlos Prestes. Barron foi arremessado da janela do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) —que já existia desde a República Velha— do Rio de Janeiro e a polícia alegou que ele se suicidou.

No mesmo ano, com o aval do STF (Supremo Tribunal Federal), o governo deporta Olga Benário, esposa grávida de Prestes, para a Alemanha nazista. Judia e comunista, Olga seria assassinada em uma câmara de gás em 1942.

Antes do Estado Novo, de 1930 a 1934, Vargas liderou primeiramente um governo dito provisório, ao longo do qual a Constituição de 1891 estava suspensa. Em 1934, com a promulgação de uma nova Carta, o gaúcho foi eleito indiretamente para continuar na Presidência.

Veja a cronologia da ditadura Vargas

1937

Em 10 de novembro, Getúlio anuncia o início do Estado Novo em transmissão de rádio para todo o país. No pronunciamento, afirma que o Brasil estava à beira de uma guerra civil e que a medida seria necessária para "reajustar o organismo político às necessidades econômicas do país".

Em 2 de dezembro, um decreto extingue todos os partidos políticos e, dois dias depois, em uma cerimônia no Rio de Janeiro, Vargas queima em uma pira as bandeiras de todos os estados do país. A partir deste momento, os únicos símbolos permitidos no Brasil eram a bandeira, o brasão e o hino nacionais.

1938

Na madrugada de 11 de maio, um grupo de camisas-verdes faz um ataque ao Palácio Guanabara, onde o presidente residia. Eles também tomam o prédio do Ministério da Marinha e prendem o chefe de gabinete do Ministério da Guerra.

No Guanabara, são recebidos a tiros, e a revolta é rapidamente desmontada. Na sequência, Vargas publica um decreto reduzindo os prazos para julgamento pelo TSN, passando para apenas cinco dias o período entre a denúncia e a condenação e ampliando, assim, a máquina de repressão.

1939

Em setembro, é iniciada a Segunda Guerra Mundial na Europa. A essa altura, Vargas mantinha boas relações com os regimes de Hitler e Mussolini e havia uma ala abertamente favorável ao alinhamento com o Eixo no governo, formada principalmente por Filinto Müller, chefe da tortura, Pedro Aurélio de Góis Monteiro, chefe do Exército, e Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra e futuro presidente.

Em dezembro, é criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão essencial para a censura do regime e para a disseminação da imagem de Vargas e do governo para a população por meio da imprensa, inclusive por meio de interventores da ditadura nas redações.

Fim da Era Vargas, 80

  • Série de reportagens

    A Folha publica série de reportagens que retrata a renúncia de Getúlio Vargas à Presidência da República em outubro de 1945, há 80 anos, após oito anos de governo autoritário no Estado Novo. Os textos buscam mostrar como o regime que Getúlio promoveu vai além da visão tradicional de expansão dos direitos trabalhistas e modernização do Estado, destrinchando as violações de direitos, a articulação pela derrubada do mandatário e as consequências do período até os dias de hoje.

1940

Em junho, um dia após o presidente americano Franklin Roosevelt discursar defendendo o esforço de guerra dos Aliados contra o Eixo, Vargas se pronuncia a bordo do Encouraçado Minas Gerais, rejeitando o liberalismo e dizendo que o mundo chegava a uma nova era que seria guiada por "povos vigorosos, aptos à vida".

A fala é vista como uma aproximação ao Eixo e gera constrangimento diplomático. Dois dias depois, o brasileiro envia uma mensagem ao governo americano e à imprensa dizendo que o discurso não era uma resposta à fala de Roosevelt, alegando que não tinha conhecimento do conteúdo anteriormente, e tampouco indicava que o Brasil quebraria a política de neutralidade na guerra.

1941

Em março, o navio brasileiro Taubaté é atacado por forças alemãs enquanto navegava próximo à costa do Egito. Esse foi o primeiro de uma série de ataques a embarcações brasileiras que culminariam na entrada do país na guerra. No navio estava o primeiro brasileiro a morrer na guerra: José Francisco Fraga, vítima de uma rajada de metralhadora.

1942

Sob pressão dos Estados Unidos, Vargas negocia os termos da entrada do Brasil na Segunda Guerra. Em troca de treinamento e equipamento para o Exército, construção da Companhia Siderúrgica Nacional, além de incentivos e acordos comerciais, o país permite a instalação de uma base militar americana em Natal —estratégica devido à proximidade com o norte da África— e o envio de soldados brasileiros à Europa.

Embarcações brasileiras continuam sendo atacadas e afundadas pelas forças do Eixo. O país responde com ataques aéreos a submarinos alemães e com o confisco de bens dos súditos do Eixo. A medida, voltada a alemães, italianos e japoneses, foi especialmente pesada contra estes últimos, que sofreram expulsão de suas casas e terras e, em alguns locais, foram confinados em campos de concentração. Em agosto, o Brasil declara oficialmente guerra aos países do Eixo.

Roosevelt e Vargas, ambos de terno e chapéu brancos, em um jipe
Encontro dos presidentes Franklin Roosevelt (à esq.), dos EUA, e Getúlio Vargas, na base militar da Rampa, em Natal, durante a Segunda Guerra Mundial - Leonardo Barata/Acervo Pessoal

1943

Em janeiro ocorre a Conferência do Potengi, no Rio Grande do Norte. O presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, e Vargas acertam as condições do acordo que vinha sendo negociado. Dois meses depois é criada a Força Expedicionária Brasileira (FEB), que no ano seguinte desembarcaria na Itália para combater o Eixo.

Em outubro, é publicado o Manifesto dos Mineiros, uma carta de políticos e intelectuais de Minas Gerais pedindo pela redemocratização do país. Seus signatários foram alvo de perseguição e demissões, e o conteúdo do texto não chegou a abalar a estrutura repressiva varguista, mas serviu como um marco do início dos protestos pela democracia.

1944

O ano é dominado pelo envio e pela chegada da FEB à Itália. Com o apoio do Exército americano, os pracinhas avançam sobre o sul do país e alcançam a cidade de Nápoles em dezembro.

1945

Em fevereiro o ex-aliado de Vargas José Américo de Almeida dá uma entrevista para o opositor Carlos Lacerda, no Correio da Manhã. Na entrevista Américo critica Vargas e defende a redemocratização do país e a convocação de novas eleições. A entrevista reanima os defensores do fim do Estado Novo e fragiliza o regime. A censura não consegue conter os efeitos da publicação.

Em maio, decreto de Vargas estabelece anistia aos presos políticos, incluindo Luís Carlos Prestes, convoca eleições para 2 de dezembro e permite a organização partidária.

Enquanto aconteciam os preparativos para as eleições do fim do ano, Vargas e aliados organizaram o movimento "Queremos Getúlio", que ficou conhecido como queremismo, e propunha a continuidade de Vargas no poder, preocupando os militares. Em 3 de outubro, aniversário da revolução de 1930, 150 mil manifestantes se reúnem no largo da Carioca, no Rio, em ato pela permanência de Vargas.

No final do mês, corre a informação de que o chefe da polícia do Rio de Janeiro seria trocado pelo irmão do ditador, Benjamin Vargas. A medida escandaliza os líderes militares, que veem no movimento uma preparação de Vargas para um novo autogolpe.

Dutra, com a faixa presidencial, assina decreto
Sucessor de Vargas, Eurico Gaspar Dutra tomou posse em 1946 - Arquivo Nacional

Em 29 de outubro, Góis Monteiro, que ocupava o Ministério da Guerra, envia um pedido de exoneração a Getúlio, mas é impedido de se encontrar com o chefe pelo general Cordeiro de Farias, que o convence a participar de um movimento para depor o presidente.

Com o palácio cercado de militares, o ministro da Justiça diz para Getúlio que o Exército controlava a situação e pede para que o presidente renuncie, evitando uma derrubada violenta. O ditador responde: "Já que é um golpe branco, não serei elemento de perturbação. Diga-lhes que não sou mais presidente da República e desejo retirar-me para meu Estado"

O comando militar convoca o presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, para ocupar a presidência e transmitir o cargo ao eleito em dezembro. Acaba o Estado Novo.

Brasil pode ser nova potência global, Camila Rocha, FSp

 O Brasil é um país grande e importante. Essa foi a resposta de Marco Rubio, secretário de Estado dos Estados Unidos, ao ser questionado sobre o objetivo do encontro entre Donald Trump e Lula em Kuala Lampur, na Malásia.

Ainda que as tarifas impostas por Trump tenham prejudicado a economia norte-americana, existem interesses de longo prazo em jogo na aproximação entre os dois países. Rubio afirma que os Estados Unidos querem se tornar os parceiros comerciais preferenciais do Brasil em detrimento da China. A missão não será fácil.

Dois homens em trajes formais apertam as mãos diante de cortinas azuis. À esquerda, bandeira dos Estados Unidos; à direita, bandeira do Brasil.
O presidente Lula durante encontro com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na 47ª Cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático, na Malásia

Após o tarifaço americano, o Brasil registrou em agosto um incremento de 30% nas exportações para a China e um recuo de 18% nas vendas para os EUA. Além disso, Lula já afirmou que "o mundo de hoje não aceita mais uma nova Guerra Fria" e que o Brasil quer estar "do lado de todos os países do mundo que queiram fazer negócio conosco". Mas não qualquer negócio.

Dias antes de seguir para a Malásia, Lula declarou em Jacarta, na Indonésia, que o Brasil "não quer reproduzir a condição de meros exportadores de commodities". Citou como inspiração a própria Indonésia, que incentiva o processamento de minério bruto em seu próprio território.

O modo como o Brasil irá lidar com os chamados minerais críticos é de extrema importância em meio à rápida transição para um novo sistema energético. Não à toa, tais minerais estão no topo das parcerias estratégicas que o governo brasileiro deve propor ao governo norte-americano.

Na Indonésia, Lula destacou a criação do Conselho Nacional de Política Mineral como um passo fundamental para garantir a soberania do Brasil no setor. Porém, para que o país possa, de fato, aproveitar todo o seu potencial, há muito mais a ser feito.

De acordo com economistas do Net Zero Industry Policy Lab, abrigado na Johns Hopkins University, o Brasil, com seu tamanho e riqueza de recursos, pode se tornar uma potência de primeira linha na ordem geopolítica emergente, ao lado da China, dos Estados Unidos e da Rússia

O país pode liderar setores críticos para a economia verde global de 2050, como metais de transição, biocombustíveis, aço de baixo carbono, fabricação de turbinas eólicas e fabricação de aeronaves. O Brasil possui tudo o que é necessário para se tornar um grande produtor e exportador de energia, materiais e tecnologia: reservas significativas de petróleo e gás e expertise, além de minerais essenciais, recursos renováveis, biocapacidade e base industrial.

Porém, para aproveitar todo esse potencial, é preciso fazer a lição de casa. Isso inclui: concentrar a política industrial em subsetores ou áreas tecnológicas específicas; evitar a dispersão dos 60 bilhões de dólares alocados para a Nova Indústria Brasil (NIB); se firmar em setores altamente competitivos; ter um plano claro de colaboração entre governo, empresas, sindicatos, sociedade civil e especialistas independentes; e investir em sinergias entre educação, inovação e indústrias estratégicas, seguindo os modelos da Embraer, da Embrapa e da Petrobras.

Mas a principal lição é, segundo a especialista Carlota Perez, evitar a (re)primarização e a dependência de commodities. Ao que tudo indica, ao menos no discurso, começamos bem.

Conteúdo feito por IA venceu: a internet não é mais humana, FSP Ronaldo Lemos

 Há uma virada histórica em curso. Pela primeira vez, o número de artigos escritos por inteligência artificial superou os textos produzidos por humanos na internet. Em 2025, 53,5% do conteúdo textual da web passou a ser gerado por máquinas. Vale notar que textos são só a ponta da lança. Áudio e vídeo estão indo na mesma direção.

Em paralelo, há uma mudança rápida no modelo de negócios das empresas de inteligência artificial. A IA até agora era vendida como uma ferramenta a ser aplicada em tarefas práticas. Não mais. As empresas de IA passaram a querer "engajamento", isto é, aumentar o tempo de uso da plataforma. Tudo para reter a atenção do usuário ao máximo.

Soa familiar? Sim. Esse é o modelo de negócio das redes sociais. Só que agora movido por IA. Por exemplo, a OpenAI anunciou que vai permitir conversas sexuais da sua IA com adultos. Lançou também o Sora, aplicativo focado em vídeos curtos, como o TikTok, só que produzidos com IA.

Pessoa vestindo jaleco branco e estetoscópio, com braços cruzados. A cabeça é substituída por uma televisão antiga exibindo as letras 'IA' em rosa. Fundo rosa com padrão de pontos amarelos atrás da televisão.
Ferramentas de inteligência artificial são usadas na área de saúde, como terapeuta, por exemplo - Beast01/Adobe Stock

As empresas do setor como um todo estão apostando em IAs que atuem como "companheira", "terapeuta", "amiga", "namorada" e outros antropomorfismos capazes de gerar dependências emocionais entre humanos e máquinas. Se a expressão dos últimos anos foi "capitalismo de vigilância", a dos próximos pode ser "capitalismo de dependência".

Isso porque a IA ocupa uma posição privilegiada para explorar vulnerabilidades humanas: solidão, luto, tristeza, frustração. Especialmente entre os mais jovens. Em um mundo com pessoas cada vez mais solitárias e atomizadas, a IA estará sempre à espreita. Alguém que perde um parente próximo, tem um dissabor profissional, separa-se do companheiro, pode se sentir tentada a "se abrir" com a IA. É um ato mais fácil (e "sem fricção") do que buscar conversar com outro ser humano.

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A relação emocional das IAs com seres humanos é o triunfo do behaviorismo. Ao hiperfocar só no que pode ser observado externamente (ações, estímulos, respostas, palavras) e desincumbir-se dos processos mentais internos e verdadeiros, a IA assume um lugar de domínio estrutural. A partir da capacidade de testar seu aguilhão em centenas de milhões de pessoas, captando sinais objetivos e verificáveis e respondendo a eles em tempo real, converte-se em uma ferramenta de condicionamento sem precedentes.

Há exatos quatro anos escrevi na Folha o artigo sobre a "grande ruptura" ("Como as redes digitais demolem a cultura e ampliam a ansiedade"). Nele falava de como as mídias vinham sendo "instrumentalizadas para produzir manipulação emocional do que para comunicar". E como "a informação ou conteúdo textual, quando presentes, servem apenas de veículo para transportar efeitos emocionais". Estamos agora vivendo a grande ruptura com esteroides.

Conversando com o amigo Hermano Vianna sobre tudo isso, ele me falou: "A internet precisa de uma Revolução Francesa –estamos numa nova Bastilha–, é preciso reconstruir as praças públicas, os 'Commons', os rocios. Seria um bom projeto europeu".

Seu comentário é apropriado. Nesta terça-feira (28) vou jantar com Emmanuel Macron no Palácio Eliseu. Vou propor exatamente isso. Talvez ele seja a pessoa certa para ouvir essa ideia.

Já era – democracias estáveis

Já é – falar no risco da desinformação para as democracias

Já vem – falar no risco da distração (e da atenção capturada) para as democracias