domingo, 7 de dezembro de 2025

Marcus André Melo - O STF está se paquistanizando?, fsp

 Em 2018, comovido com o infortúnio de um estudante de medicina sem condições de pagar as mensalidades de uma universidade privada, o presidente da Suprema Corte do Paquistão, determinou que o próprio tribunal custeasse seus estudos.

Ele também criou uma comissão para a análise da ração de galinhas. E outra para se contrapor a política de taxação zero de remessas do exterior implementada pelo governo. Seus apoiadores justificam suas ações por causa da inação do Poder Executivo. A corte também cancelou os direitos políticos do primeiro-ministro Nawaz Sharif quando vieram à tona os Panamá Papers. Dez anos antes ocorreu o inverso: o governo militar destituiu o então presidente do tribunal e mais 60 juízes. Juízes populistas e juízes independentes por vezes se confundem.

A cornucópia de desvios no caso paquistanês permite distinções finas nas patologias que podem afligir cortes constitucionais e que também se manifestam no nosso STF. Mas não as esgotam. Temos patologias que não aparecem em notórias cortes anômalas como a paquistanesa.

A imagem mostra uma sessão do Supremo Tribunal Federal do Brasil. O ambiente é formal, com uma mesa em formato retangular onde estão sentados vários ministros. Ao fundo, há uma bandeira do Brasil e um símbolo de cruz. A iluminação é suave e as paredes têm um design texturizado. Na frente, há telas que exibem um orador.
Sessão de abertura do segundo semestre do Judiciário no Supremo Tribunal Federal - Gabriela Biló - 1º.ago.25/Folhapress

A lista é longa: de juízes-dublês de empresário e processos em que parentes dos juízes são defensores, a ministros que atuam como chefe do controle externo. A generosidade da corte como provedora de bens individuais, como no exemplo paquistanês, é decerto singular, mas ainda não chegamos lá.

Mas a expansão da jurisdição constitucional é ubíqua entre nós. Aqui a distinção da cientista política Lisa Hilbink entre populismo judicial e ativismo judicial, em paper na Law and social inquiry (2024), é esclarecedora.

Enquanto o populismo judicial pode ser captado em uma escala que contém um polo onde a responsabilidade com a segurança jurídica é máxima; o público da decisão é interno (a comunidade jurídica), as decisões colegiadas e técnicas. E o polo oposto em que há responsividade (relação direta sem mediações com o "povo", para atender demandas que o sistema representativo não garantiria; o público é externo (a opinião pública); a decisão é individual (o juiz herói ); e os procedimentos descumpridos.

O ativismo judicial, por sua vez, refere-se ao conteúdo substantivo da decisão e não da sua forma. Pode ser mensurado em escala semelhante entre dois polos. De um lado, máxima autocontenção e deferência em relação à legislação/interpretações consolidadas; de outro, "inovação" institucional, que chega à anulação e substituição de decisões de outros Poderes. As consequências: o que Yasser Kureshi (Oxford) denomina institucionalização dissonante que mina a legitimidade do sistema político pela espiral de reações que deflagra.

Como Hilbink argumenta, não há correlação necessária entre populismo e ativismo judiciais. É também o que observamos na decisão cautelar do ministro Gilmar Mendes em relação à Lei do Impeachment. Mas há aqui, na realidade, mais que ativismo. Mas ação política instrumental sobre as regras do jogo da separação de Poderes. Intervenção com apelo técnico e marcada por discrição. Não há aqui um juiz buscando "acelerar" o processo de mudança social. Mas a figura insidiosa do juiz misto de árbitro e jogador.


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