domingo, 12 de outubro de 2025

A narrativa do governo não cola _ Marcos Lisboa FSP

Na semana passada, o Congresso derrubou a medida provisória 1.303, que estabelecia mudanças em regras de tributação. A derrota provocou reações indignadas no governo.

O presidente afirmou: "A decisão da Câmara de derrubar a medida provisória que corrigia injustiças no sistema tributário brasileiro não é uma derrota imposta ao governo, mas ao povo brasileiro. Essa medida reduzia distorções ao cobrar a parte justa de quem ganha e lucra mais. Dos mais ricos".

De acordo com a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), "a pequena parcela muito rica do país não admite que seus privilégios sejam tocados. Não querem pagar impostos como a maioria dos cidadãos".


As frases estão distantes dos fatos. Os detalhes da proposta revelam uma história muito diferente. O texto original do governo preservava distorções na tributação, como uma alíquota de apenas 5% para alguns títulos privados de crédito. Os problemas não param por aí.

A medida ficou ainda pior com a versão aprovada na comissão mista do Congresso, em que os lobbies mais fortes mantiveram ou ampliaram seus benefícios. Nada mal para os grupos do setor privado que podem tomar empréstimos com isenção de tributos. Os demais teriam maiores dificuldades em conseguir financiamento.

O objetivo do governo era aumentar a arrecadação para viabilizar gastos crescentes, embalada por sugestões tímidas de reduzir distorções nas regras tributárias, mas que resultaram em novos problemas.

Folha Mercado

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Mas, se essa era a intenção, além de "cobrar a parte justa", a proposta não deveria implicar tributação igual para todos que ganham o mesmo? Por que alguns não têm que pagar Imposto de Renda como se cobra dos demais?

Vale lembrar que o governo recentemente criou a LCD (Letra de Crédito do Desenvolvimento), um instrumento para financiar modalidades de investimento isentas de tributos. Afinal de contas, qual é a agenda do governo? Aumentar ou reduzir as distorções tributárias?

Ao contrário do discurso oficial, a crítica à proposta não foi motivada para preservar benefícios tributários, mas, sim, por ampliá-los para demais grupos do setor privado.

agronegócio e a construção civil, por exemplo, são financiados pela emissão de dívida isenta de alguns tributos.

A negociação com o Congresso conseguiu piorar a medida e, entre outros pontos preocupantes, preservou o regime tributário favorecido das bets. E a distância entre a isenção de uns e a tributação dos demais aumentaria com a proposta rejeitada.

O governo fez um discurso pela esquerda, mas apoiou uma proposta com o esqueleto dos lobbies usuais.

O discurso oficial critica os gastos tributários, as isenções fiscais que beneficiam parte da elite e as distorções que favorecem alguns muito ricos em detrimento dos demais. No entanto, defendeu uma medida que vai na contramão do seu discurso.

Por que favorecer as bets? Por que favorecer ainda mais os empresários do agronegócio, que já contam com muitos benefícios tributários, e os do setor imobiliário?

Não faltam críticas à agenda patrimonialista apoiada pelo Congresso. Mas, nesse caso, a agenda foi iniciada pelo Executivo. A surpresa foi o Congresso tê-la rejeitado.

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      Veja glossário de termos econômicos e fiscais

      • Regime fiscal é o nome dado ao conjunto de princípios e regras formais que buscam a estabilidade das contas públicas.

      sexta-feira, 10 de outubro de 2025

      Ministério da Agricultura Familiar pede R$ 50 milhões para estocar produtos e blindar setor do tarifaço, FSP

       

      Brasília

      O MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar) solicitou um reforço orçamentário de R$ 50 milhões em crédito extraordinário para apoiar cooperativas e associações do setor afetadas pela sobretaxa de 50% imposta pelos Estados Unidos.

      Conforme informações obtidas pela Folha, o pedido foi enviado ao MPO (Ministério do Planejamento e Orçamento), responsável por analisar o pleito e autorizar o repasse do orçamento federal. Por meio de nota, o MPO declarou que "não se manifesta sobre eventuais pedidos de crédito em andamento".

      Cooperativas de produção de castanha de caju estão entre os potenciais beneficiados do crédito extraordinário

      Do total solicitado, R$ 30 milhões seriam aplicados de forma imediata para socorrer produtores de mel, castanha-do-pará e castanha de caju —setores que, segundo o MDA, estão entre os mais atingidos pelas tarifas impostas pelo presidente americano Donald Trump.

      Pequenos produtores de laranja também seriam alcançados pelo recurso, apesar de a fruta ter escapado da sobretaxa de 50%, ficando com a tarifa de 10%.

      A medida propõe que o socorro seja feito por meio do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos). Criado em 2023, esse programa público prevê a compra produtos da agricultura familiar pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) para formação de estoques e apoio a programas sociais de combate à fome.

      O pedido está embasado em reflexos econômicos já sentidos pelos produtores, com retração nas exportações. O setor de mel, que vende grande parte de sua produção para os EUA, estima uma queda de até 40% no volume exportado desde o início do tarifaço de 50%, em 6 de agosto.

      Uma situação parecida atinge as cadeias da castanha-do-pará, típica da Amazônia, e da castanha de caju, mais concentrada no Nordeste, especialmente nos estados Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte.

      Mais de 70% da produção nacional desses três produtos vêm da agricultura familiar e do extrativismo, daí a preocupação com o impacto social. Segundo a pasta, a medida pode evitar um colapso de preços internos e a perda de renda de cerca de 18 mil famílias que atuam na cadeia produtiva.

      Com o aumento das tarifas, os produtos ficaram menos competitivos no mercado internacional, levando ao acúmulo de estoques e à queda nas receitas das cooperativas. O governo teme que, sem o apoio emergencial, pequenos produtores fiquem inadimplentes, abandonem a atividade ou sejam forçados a vender a produção por valores abaixo do custo.

      Os R$ 20 milhões restantes seriam usados em outras modalidades do Programa de Aquisição de Alimentos, como a "compra com doação simultânea", que adquire alimentos para doação a instituições assistenciais.

      O pedido esbarra em um cenário fiscal preocupante. O total indisponível para os ministérios chegou a R$ 12,1 bilhões neste ano. O pedido de R$ 50 milhões seria um crédito extraordinário a ser liberado pelo Tesouro Nacional, ou seja, fora do orçamento regular da pasta.

      O MDA argumenta, no entanto, que o custo fiscal é baixo diante do impacto social que a iniciativa pode gerar, evitando desemprego rural e desestruturação de produção em regiões já vulneráveis.

      O ministro Paulo Teixeira confirmou o plano à Folha. "Depois da notícia de que os Estados Unidos finalmente aceitam abrir uma negociação, esperamos que as tarifas caiam pela via diplomática. Mas enquanto isso o governo do presidente Lula trabalha em conjunto para evitar que nossos produtores tenham prejuízos", afirmou.


      Baixo desemprego coexiste com alta informalidade, Deborah Bizarria, FSP

      A taxa de desemprego caiu para 5,6% no trimestre encerrado em agosto, repetindo o menor nível da série da Pnad Contínua. No mesmo período, a informalidade atinge 38% dos ocupados, o equivalente a 38,9 milhões de pessoas. O país vive um aparente paradoxo: há mais gente empregada, mas uma parcela grande sem acesso à seguridade social.

      A imagem mostra uma feira de rua movimentada, com barracas cobertas por toldos coloridos. À esquerda, há uma barraca com bolsas e acessórios expostos. No centro, uma mesa apresenta tênis à venda, com um cartaz indicando o preço de R$ 49,99. Pessoas caminham pela calçada, algumas carregando sacolas. O ambiente é urbano e parece ser um local popular para compras.
      Ambulantes na rua João Fernandes Neto, em Belford Roxo, na baixada fluminense. - Eduardo Anizelli - 23.mai.23/Folhapress

      No comércio, o contraste é visível. Segundo estimativas de entidades locais do Brás e do Bom Retiro, grandes centros em São Paulo, há mais de 11 mil vagas abertas com dificuldade de preenchimento; o setor cita aumento de custos e alta rotatividade, enquanto muitos trabalhadores preferem alternativas com mais autonomia. Nesse contexto de desemprego baixo, a escolha reflete insatisfação com o formato tradicional. Os dados do IBGE reforçam o descompasso: empregados com carteira somam 39,1 milhões, ainda há 13,5 milhões sem registro e 25,9 milhões por conta própria.

      A nova publicação da JOI Brasil, do iniciativa de mercado de trabalho do J-PAL, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ajuda a entender esse comportamento.O documento mostra que benefícios diretos e visíveis aumentam a adesão à formalização. Quando o trabalhador percebe retorno imediato, como acesso facilitado a crédito ou suporte tributário, a disposição para registrar o negócio cresce. Foi o que apontaram De Mel, McKenzie e Woodruff no Sri Lanka, onde transferências condicionadas ao registro elevaram o número de empresas formais, e Benhassine e colegas no Benim, ao combinar treinamento e orientação fiscal.

      Reduzir burocracia também ajuda, ainda que de forma limitada. No Malawi, separar o processo de registro das obrigações fiscais elevou a formalização; no Brasil, a criação do MEI (micro empreendedor individual) ampliou o acesso à formalização, mas convive com alta inadimplência e apresenta evidências mista sobre sua efetividade, com muitos estudos não encontrando aumentos substanciais de vendas ou lucros após formalizar.

      Combinar simplificação com apoio direto é o que mostra resultados mais consistentes. No Rio de Janeiro, atendimentos presenciais e individualizados elevaram registro e conformidade, enquanto mensagens automáticas não tiveram efeito. Já no Benim, uma intervenção similar ampliou a formalização de forma sustentada.

      Os ganhos, porém, concentram-se entre empreendedores e firmas mais próximas do perfil formal, o que torna fundamental um olhar ainda mais cuidadoso para os trabalhadores na base da pirâmide. A síntese da JOI Brasil e do BID também reforça que incentivos amplos à formalização tendem a ter alto custo fiscal e resultados modestos, enquanto desenhos focalizados, que combinam simplificação com assistência personalizada, apresentam melhor desempenho e custo-efetividade.

      A escassez de mão de obra no comércio é uma oportunidade de retomar o debate sobre o grande número de trabalhadores na informalidade. Sem uma discussão sobre o formato de trabalho e redesenho de jornadas e sistema de remuneração, a adesão às vagas no mercado formal seguirá limitada. Num mercado com opções de renda em modelos mais flexíveis, o caminho para empregadores e governos é tornar o emprego formal mais atrativo, combinando simplificação com apoio prático e melhor desenho do trabalho.

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