sábado, 31 de agosto de 2024

Samuel Pessôa-70 anos do suicídio de Getúlio Vargas, FSP

 No sábado, 24 de agosto passado, completaram-se 70 anos do suicídio de Getúlio Vargas.

Getúlio Vargas representou uma profunda mudança de governança do capitalismo brasileiro na direção de o Estado ser o grande intermediador da poupança nacional e, portanto, das decisões de investimento.

Na República Velha, criamos mecanismos de mercado de capitais para alocar a poupança doméstica e a poupança externa. Com eles, financiamos boa parcela das ferrovias e dos serviços de utilidade pública nas cidades brasileiras.

Fotografia em preto e branco mostra um homem de óculos sorrindo. Ele está olhando para baixo, usa terno e é calvo.
O presidente da República, Getúlio Vargas (esq.), em visita a Santos (SP) - Laércio - Acervo UH/Folhapress

Havia uma legislação de falência que dava muita segurança para o credor. O mercado de dívida era seguro. Adicionalmente, após os excessos do Encilhamento, no início da República, foi aprovada legislação que obrigava as empresas abertas a serem muito transparentes. O nível de segurança do acionista minoritário era maior do que o do novo mercado da Bovespa hoje.

Esta institucionalidade permitiu o financiamento de muita infraestrutura por meio do mercado de capitais.

Duas grandes guerras e uma Grande Depressão entre elas mudaram esse arranjo. Em parte devido a uma redução dos fluxos de capital, em parte por ideologia, nós escolhemos alterar a regulação de nosso capitalismo.

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A nova lei de falência varguista dava muito poder ao devedor, e as alterações na legislação das empresas abertas deixaram de proteger o interesse dos minoritários. Nesse tipo de capitalismo, fazem mais sentido empresas familiares: a família discute direto com o chefe do Executivo nacional.

Adicionalmente, o período getulista e o interregno democrático foram de baixíssimo investimento em educação. Aceitamos enfrentar uma transição demográfica fortíssima investindo em ensino fundamental 1% do PIB.

Esse modelo entrou em crise com o esgotamento das contas públicas nos anos 1980. Após longa luta contra a inflação, o governo FHC fez esforços para a liberalização dos mercados. Note que, do ponto de vista do gasto social, o governo FHC tem herança equivalente ao do período petista. A diferença é que o PT sonha com o getulismo. Sonha com o Estado intermediando a alocação da poupança nacional.

Lula se incomoda muito com a nova Eletrobras. Há uma limitação no poder de voto do acionista majoritário: ninguém, independentemente da quantidade de ações que tem, pode ter mais do que 10% de peso na assembleia de acionistas. Limites como esse eram corriqueiros no Brasil nas primeiras décadas do século 20 e explicam em boa medida o bom funcionamento do mercado de capitais no período.

Coluna da jornalista Malu Gaspar publicada no jornal O Globo de quinta-feira (28) documenta os esforços que o governo Lula tem feito para que os fundos de previdência de empresas estatais possam investir diretamente em obras de infraestrutura. A experiência passada é muito ruim, com enormes prejuízos aos aposentados.

Com relação à companhia Vale, o presidente comentou: "Uma tal de corporate que, sabe, não tem dono. Um monte de gente com 2%, um monte de gente com 3%. (...) A Vale tinha uma diretoria, eu sabia quem era o presidente da Vale".

Lula tem muitas saudades dos tempos de Getúlio Vargas. A última vez que tentamos reviver esse período terminou na maior crise de nossa história.


sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Frei Betto, Frei Tito e a enorme importância dos dominicanos, FSP

 

São Paulo

O Conjunto dos Dominicanos, na rua Caiubi, em Perdizes, perdeu sua sede histórica. Ela se transformou numa filial do colégio Pentágono, que aluga o local. Mas ainda resta a igreja de São Domingos, o convento novo e os prédios na rua Atibaia com as residências dos frades. É um ambiente tranquilo, elevado, onde se pratica a filosofia e a reflexão com uma ótica progressista.

Sempre foi assim, desde que o convento, chamado Santo Alberto Magno, foi fundado pela Ordem Dominicana, em 1938. A partir da década de 1950, a mentalidade aberta e a preocupação dos frades com as injustiças sociais transformaram o lugar num ponto de encontro e debate.

Nos tempos da ditadura, o ambiente fervia. Os dominicanos mantinham grande proximidade com o movimento estudantil. Tinham inserção na Juventude Estudantil Católica (JEC) e na Juventude Universitária Católica (JUC) e seu convento era frequentado por estudantes interessados na isenção e no discurso avançado dos freis e na independência da Igreja em relação ao regime.

Paróquia São Domingos
Paróquia São Domingos: prédio do convento de 1938 está ocupado pelo colégio Pentágono

Com o acirramento da repressão, vários religiosos começaram a trabalhar alinhados com os objetivos da Aliança Nacional Libertadora (ANL), de Carlos Marighella, apoiando a luta armada. Dos frades de Perdizes os que mais se notabilizaram foram frei Betto e frei Tito.

Frei Betto, cujo nome de batismo é Carlos Alberto Libânio Christo, acaba de completar 80 anos e se tornou um escritor e pensador de sucesso. Nos tempos de militância tentava mostrar aos seus ouvintes que a ditadura era incompatível com os valores do Evangelho na medida em que tirava do povo a liberdade e a democracia.

Com essa atitude, os dominicanos demonstravam uma grande sintonia com as demandas políticas e uma vontade de lutar contra as violações dos direitos humanos.

Entrevista em maio com frei Betto sobre momento da esquerda e a conjuntura política nacional

Frei Betto aproximou-se da ANL na faculdade de Jornalismo e sem participar de operações militares dava todo tipo de apoio à guerrilha: acolhida, fuga e organização dos papéis para que os perseguidos pudessem deixar o país. No Rio Grande do Sul, frei Betto tinha um esquema para ajudar militantes a cruzar as fronteiras da Argentina e do Uruguai.

Os dominicanos foram presos numa operação chamada Batina Branca, comandada pelo delegado Sergio Fleury Filho em novembro de 1969. Frei Betto foi para a cadeia no dia 2, na Grande Porto Alegre, e frei Tito, junto com frei Roberto, frei Georgio e frei Maurício no dia 3 ou 4, em São Paulo. Alguns dos religiosos chegaram a ficar quatro anos presos.

A história de Frei Tito de Alencar Lima é trágica. No começo dos anos 1960 ele já pertencia à Juventude Estudantil Católica (JEC), três anos antes de ingressar na Ordem dos Dominicanos. Embora tivesse vocação de frade recluso, fazia parte de um grupo de seminaristas politizados e conectados com o movimento estudantil. Na USP, onde fazia cursos complementares, ele tinha contato com alunos de várias faculdades.

Frei Tito de Alencar Lima foi vítima de sucessivas sessões de tortura e suicidou-se aos 28 anos

Em seu livro "Batismo de Sangue", frei Betto conta que foi frei Tito quem conseguiu o sítio no qual se realizou o célebre congresso clandestino da UNE (União Nacional dos Estudantes), em Ibiúna, em 1968, no qual foram presos mais de 700 estudantes.

Isso lhe acabou custando caro. Foi para a prisão em novembro de 1969 e passou por uma primeira sessão de torturas. Três meses depois voltou para a cadeia, por ocasião da detenção do proprietário do sítio em Ibiúna. Os torturadores tentavam fazer com que frei Tito assinasse um documento reconhecendo que os dominicanos tinham pegado em armas. Mesmo violentado de todas as formas, ele se recusou e tentou se matar, cortando a artéria do braço esquerdo com uma gilete.

As sequelas psicológicas da tortura não o abandonariam jamais e se somavam à tristeza do exílio, que enfrentou a partir de 1971. Foi para Santiago do Chile, Roma e, por recomendação médica, mudou-se para um convento em Lyon, na França. Foi ali, em 1974, aos 28 anos, que o frei tirou a própria vida. Tito agora será diplomado postumamente pela USP junto com outras 30 pessoas assassinadas na ditadura militar.

A moda 'fofa' dos pets nas campanhas políticas, FSP

 Em contraponto ao conteúdo sensacionalista e assumidamente picareta das campanhas, o cabo eleitoral da moda são os pets. No país que deu votos de protesto para uma rinoceronte e um chimpanzé —Cacareco na eleição paulistana de 1959 e Macaco Tião na carioca de 1988—, a repórter Fernanda Alves mostrou que os animais de estimação participam de agendas na rua e até de debates. E, claro, são presença incessante nas redes.

É a tática da fofura contra a da baixaria. No Rio, o candidato a prefeito Marcelo Queiroz (PP) tem na pauta animal sua maior bandeira, a ponto de promover "cãominhadas" em Copacabana. Tarcísio Motta (PSOL) é um orgulhoso pai de pets (um gato e um cão). Em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) abriga quatro cachorros da raça spitz e Tabata Amaral faz questão de lembrar que adotou sete animais.

Enorme sucesso de Eduardo Dussek na década de 1980, o provocativo "Rock da Cachorra", se lançado hoje, cairia no vazio. Ou pior: Dussek —que se esgoelava cantando "Troque seu cachorro por uma criança pobre"— seria cancelado sem perdão.

No Brasil, cerca de 150 milhões de cães, gatos, peixes, aves, répteis e pequenos mamíferos vivem em ambientes domésticos. Pense nesse número transformado em votos. Há no Congresso a bancada deles, menos badalada que a da Bíblia, a da bala e a do boi, embora numerosa e atuante na defesa da causa. A regulamentação da reforma tributária prevê redução de 60% das alíquotas sobre medicamentos e de 30% para planos de saúde e consultas veterinárias.

Expor os bichinhos é uma estratégia como outra qualquer. Questionável, mas mais criativa que insistir em usar nas urnas os nomes de Lula e Bolsonaro —centenas de candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador, segundo o TSE, ainda estão nessa. E mil vezes mais agradável aos olhos que o cover de Milei, com peruca e costeletas falsas, que tenta a eleição em Florianópolis.