O Conjunto dos Dominicanos, na rua Caiubi, em Perdizes, perdeu sua sede histórica. Ela se transformou numa filial do colégio Pentágono, que aluga o local. Mas ainda resta a igreja de São Domingos, o convento novo e os prédios na rua Atibaia com as residências dos frades. É um ambiente tranquilo, elevado, onde se pratica a filosofia e a reflexão com uma ótica progressista.
Sempre foi assim, desde que o convento, chamado Santo Alberto Magno, foi fundado pela Ordem Dominicana, em 1938. A partir da década de 1950, a mentalidade aberta e a preocupação dos frades com as injustiças sociais transformaram o lugar num ponto de encontro e debate.
Nos tempos da ditadura, o ambiente fervia. Os dominicanos mantinham grande proximidade com o movimento estudantil. Tinham inserção na Juventude Estudantil Católica (JEC) e na Juventude Universitária Católica (JUC) e seu convento era frequentado por estudantes interessados na isenção e no discurso avançado dos freis e na independência da Igreja em relação ao regime.
Com o acirramento da repressão, vários religiosos começaram a trabalhar alinhados com os objetivos da Aliança Nacional Libertadora (ANL), de Carlos Marighella, apoiando a luta armada. Dos frades de Perdizes os que mais se notabilizaram foram frei Betto e frei Tito.
Frei Betto, cujo nome de batismo é Carlos Alberto Libânio Christo, acaba de completar 80 anos e se tornou um escritor e pensador de sucesso. Nos tempos de militância tentava mostrar aos seus ouvintes que a ditadura era incompatível com os valores do Evangelho na medida em que tirava do povo a liberdade e a democracia.
Com essa atitude, os dominicanos demonstravam uma grande sintonia com as demandas políticas e uma vontade de lutar contra as violações dos direitos humanos.
Frei Betto aproximou-se da ANL na faculdade de Jornalismo e sem participar de operações militares dava todo tipo de apoio à guerrilha: acolhida, fuga e organização dos papéis para que os perseguidos pudessem deixar o país. No Rio Grande do Sul, frei Betto tinha um esquema para ajudar militantes a cruzar as fronteiras da Argentina e do Uruguai.
Os dominicanos foram presos numa operação chamada Batina Branca, comandada pelo delegado Sergio Fleury Filho em novembro de 1969. Frei Betto foi para a cadeia no dia 2, na Grande Porto Alegre, e frei Tito, junto com frei Roberto, frei Georgio e frei Maurício no dia 3 ou 4, em São Paulo. Alguns dos religiosos chegaram a ficar quatro anos presos.
A história de Frei Tito de Alencar Lima é trágica. No começo dos anos 1960 ele já pertencia à Juventude Estudantil Católica (JEC), três anos antes de ingressar na Ordem dos Dominicanos. Embora tivesse vocação de frade recluso, fazia parte de um grupo de seminaristas politizados e conectados com o movimento estudantil. Na USP, onde fazia cursos complementares, ele tinha contato com alunos de várias faculdades.
Em seu livro "Batismo de Sangue", frei Betto conta que foi frei Tito quem conseguiu o sítio no qual se realizou o célebre congresso clandestino da UNE (União Nacional dos Estudantes), em Ibiúna, em 1968, no qual foram presos mais de 700 estudantes.
Isso lhe acabou custando caro. Foi para a prisão em novembro de 1969 e passou por uma primeira sessão de torturas. Três meses depois voltou para a cadeia, por ocasião da detenção do proprietário do sítio em Ibiúna. Os torturadores tentavam fazer com que frei Tito assinasse um documento reconhecendo que os dominicanos tinham pegado em armas. Mesmo violentado de todas as formas, ele se recusou e tentou se matar, cortando a artéria do braço esquerdo com uma gilete.
As sequelas psicológicas da tortura não o abandonariam jamais e se somavam à tristeza do exílio, que enfrentou a partir de 1971. Foi para Santiago do Chile, Roma e, por recomendação médica, mudou-se para um convento em Lyon, na França. Foi ali, em 1974, aos 28 anos, que o frei tirou a própria vida. Tito agora será diplomado postumamente pela USP junto com outras 30 pessoas assassinadas na ditadura militar.
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