quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Datena não pede voto, diz ter saudade da TV e pergunta seu número de urna: 'É 45, né?' ,FSP

 Carlos Petrocilo

SÃO PAULO

Sob pressão para popularizar a sua candidatura a prefeito de São Paulo, o comunicador José Luiz Datena (PSDB) se nega a pedir voto, diz que está com saudades da televisão e até sugere para os fãs não titubear caso encontre "um candidato melhor".

"Não estou pedindo voto para ninguém, não. Vale o seu carinho, o seu carinho é melhor que tudo", afirmou Datena enquanto apertava a mão de um homem, na Vila Nova Cachoeirinha, zona norte paulistana, nesta quinta-feira (29).

Na mesma passeata, ele foi abordado por uma telespectadora do programa Brasil Urgente, da Band, e que, sem saber da aventura política do apresentador, pediu o seu retorno à TV. "Eu também estou com saudades [da televisão]", respondeu Datena.

Candidato pelo PSDB à Prefeitura de São Paulo, Datena abraça uma fã na Vila Nova Cachoeirinha
Candidato pelo PSDB à Prefeitura de São Paulo, Datena abraça uma fã na Vila Nova Cachoeirinha, nesta quinta (29) - Divulgação

A mulher, então, quis saber o número do apresentador nas urnas. "É 45, né, Zé?", perguntou Datena para José Aníbal, candidato a vice-prefeito e presidente municipal do PSDB.

O comunicador teve que deixar a apresentação diária na Bandeirantes no final de junho, por exigência da legislação eleitoral. "Mas o meu filho está lá, o Joel, assistam."

Em quase duas semanas de caminhadas por comércios populares, Datena demonstra mais entusiasmo com a reação do público ao invés do sucesso eleitoral. "Estou parecendo o Silvio Santos aqui, de tão querido", afirma ele.

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Em várias abordagens, ele é convidado a repetir seus bordões, como "só no nosso", "me ajuda aí" e "cadê as ibagens?". Também virou praxe brincar com torcedores rivais do Corinthians.

No Mercado Municipal da Lapa (zona oeste), ele entrou em boxes de comerciantes para selfies e ligou para familiares de funcionários.

Na Vila Nova Cachoeirinha, um homem pediu para o candidato do PSDB posar ao lado de um cartaz com a logomarca de uma loja de roupas, na avenida Parada Pinto. "Ah, você quer fazer merchan, né. Eu faço", falou Datena para o vendedor.

Nas caminhadas, o tucano veste calça jeans e jaquetas, não dispensa o óculo de sol —raramente repete os modelos. A postura de de outsider ou "diferente de tudo que tá aí", no entanto, deixa os demais políticos do PSDB apreensivos.

Na caminhada, o próprio Aníbal aconselhou Datena a clamar pelos votos. O apresentador ou ignora ou não escuta. "Voto, você não tem que pedir. As pessoas votam em quem acredita", contrapôs Datena, em entrevista nesta quinta-feira.

"Se não quer segurança, se não quer segurança alimentar, se não quer saúde, continue votando nesse cara que está aí", prosseguiu ele, em referência ao prefeito Ricardo Nunes, do MDB.

Na Vila Nova Cachoeirinha, Aníbal ficou na expectativa após uma senhora insistir que elegeria o tucano, mesmo com o seu desapego.

"Alguém filmou isso? Ele disse que não está pedindo voto, mas o Datena é o prefeito dela", questionava Aníbal para equipe de filmagens da campanha. "Isso é legal ter [na propaganda]", reiterou Aníbal.

Apresentador de televisão há quase 30 anos, Datena lida com dificuldades para embalar nas pesquisas de intenções de votos —ele está atrás de Guilherme Boulos (PSOL), Nunes e Pablo Marçal e vê Tabata Amaral (PSB) se aproximando.

Segundo o último Datafolha, publicado dia 22 de agosto, o tucano oscilou de 14% para 10% das intenções de votos. O principal desafio da campanha, hoje, é torná-la conhecida, segundo a reportagem apurou com tucanos.

"Eu não gosto de pedir votos. Todo mundo insiste para que eu peça votos, inclusive gente da minha equipe", diz o tucano.

"Se de repente a população quer que a situação continue do mesmo jeito que está, com nem 40% das metas cumpridas [do Programa de Metas estabelecido por Bruno Covas], então continua votando nesse cara aí [Nunes]", completa.

Datena também já orientou assessores e voluntários a entregar de forma espontânea materiais publicitários, como santinhos e bandeirinhas.

"Eu tentei entrar com dignidade nessa campanha e pretendo sair com dignidade, eleito ou não. Baixar o nível, fazendo cortes para redes sociais como faz o Pablo Marçal, não. Isso é absolutamente antidemocrático", diz o tucano.

"Quem achar que eu sou um cara digno, capaz e tenho condição. Há mais de 26 anos eu bato de frente com o crime organizado, fui o primeiro a dizer que ia ter PCC, que ia ter Comando Vermelho e me chamavam de sensacionalista", rebate o comunicador.

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Drauzio Varella - Quantas décadas até mapearmos toda a extensão do córtex cerebral?, FSP

 "Não seriam essas as borboletas da alma que um dia explicarão a consciência humana?" –disse o espanhol Santiago Ramon y Cajal ao descobrir o neurônio, no comecinho do século 20.

Antes dele, as tentativas de visualizar ao microscópio as células do sistema nervoso central haviam fracassado. Os corantes usuais, empregados para tingir células de outros tecidos, não impregnavam as do cérebro; nas imagens apareciam apenas espaços vazios.

Quando Cajal experimentou corá-las com dicromato de potássio e nitrato de prata, no entanto, enxergou células pretas destacadas contra um fundo transparente. Tinham a forma de aranhas que lançavam tentáculos longos em todas as direções: eram os neurônios.

A curiosidade levou-o mais longe. Demonstrou que os neurônios "entravam em contato uns com os outros sem entrar em contato". Faziam-no através de espaços de dimensões infinitesimais —as sinapses—, por meio de estímulos químicos e elétricos. Escreveu então: "A habilidade dos neurônios crescerem nos adultos e seu poder de criar novas conexões podem explicar o aprendizado".

Estavam lançadas as bases da teoria sináptica da memória, descoberta que lhe deu o Nobel de Fisiologia e Medicina de 1906. Pena Cajal ter morrido em 1934, aos 82 anos. Estivesse vivo, teria lido o artigo da revista Science publicado no último mês de maio.

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Neurocientistas da Universidade Harvard, em trabalho com colegas do Google Research, da Califórnia, mapearam um fragmento de 1 centímetro cúbico do tecido cerebral de uma mulher de 45 anos submetida a cirurgia para tratamento de quadro de epilepsia. Essa amostra corresponde a uma parte insignificante do volume total do cérebro.

O fragmento foi retirado do córtex, área cerebral conhecida como massa cinzenta, encarregada de controlar nossas funções cognitivas mais elaboradas: resolução de problemas, aprendizado e processamento das informações que chegam através dos sentidos, entre outras. Nesse ínfimo centímetro cúbico de tecido, o grupo de Harvard cortou 5.000 lâminas de 34 nanômetros (a milionésima parte do milímetro) cada uma, espessura adequada para a observação nos microscópios eletrônicos.

Como se víssemos a um microscópio eletrônico milhares de neurônios com milhares de suas conexões sinápticas em uma avalanche de cores extremamente viva. O desenho tem muito movimento.
Líbero Malavoglia/Folhapress

Com o emprego de modelos de inteligência artificial desenvolvidos pelos cientistas do Google, as imagens obtidas pela microscopia passaram por um processamento capaz de agrupá-las e reconstruí-las em 3D.

Disponíveis na internet, essas imagens são dignas das galerias de arte mais sofisticadas. Exibem em cores os corpos dos neurônios, distribuídos num emaranhado de circuitos formados por prolongamentos (dendritos e axônios) que caminham em todas as direções para criar uma rede tridimensional de altíssima complexidade.

Na amostra pesquisada, foram encontrados 57 mil neurônios, que formaram 150 milhões de sinapses com os vizinhos. A circuitaria resultante é capaz de incorporar 1,4 petabyte de dados. Para dar noção de grandeza: em 50 petabytes pode ser armazenado tudo o que a humanidade escreveu na história, em todas as línguas.

A imensidão de dados assim gerados vai permitir que a comunidade científica internacional possa ter acesso à intimidade da microcircuitaria de neurônios existente no córtex cerebral.

O cérebro humano é considerado a estrutura mais complexa do universo. Nos anos 1990, assisti a uma palestra de um neurocientista que o considerava mais complexo até do que o próprio Universo. Na época achei exagero.

Talvez não fosse. Se numa amostra de uma área que ocupa 1 milionésimo do córtex cerebral existem mais de cem milhões de sinapses, através das quais os neurônios interagem, trocando sinais elétricos e neurotransmissores que serão responsáveis por todas as funções fisiológicas do organismo humano, pela forma de entendermos o mundo ao nosso redor e por tudo o que pensamos, imagine a complexidade do cérebro inteiro.

Quantas décadas levaremos para mapear toda a extensão do córtex cerebral? Quantos petabytes de dados serão gerados? A tecnologia de inteligência artificial será capaz de avançar na velocidade exigida para interpretá-los?

As imagens da rede de sinapses publicadas no artigo da Science mostram como é precário o conhecimento atual dos distúrbios fisiológicos, dos transtornos psiquiátricos, das voltas que o pensamento dá e dos males da alma que nos afligem pela vida inteira.

Ruy Castro - Ideia de jerico, FSP

 Estátua é bom, mas depende de quem e de onde. Há dias, Alvaro Costa e Silva torpedeou com razão a ideia de jerico (perdão, jericos) de se erigir uma estátua de Silvio Santos no histórico bairro carioca da Lapa. Uma história de que Silvio não faz parte, porque ele só nasceu lá e, pouco depois, foi para São Paulo. A partir daí, estendeu sua camelotagem ao rádio e à televisão, tornando-se o potentado que, em vida, era um homem de negócios e, morto, transmutou-se em gênio da televisão.Se Silvio for estátua na Lapa, teremos de fazer campanha por um busto do Chacrinha ao lado do Borba Gato.

Se Silvio merecer estátua será mais pela esperteza. Durante 30 anos, acusou o Ibope de favorecer a TV Globo nas pesquisas de audiência, motivo pelo qual, dizia, não se deixava pesquisar por ele e só confiava em empresas estrangeiras. Mas não era bem assim. Silvio usou os serviços do Ibope durante todo aquele tempo, pagando mensalmente pelo serviço —apenas nunca assinou um contrato. Para seu desgosto, os índices dos institutos de fora sempre confirmavam os do Ibope.

E nunca ficou bem explicado por que, nos anos 1980, durante o governo Figueiredo, Silvio ganhou a concorrência por um canal de televisão derrotando o Jornal do Brasil e a Abril, então os grupos de comunicação mais influentes do país. Algo a ver, talvez, com o peso dessa influência, que os militares não gostariam de ver em veículos mais independentes?

Carlos Drummond, Clarice Lispector e Nelson Rodrigues têm estátuas no Rio. Não porque nasceram nele —nenhum deles nasceu no Rio—, mas porque no Rio construíram suas monumentais obras. E, se é justo que Ary Barroso, Dorival Caymmi e João de Barro já tenham suas estátuas no Rio, por que não Carmen Miranda, a quem eles praticamente deveram suas carreiras?

Sim, Silvio nasceu no Rio. Mas gato que nasce em forno não é biscoito.