domingo, 21 de maio de 2023

Eu e Ciro amargamos juntos nossa maior derrota eleitoral, diz João Santana, FSP

 

SALVADOR

O marqueteiro João Santana usa superlativos para se referir à sua experiência com Ciro Gomes (PDT) na eleição de 2022: diz que nunca havia trabalhado com um candidato tão preparado para presidir o Brasil, mas também foi ao lado dele que experimentou o pior momento de sua carreira.

"Eu e Ciro amargamos juntos a maior derrota eleitoral de nossas histórias pessoais, mas isso não nos destrói", afirma Santana em entrevista à Folha, a primeira desde que retornou ao marketing eleitoral após ter emendado campanhas para o PT e acabar sendo preso pela Operação Lava Jato.

"Na vida, como na política, algumas derrotas são inevitáveis. O importante é a forma de encará-las", resume o jornalista baiano.

O marqueteiro João Santana, 70, em seu escritório, em Salvador, onde concedeu entrevista à Folha - Rafaela Araújo/Folhapress

Ele, que cuidou das campanhas de Lula (2006) e Dilma Rousseff (2010 e 2014), culpa o cenário polarizado de 2022 e a escassez de recursos pela derrocada de Ciro. O pedetista teve o pior desempenho de suas quatro candidaturas presidenciais, com 3% dos votos e a quarta colocação.

"Sem demérito de ninguém, nunca tive um candidato no nível de Ciro. Nunca convivi com uma pessoa que julguei, julgava e julgo mais qualificada, mais acertada, para ser presidente do Brasil", diz Santana, que encerrou seu contrato com o PDT após o segundo turno.

A empresa dele e de Mônica Moura, sua esposa, recebeu R$ 11,4 milhões pela campanha, segundo a prestação de contas à Justiça Eleitoral. Na reeleição de Dilma, foram repassados ao casal de sócios R$ 70 milhões pelas vias legais, e R$ 35 milhões por caixa dois.

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Segundo o marqueteiro, a prática ilegal continua existindo, mas ele se recusa a revelar nomes sob o argumento de que não possui provas.

"Posso dizer que houve uma campanha em 2022 que o marketing não recebeu um tostão de caixa dois, que foi a nossa, mas não posso dizer que isso aconteceu em todas. Não estou acusando nem denunciando ninguém, mas os indícios, os rumores, as conversas [existem]", afirma.

Santana e Mônica fecharam acordo de delação premiada em 2017. Devolveram cerca de R$ 80 milhões, cumpriram penas nos regimes fechado e semiaberto, usaram tornozeleira e ainda prestam serviços comunitários. Eles ficaram proibidos de trabalhar com comunicação eleitoral até o fim de 2020.

AMIZADE INDESTRUTÍVEL, CIRO MERCURIAL E 'AVIS RARA'

Segundo o jornalista, que já vinha elogiando publicamente Ciro, foi o ex-ministro que procurou seus serviços. "Eu vi uma chance de trabalhar com uma pessoa em quem eu acreditava profundamente."

Até então sem proximidade, os dois firmaram uma parceria que virou "amizade indestrutível" —não só com afinidades em torno da política, mas também de música e literatura.

Santana, que depois disso já recebeu visitas de Ciro e família em sua casa de praia nos arredores de Salvador, acha difícil que o ex-presidenciável nunca mais se candidate, como insinuou em palestra há alguns dias em Lisboa, ao falar que "não representa mais uma corrente de opinião" no Brasil.

"O Ciro é como toda pessoa instigante, emotiva e mercurial: assim como fazem autoelogios muito fortes, fazem autocríticas muito profundas. Mas, sobre esse suposto fim da carreira política de Ciro, eu acho muito difícil que Ciro Gomes desista da política e a política desista de Ciro Gomes", afirma.

"Se isso ocorrer, o grande perdedor é o Brasil, que já vive uma crise profunda de lideranças e uma tragédia de esvaziamento conceitual e simbólico enorme. Ciro é uma 'avis rara' na política nacional e continental. Tem uma coragem imbatível para enfrentar a mediocridade, os equívocos e o comodismo que dominam grande parte da cena brasileira. Digo isso com conhecimento de causa", acrescenta.

O homem que atuou em 11 eleições presidenciais, com 8 vitórias em 7 países, diz que sempre também acreditou em Lula e Dilma, mas faz uma diferenciação ao falar de 2022: "O Ciro tem um projeto muito mais eficiente, inteligente e moderno para o Brasil do que o Lula".

COVARDIA, 'CIRINHO PAZ E AMOR' E AMBIENTES HOSTIS

Santana considera que há eleições em que a presença de um candidato como Ciro se encaixa com o sentimento de mudança expresso pelo eleitorado, mas não foi o caso de 2022.

Para ele, os obstáculos passavam pela polarização entre Lula e Jair Bolsonaro (PL), mas também pelas resistências internas a Ciro no PDT e um quadro —inédito em sua carreira— de estrutura limitada, com "esquálidos 52 segundos" de propaganda na TV e pouco dinheiro para redes sociais.

"Não que, se tivéssemos todos os meios, significaria que o Ciro ganhava, mas teria uma grande chance não só de ter um melhor desempenho como de ir para o segundo turno."

João Santana nos bastidores do evento de lançamento da pré-candidatura de Ciro Gomes (PDT), em Brasília, em 2022 - Pedro Ladeira - 21.fev.2022/Folhapress

Santana concorda que a disputa de 2022 seja definida "como a eleição do ódio e do medo", mas avalia que "foi principalmente a eleição da covardia", sentimento que dominou muitas camadas da população. "E infelizmente grande parte delas propensas a votar no Ciro", diz.

"Havia a covardia de votar e ele perder e a da mudança, pelo conforto que eles imaginavam ter adquirido debaixo daquela asa protetora da primeira opção eleitoral."

Apesar disso, o consultor diz que não mudaria nada da estratégia que traçou. Uma campanha técnica e sobranceira, analisa ele, seria engolida pela guerra fratricida entre Lula e Bolsonaro —nem faria o estilo do pedetista. O erro mais fácil de cometer seria tentar forjar "um Cirinho paz e amor".

"Muitos queriam isso", diz, em tom de espanto. "Ou então um Ciro com pílulas reformistas tímidas, feitas sob medida para contentar todos os gostos. Isso seria um absurdo. Agora, o Ciro tem uma dificuldade: ele não reage bem a ambientes hostis." E se corrige: "Não reagia. Está a cada dia melhor".

O caminho era "fazer barulho, uma coisa combativa", com "discurso contundente, político, moral e administrativo, com propostas ousadas, mas sedutoras, e ao mesmo tempo de combate permanente aos dois lados".

Os ataques a Lula na mesma proporção dos feitos a Bolsonaro renderam a Ciro críticas, inclusive de aliados. "O calor de uma campanha e de uma personalidade como a de Ciro às vezes pode provocar esse tipo de reação", contemporiza.

"O lulismo semeou a visão equivocada de que, ao fazer isso, Ciro estaria concorrendo para a vitória do Bolsonaro. Isso é errado porque tínhamos potencialmente condições de arrancar voto de um lado e do outro. E ninguém tinha condições de ganhar em primeiro turno", avalia ele, que acusa o petismo de "calar a voz do Ciro" para ter o monopólio da esquerda.

O marqueteiro chega a dizer que propostas já exploradas pelo pedetista começaram a aparecer de maneira "muito coincidentemente assemelhada" na campanha do PT, como a reformulação da política de preços da Petrobras e a oposição à independência do Banco Central.

MÁGOAS COM LULA E DILMA E TRAGÉDIA

Santana diz que "tinha vontade de dar risada" quando ouvia pessoas dizerem que a retórica bélica contra Lula resultava da soma das mágoas de ambos com Lula e o PT.

"O Ciro pode ter mágoas por ele, mas o sentimento político era mais forte do que qualquer mágoa de natureza pessoal. Não tenho mágoa do Lula. Da Dilma, não tenho."

O baiano diz tampouco entender sua presença na campanha do PDT como ponto frágil, por ser ele próprio um condenado da Lava Jato, ao mesmo tempo que Ciro apontava corrupção em Lula e no PT.

"Era mais constrangedor para mim do que para o Ciro, porque me associar de uma forma injusta à corrupção, o que nem o próprio [Sergio] Moro fez, não tem sentido." O então juiz, hoje senador, condenou o casal por lavagem de dinheiro, mas o absolveu da acusação de corrupção passiva.

Santana admite, no entanto, seu comprometimento "com erro de caixa dois, sim, como 99,9% dos marqueteiros brasileiros", já que "era se render a essa realidade ou mudar de profissão."

O jornalista repete que a ofensiva da Lava Jato fazia parte de "uma escolha de alvo" e que ele e Mônica viveram "uma tragédia", mas evita se aprofundar nas críticas à operação.

"A Lava Jato é uma história que ainda não acabou, não em relação a mim, mas em tudo —tanto para os supostos transgressores da lei como para aqueles que usaram a lei para transgredir."

Albert Fishlow- Na era da expansão da inteligência artificial, o Brasil vai ficar ainda mais para trás?, OESP

 


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O Brasil está passando por uma crise mais profunda do que poderia ter se imaginado há nove meses. Poderia ser pior. Bolsonaro, no fim das contas, perdeu por pouco. Mas a nova liderança é mais um esforço para fazer crer que o impeachment de Dilma impediu o Partido dos Trabalhadores (PT) de crescer de forma mais rápida, mais uniforme e mais produtiva, em vez do crescimento decepcionante atual, do que uma fonte de confiança.

Lula, em seu terceiro mandato, tem sido um líder ativo na tentativa de restabelecer políticas anteriores, seus antigos nomes, assim como seus objetivos. Ele quer abolir totalmente a estratégia errada posta em prática anteriormente. Isso significa uma economia doméstica diferente, uma política externa diferente e uma estrutura para ambições sociais e culturais diferente.

É provável que uma mudança básica ocorra nesta semana: a criação de novas regras federais permitindo aumentos modestos nas despesas do governo que dependem de receitas. Elas substituiriam o teto de gastos elaborado por Henrique Meirelles em 2016, no governo de Michel Temer. Cuja aplicabilidade foi limitada durante a queda do crescimento após a eleição de Bolsonaro e desacelerações consideráveis no crescimento acompanhadas pela rápida propagação da covid-19 e sua influência mortal. Os déficits se tornaram regulares, assim como a inflação maior.

Agora, as regras propostas pelo governo Lula tentarão assegurar a estabilidade fiscal permanente do país junto com um limite maior para despesas nos próximos anos. Fernando Haddad conseguiu definir o objetivo de um modo um pouco diferente do teto atual e o Congresso está disposto a permitir um curto período para sua adoção. O que Lula quer de verdade é uma taxa Selic bem menor e aumentos expressivos no investimento público induzido, além de um consumo maior para garantir um retorno às taxas de crescimento alcançadas por ele entre 2002 e 2010. Agora, assim como antes, ele tem bastante sorte por ter exportações agrícolas que continuam melhores que o previsto.

Um atual objetivo central do governo Lula é tentar fazer o Brasil crescer a taxas maiores do que o sugerido pela maioria das projeções atuais. Os resultados do primeiro trimestre recém-divulgados são consistentes com essa meta. As taxas de expansão, bem acima das previsões negativas da maioria das instituições financeiras, ficaram em torno de 2,5%.

Lula prefere um sistema controlado pelo Estado, devido a sua suposta eficiência e a certeza maior da possibilidade de subsídios públicos para ajudar os pobres. Por isso o foco no novo Bolsa Família, no aumento do salário mínimo e nos subsídios imediatos aos setores industriais. O BNDES é um componente vital dessa estratégia. Assim como a recuperação dos subsídios do Minha Casa, Minha Vida.

Regras propostas pelo governo Lula tentarão assegurar a estabilidade fiscal permanente do país junto com um limite maior para despesas nos próximos anos.
Regras propostas pelo governo Lula tentarão assegurar a estabilidade fiscal permanente do país junto com um limite maior para despesas nos próximos anos.  Foto: Adriano Machado/Reuters

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O Brasil será capaz de recuperar o crescimento da produtividade e do avanço tecnológico nos serviços e na agricultura em vez de voltar à ênfase do passado da substituição das importações e das tarifas para a indústria?

Conseguir isso requer um aumento maior e contínuo da poupança interna para financiar um crescimento sustentável no investimento. As taxas de juros altas não ajudam. Mas a redução necessária da taxa Selic não virá de ignorar, ou revogar, os avanços realizados pelo Banco Central. A independência do banco funciona melhor que a gestão anterior.

Além disso, deve haver uma ênfase no investimento para a educação pública. Gastar mais com ela e melhorá-la. Poucos países no mundo conseguiram avançar sem melhorias regulares no ensino fundamental. Na América Latina, o Brasil avançou menos que a maioria dos demais países. Gastar quantias maiores para garantir um ensino superior de alta qualidade e aprimorar o nível da força de trabalho não teve um bom resultado. Na era da expansão rápida da inteligência artificial, será que o Brasil vai ficar ainda mais para trás?

A raiz de todos os males, Sergio Augusto, OESP (definitivo)

 Um livro sobre a ignorância com todas as páginas em branco é apenas uma piada, quase tão velha quanto a do quadro todo pintado de branco, intitulado Ausência. Para produzir Ignorância: Uma História Global, o professor de Cambridge Peter Burke, prolífico e renomado historiador social das ideias assiduamente traduzido no Brasil, encheu de palavras todas as 368 páginas de seu novo livro.

Capa do livro 'Ignorância: Uma História Global', de Peter Burke
Capa do livro 'Ignorância: Uma História Global', de Peter Burke Foto: Editora Vestígio

Exibindo na capa um simbólico avestruz com a cabeça enfiada na areia, seu inventário do desconhecimento e da desinformação chega às livrarias no próximo fim de semana, com o selo da Vestígio e fartos ensinamentos agnotológicos. (Aos ignorantes que me distinguem com sua sede de saber informo que agnotologia é o estudo das políticas de produção da ignorância, uma das mais prósperas indústrias em atividade mundo afora.)

Dividido em duas partes e 15 capítulos, é um contraponto perfeito ao ensaio anterior de Burke, O Polímata: Uma História Cultural de Leonardo da Vinci a Susan Sontag, aqui traduzido há pouco mais de dois anos.

O projeto de historiar os infortúnios que a incultura e o obscurantismo nos causaram desde a Antiguidade – desde quando, enfim, Sócrates admitiu, modestamente, saber que nada sabia – surgiu após Burke ler um manual de estudos sobre a ignorância publicado há quase uma década pela editora Routledge.

Como não havia historiadores entre os 51 colaboradores do manual, Burke resolveu preencher a lacuna deixada com um ensaio deliciosamente sábio sobre (e contra) o que Platão qualificou de raiz e tronco de todos os males, ou seja, “a ausência de conhecimento” e suas múltiplas perversões, como as superstições de cunho religioso, o negacionismo científico e outras insanidades hoje realimentadas exponencialmente pelas bolhas digitais. Uma fake news pode não ser fruto da ignorância, mas sua aceitação passiva certamente é.

Capitu

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Burke dedica seu inventário aos professores do mundo inteiro, “heróis e heroínas dos esforços diários de remediar a ignorância”, e dá especial atenção ao Brasil, ao colocar ao lado de Petrarca, na epígrafe, ninguém menos que Leonel Brizola e sua tese de que “a Educação não é onerosa; onerosa é a ignorância”, e ao juntar, já na segunda frase do livro, os dois mais execrados paradigmas da estupidez arrogante deste século – sim, a dupla Bolsonaro-Trump.

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O papel fundamental da ignorância na guerra, na política, nos negócios, na governança, na filosofia, no trato com a natureza, a saúde, o passado, as catástrofes – em todas as esferas e épocas, Burke catou exemplos que, por vezes, de tão bisonhos, podem soar engraçados, mas na verdade são tristes testemunhos de um processo de involução, sobretudo espiritual, cada vez mais prevalente no mundo. Como explicaríamos a um E.T. a existência, entre nós, de terraplanistas em pleno século 21?

* É JORNALISTA E ESCRITOR, AUTOR DE ‘ESSE MUNDO É UM PANDEIRO’, ENTRE OUTROS