O marqueteiro João Santana usa superlativos para se referir à sua experiência com Ciro Gomes (PDT) na eleição de 2022: diz que nunca havia trabalhado com um candidato tão preparado para presidir o Brasil, mas também foi ao lado dele que experimentou o pior momento de sua carreira.
"Eu e Ciro amargamos juntos a maior derrota eleitoral de nossas histórias pessoais, mas isso não nos destrói", afirma Santana em entrevista à Folha, a primeira desde que retornou ao marketing eleitoral após ter emendado campanhas para o PT e acabar sendo preso pela Operação Lava Jato.
"Na vida, como na política, algumas derrotas são inevitáveis. O importante é a forma de encará-las", resume o jornalista baiano.
Ele, que cuidou das campanhas de Lula (2006) e Dilma Rousseff (2010 e 2014), culpa o cenário polarizado de 2022 e a escassez de recursos pela derrocada de Ciro. O pedetista teve o pior desempenho de suas quatro candidaturas presidenciais, com 3% dos votos e a quarta colocação.
"Sem demérito de ninguém, nunca tive um candidato no nível de Ciro. Nunca convivi com uma pessoa que julguei, julgava e julgo mais qualificada, mais acertada, para ser presidente do Brasil", diz Santana, que encerrou seu contrato com o PDT após o segundo turno.
A empresa dele e de Mônica Moura, sua esposa, recebeu R$ 11,4 milhões pela campanha, segundo a prestação de contas à Justiça Eleitoral. Na reeleição de Dilma, foram repassados ao casal de sócios R$ 70 milhões pelas vias legais, e R$ 35 milhões por caixa dois.
Segundo o marqueteiro, a prática ilegal continua existindo, mas ele se recusa a revelar nomes sob o argumento de que não possui provas.
"Posso dizer que houve uma campanha em 2022 que o marketing não recebeu um tostão de caixa dois, que foi a nossa, mas não posso dizer que isso aconteceu em todas. Não estou acusando nem denunciando ninguém, mas os indícios, os rumores, as conversas [existem]", afirma.
Santana e Mônica fecharam acordo de delação premiada em 2017. Devolveram cerca de R$ 80 milhões, cumpriram penas nos regimes fechado e semiaberto, usaram tornozeleira e ainda prestam serviços comunitários. Eles ficaram proibidos de trabalhar com comunicação eleitoral até o fim de 2020.
AMIZADE INDESTRUTÍVEL, CIRO MERCURIAL E 'AVIS RARA'
Segundo o jornalista, que já vinha elogiando publicamente Ciro, foi o ex-ministro que procurou seus serviços. "Eu vi uma chance de trabalhar com uma pessoa em quem eu acreditava profundamente."
Até então sem proximidade, os dois firmaram uma parceria que virou "amizade indestrutível" —não só com afinidades em torno da política, mas também de música e literatura.
Santana, que depois disso já recebeu visitas de Ciro e família em sua casa de praia nos arredores de Salvador, acha difícil que o ex-presidenciável nunca mais se candidate, como insinuou em palestra há alguns dias em Lisboa, ao falar que "não representa mais uma corrente de opinião" no Brasil.
"O Ciro é como toda pessoa instigante, emotiva e mercurial: assim como fazem autoelogios muito fortes, fazem autocríticas muito profundas. Mas, sobre esse suposto fim da carreira política de Ciro, eu acho muito difícil que Ciro Gomes desista da política e a política desista de Ciro Gomes", afirma.
"Se isso ocorrer, o grande perdedor é o Brasil, que já vive uma crise profunda de lideranças e uma tragédia de esvaziamento conceitual e simbólico enorme. Ciro é uma 'avis rara' na política nacional e continental. Tem uma coragem imbatível para enfrentar a mediocridade, os equívocos e o comodismo que dominam grande parte da cena brasileira. Digo isso com conhecimento de causa", acrescenta.
O homem que atuou em 11 eleições presidenciais, com 8 vitórias em 7 países, diz que sempre também acreditou em Lula e Dilma, mas faz uma diferenciação ao falar de 2022: "O Ciro tem um projeto muito mais eficiente, inteligente e moderno para o Brasil do que o Lula".
COVARDIA, 'CIRINHO PAZ E AMOR' E AMBIENTES HOSTIS
Santana considera que há eleições em que a presença de um candidato como Ciro se encaixa com o sentimento de mudança expresso pelo eleitorado, mas não foi o caso de 2022.
Para ele, os obstáculos passavam pela polarização entre Lula e Jair Bolsonaro (PL), mas também pelas resistências internas a Ciro no PDT e um quadro —inédito em sua carreira— de estrutura limitada, com "esquálidos 52 segundos" de propaganda na TV e pouco dinheiro para redes sociais.
"Não que, se tivéssemos todos os meios, significaria que o Ciro ganhava, mas teria uma grande chance não só de ter um melhor desempenho como de ir para o segundo turno."
Santana concorda que a disputa de 2022 seja definida "como a eleição do ódio e do medo", mas avalia que "foi principalmente a eleição da covardia", sentimento que dominou muitas camadas da população. "E infelizmente grande parte delas propensas a votar no Ciro", diz.
"Havia a covardia de votar e ele perder e a da mudança, pelo conforto que eles imaginavam ter adquirido debaixo daquela asa protetora da primeira opção eleitoral."
Apesar disso, o consultor diz que não mudaria nada da estratégia que traçou. Uma campanha técnica e sobranceira, analisa ele, seria engolida pela guerra fratricida entre Lula e Bolsonaro —nem faria o estilo do pedetista. O erro mais fácil de cometer seria tentar forjar "um Cirinho paz e amor".
"Muitos queriam isso", diz, em tom de espanto. "Ou então um Ciro com pílulas reformistas tímidas, feitas sob medida para contentar todos os gostos. Isso seria um absurdo. Agora, o Ciro tem uma dificuldade: ele não reage bem a ambientes hostis." E se corrige: "Não reagia. Está a cada dia melhor".
O caminho era "fazer barulho, uma coisa combativa", com "discurso contundente, político, moral e administrativo, com propostas ousadas, mas sedutoras, e ao mesmo tempo de combate permanente aos dois lados".
Os ataques a Lula na mesma proporção dos feitos a Bolsonaro renderam a Ciro críticas, inclusive de aliados. "O calor de uma campanha e de uma personalidade como a de Ciro às vezes pode provocar esse tipo de reação", contemporiza.
"O lulismo semeou a visão equivocada de que, ao fazer isso, Ciro estaria concorrendo para a vitória do Bolsonaro. Isso é errado porque tínhamos potencialmente condições de arrancar voto de um lado e do outro. E ninguém tinha condições de ganhar em primeiro turno", avalia ele, que acusa o petismo de "calar a voz do Ciro" para ter o monopólio da esquerda.
O marqueteiro chega a dizer que propostas já exploradas pelo pedetista começaram a aparecer de maneira "muito coincidentemente assemelhada" na campanha do PT, como a reformulação da política de preços da Petrobras e a oposição à independência do Banco Central.
MÁGOAS COM LULA E DILMA E TRAGÉDIA
Santana diz que "tinha vontade de dar risada" quando ouvia pessoas dizerem que a retórica bélica contra Lula resultava da soma das mágoas de ambos com Lula e o PT.
"O Ciro pode ter mágoas por ele, mas o sentimento político era mais forte do que qualquer mágoa de natureza pessoal. Não tenho mágoa do Lula. Da Dilma, não tenho."
O baiano diz tampouco entender sua presença na campanha do PDT como ponto frágil, por ser ele próprio um condenado da Lava Jato, ao mesmo tempo que Ciro apontava corrupção em Lula e no PT.
"Era mais constrangedor para mim do que para o Ciro, porque me associar de uma forma injusta à corrupção, o que nem o próprio [Sergio] Moro fez, não tem sentido." O então juiz, hoje senador, condenou o casal por lavagem de dinheiro, mas o absolveu da acusação de corrupção passiva.
Santana admite, no entanto, seu comprometimento "com erro de caixa dois, sim, como 99,9% dos marqueteiros brasileiros", já que "era se render a essa realidade ou mudar de profissão."
O jornalista repete que a ofensiva da Lava Jato fazia parte de "uma escolha de alvo" e que ele e Mônica viveram "uma tragédia", mas evita se aprofundar nas críticas à operação.
"A Lava Jato é uma história que ainda não acabou, não em relação a mim, mas em tudo —tanto para os supostos transgressores da lei como para aqueles que usaram a lei para transgredir."
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