sexta-feira, 19 de maio de 2023

Deltan, que agora depende de Lira, já pediu bloqueio dos bens dele, FSP

 

BRASÍLIA

Para escapar da cassação, aliados do deputado federal Deltan Dallagnol (Pode-PR) apostam as fichas em uma estratégia que depende de um político já denunciado pelo ex-procurador.

Em março de 2017, o então coordenador da Operação Lava Jato denunciou o PP e dez parlamentares e ex-parlamentares, entre eles o atual presidente da CâmaraArthur Lira (PP-AL), por improbidade administrativa.

O deputado cassado Deltan Dallagnol (PODE-PR) deixa seu gabinete e caminha até o Salão Verde da Câmara dos Deputados para fazer pronunciamento após ter mandato cassado (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER) - Folhapress

Deltan pediu na época e a Justiça Federal do Paraná concedeu o bloqueio de R$ 7,7 milhões de Lira, em valores não corrigidos pela inflação. Ele chegou a dizer que o objetivo não era impedir a atividade político-partidária e, sim, sujeitar todos, " inclusive poderosos, debaixo da mesma lei".

O ex-procurador questiona o enquadramento da sua situação à Lei da Ficha Limpa. Depois de receber sinalizações de que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não deve rever sua decisão e de que no STF (Supremo Tribunal Federal) o clima é igualmente hostil, aliados do procurador traçaram a estratégia para incluir na PEC da Anistia um dispositivo para que a perda do mandato tenha de ser corroborada tanto pela Câmara quanto pelo Senado. Hoje, basta a votação dos deputados.

Deltan, no entanto, é um parlamentar de primeiro mandato e com pouca influência política. Para ter força, a estratégia teria de ser encampada por Lira, sob o argumento de que protegeria as prerrogativas parlamentares, não só salvaria o ex-procurador. As sinalizações também não são animadoras.

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Na quarta-feira (17), o presidente da Câmara afirmou que o processo seguiria os trâmites burocráticos normalmente, e que o primeiro passo seria encaminhar para a Corregedoria.

Hélio Schwartsman - Ficha Limpa não ajuda a democracia, FSP

 Nunca gostei da Lei da Ficha Limpa. Ela impediria a população de colocar no poder um herói como Robin Hood. Não acho que Lula seja um Robin Hood, mas lamentei que essa norma o tenha impedido de concorrer em 2018. De modo análogo, lamento que tenha sido agora usada para cassar Deltan Dallagnol, que tampouco considero um herói.

Há, contudo, uma diferença importante. A declaração de inelegibilidade de Lula era consequência automática da aplicação da letra da lei, já que, à época, ele sofrera condenação judicial proferida por órgão colegiado e por crimes inabilitantes. No caso de Dallagnol, a inelegibilidade não é tão óbvia. Na verdade, os ministros do TSE que o cassaram fizeram uma interpretação bem expansiva da legislação.

Deltan Dallagnol concede entrevista no Salão Verde da Câmara para falar da cassação do mandato - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

A norma inabilita membros do Ministério Público que tenham pedido exoneração na pendência de processo administrativo disciplinar. Dallagnol pediu exoneração, mas não havia processo aberto contra ele, só procedimentos investigatórios preliminares. O raciocínio dos ministros foi que esses procedimentos poderiam vir a tornar-se processos e, ao exonerar-se, Dallagnol tentou fraudar a aplicação da lei. É complicado. Juízes eleitorais têm muitos poderes, mas não o de adivinhar o futuro. Se o legislador estabeleceu marcos objetivos para a inelegibilidade, não convém que magistrados os ignorem.

Minha principal crítica à Ficha Limpa é que ela tem como pressuposto uma ideia errada da democracia. Não faz sentido tentar "corrigir" o eleitor, limitando seu poder de fazer más escolhas. Multidões sempre produzirão más escolhas. A democracia não funciona porque favoreça decisões sábias, mas porque reduz a probabilidade de violência política. Para que isso ocorra, é preciso que todos os grupos tenham oportunidade de disputar pleitos e considerem uma derrota seguida de um período fora do poder preferível ao enfrentamento. A Ficha Limpa conspira contra isso.

TSE no metaverso, Editorial FSP

 Em uma decisão que consumiu cerca de um minuto, alcançou a unanimidade e foi comemorada pelo governismo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o registro da candidatura e, por conseguinte, o mandato de deputado federal de Deltan Dallagnol (Podemos-PR).

Mais que a velocidade e a união da corte contra o outrora coordenador da Lava Jato em Curitiba, o que chamou a atenção no julgamento —motivado por representação da federação composta por PT, PC do B e PV e do PMN— foi o seu desfecho, e não por boas razões.

Todos os membros do TSE acompanharam o voto do ministro Benedito Gonçalves, que identificou, na trajetória de Deltan rumo ao mundo da política, elementos suficientes para caracterizar fraude à lei: conduta que aparenta legalidade, mas que, no fundo, objetiva driblar alguma restrição jurídica.

Segundo Gonçalves, Deltan exonerou-se do cargo de procurador da República cinco meses antes do que seria necessário não porque desejaria pavimentar sua estrada até o Congresso, mas com a finalidade de burlar a Lei da Ficha Limpa.

É que a lei, ao listar quem não pode concorrer a cargos eletivos, inclui os membros do Ministério Público "que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar".

Segundo o argumento de Gonçalves, as circunstâncias sugerem que Deltan antecipou sua exoneração a fim de evitar que ao menos 1 dos 15 procedimentos preliminares que existiam contra ele se transformasse, nos meses seguintes, no processo administrativo disciplinar (PAD) referido pela lei.

Não se negue à tese o seu engenho; é possível, até provável, que um dos procedimentos tenha de fato avançado em algum metaverso, para recorrer a um termo da moda.

Mas, neste universo em que vivemos, o Judiciário deveria se guiar não por hipóteses, mas por fatos. E os fatos são simples: não havia nenhum PAD contra Deltan no momento de sua exoneração, e a lei menciona de maneira explícita justamente esse tipo de processo.

Note-se que nada há de arbitrário na escolha do legislador. O PAD foi listado porque, no âmbito da administração pública, sua instauração pressupõe um juízo quanto à gravidade dos fatos. Ir além desse ponto numa decisão judicial representa um atropelo do princípio da separação de Poderes.

Não cabe ao Judiciário criar tantos pretextos para, sob a dupla pena do paternalismo e do arbítrio, cassar direitos políticos dos cidadãos —no caso, de um eleito com a maior votação de seu estado para a Câmara dos Deputados.

As regras, para terem o respeito de todos, não podem se dobrar ao sabor das circunstâncias. Os que hoje aplaudem a aplicação voluntariosa da lei não estão livres de, amanhã, serem alvo dessa mesma sanha punitivista. Deltan que o diga.

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