sexta-feira, 19 de maio de 2023

TSE no metaverso, Editorial FSP

 Em uma decisão que consumiu cerca de um minuto, alcançou a unanimidade e foi comemorada pelo governismo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o registro da candidatura e, por conseguinte, o mandato de deputado federal de Deltan Dallagnol (Podemos-PR).

Mais que a velocidade e a união da corte contra o outrora coordenador da Lava Jato em Curitiba, o que chamou a atenção no julgamento —motivado por representação da federação composta por PT, PC do B e PV e do PMN— foi o seu desfecho, e não por boas razões.

Todos os membros do TSE acompanharam o voto do ministro Benedito Gonçalves, que identificou, na trajetória de Deltan rumo ao mundo da política, elementos suficientes para caracterizar fraude à lei: conduta que aparenta legalidade, mas que, no fundo, objetiva driblar alguma restrição jurídica.

Segundo Gonçalves, Deltan exonerou-se do cargo de procurador da República cinco meses antes do que seria necessário não porque desejaria pavimentar sua estrada até o Congresso, mas com a finalidade de burlar a Lei da Ficha Limpa.

É que a lei, ao listar quem não pode concorrer a cargos eletivos, inclui os membros do Ministério Público "que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar".

Segundo o argumento de Gonçalves, as circunstâncias sugerem que Deltan antecipou sua exoneração a fim de evitar que ao menos 1 dos 15 procedimentos preliminares que existiam contra ele se transformasse, nos meses seguintes, no processo administrativo disciplinar (PAD) referido pela lei.

Não se negue à tese o seu engenho; é possível, até provável, que um dos procedimentos tenha de fato avançado em algum metaverso, para recorrer a um termo da moda.

Mas, neste universo em que vivemos, o Judiciário deveria se guiar não por hipóteses, mas por fatos. E os fatos são simples: não havia nenhum PAD contra Deltan no momento de sua exoneração, e a lei menciona de maneira explícita justamente esse tipo de processo.

Note-se que nada há de arbitrário na escolha do legislador. O PAD foi listado porque, no âmbito da administração pública, sua instauração pressupõe um juízo quanto à gravidade dos fatos. Ir além desse ponto numa decisão judicial representa um atropelo do princípio da separação de Poderes.

Não cabe ao Judiciário criar tantos pretextos para, sob a dupla pena do paternalismo e do arbítrio, cassar direitos políticos dos cidadãos —no caso, de um eleito com a maior votação de seu estado para a Câmara dos Deputados.

As regras, para terem o respeito de todos, não podem se dobrar ao sabor das circunstâncias. Os que hoje aplaudem a aplicação voluntariosa da lei não estão livres de, amanhã, serem alvo dessa mesma sanha punitivista. Deltan que o diga.

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