sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Luís Francisco Carvalho Filho - A PF é penico de Bolsonaro, FSP

 O último domingo começou com a resistência armada do ex-deputado Roberto Jefferson a mandado de prisão expedido pelo Supremo Tribunal Federal depois de inominável agressão à ministra Cármen Lúcia.

O acontecimento escancara, uma semana antes da eleição, as entranhas golpistas e corruptas do governo Bolsonaro.

Aliado fiel do presidente, o preso domiciliar tem acesso fácil a farto armamento de guerra —assim como milhares e milhares de milicianos disfarçados de colecionadores, atiradores esportivos e caçadores.

Jefferson recebe agentes da Polícia Federal com granadas (de efeito moral, mas aparentemente temperadas com pregos, para ferir) e cinquenta tiros de fuzil. Ao longo do dia, não há reação oficial ao atentado.

Roberto Jefferson (à esq.) conversa com agente federal após reagir contra a ordem de prisão na manhã de domingo (23)
Roberto Jefferson (à esq.) conversa com agente federal após reagir contra a ordem de prisão na manhã de domingo (23) - 23.out.22 - Reprodução

Antes de atirar, divulga a explicação de seu gesto nas redes sociais: "A minha raiz está plantada. O que eu quero vocês sabem. O jogo que eu estou jogando vocês sabem. Eu não vou me entregar". Tudo parece premeditado: a escalada verbal contra a ministra do STF na véspera, o jogo presidencial do golpe de Estado, a disposição para atear fogo à política.

"O que o senhor precisar a gente vai fazer", confessaria horas depois o dócil e divertido policial federal enviado para "negociar" a prisão do autor de tentativas de homicídio cometidas contra colegas seus de trabalho. O bate-papo amistoso é filmado e as imagens difundidas para que não haja dúvida de que a Polícia Federal é, sim, penico de Jair Bolsonaro.

Tudo é constrangedor: o deslocamento do ministro capacho da Justiça, a intervenção direta do padre de araque Kelmon e a deformidade moral que encontra em decisões judiciais do ministro Alexandre de Moraes a motivação para o desvario delinquente de Jefferson.

Paradoxalmente, a ideia da resistência à lei e à ordem tem a simpatia da quadrilha que se apossou do Palácio do Planalto justamente em nome da lei e da ordem.

O ex-deputado Daniel Silveira, outro porta-voz do golpismo desenhado por Bolsonaro e seus asseclas, também resistiu heroicamente à tornozeleira eletrônica: além de frequentar os coquetéis dos ministérios, recebeu indulto presidencial. O próprio presidente da República, mensageiro da paz miliciana, diz que dorme com arma ao lado da cama e que vai atirar para matar se tentarem prendê-lo.

Bolsonaro esperou o desenrolar dos acontecimentos para definir se Roberto Jefferson seria herói ou bandido. Como a resistência armada pegou mal entre aqueles que se sentem confortáveis diante da violência policial, normalmente praticada contra pretos e pobres "suspeitos", o ex-deputado, sempre fiel ao governante golpista, foi entregue ao sistema prisional como o militante do bem que virou "bandido" por causa da ditadura do Judiciário.

Depois da profissionalização patrocinada pelos governos de FHC e Lula, a Polícia Federal, sob o manto de Bolsonaro, retoma a trilha anterior de instituição inepta e corrompida. Desde que assumiu o poder, a ordem do dia é proteger familiares e amigos, perseguir adversários e tolerar a delinquência ambiental.

É por esse motivo que o assessor do TSE demitido terça-feira no contexto de outra farsa patrocinada pelo governo para criar suspeitas em torno da disputa eleitoral é levado para um estranhíssimo "depoimento" na PF.

Independentemente do resultado da eleição, resta saber se a valorosa banda honesta da Polícia Federal sobreviverá.

Jair Bolsonaro é muito pior que Roberto Jefferson.


Demétrio Magnoli Por que não declaro meu voto, FSP

 De modo geral, não declaro meu voto, pois creio que, para o grande público, ele é tão irrelevante quanto minhas preferências cinematográficas, literárias, esportivas ou culinárias. Mas, especificamente, recuso-me a declarar voto neste espaço para não violar aquilo que deveria ser um princípio inegociável da imprensa profissional: o jornal precisa evitar a prática da persuasão utilitária.

Folha tinha uma norma, hoje abolida, que vetava declarações de voto em colunas de opinião. Era uma derivação da regra intocável que separa, rigidamente, o espaço jornalístico do espaço publicitário. Um candidato é um produto no mercado da política –num certo sentido, como uma marca de sabonete é um produto no mercado da higiene pessoal. Não divulgo meu voto e não solicito que leitores votem em alguém pelo mesmo motivo que não faço publicidade de outras mercadorias.

Urna eletrônica sendo testada para as eleições - Rivaldo Gomes - 21.set.22/Folhapress

Sei que sabonete é coisa diferente –mas isso só torna tudo pior. "Um bom jornal é uma nação conversando consigo mesma" (Arthur Miller). Ninguém cessa a conversa por divergências sobre sabonetes, mas escolhas de candidato poluem o diálogo. Um jornal cravejado por declarações de voto será lido (ou descartado) como material de propaganda partidária.

O Fundo Eleitoral e o horário "gratuito", financiados com dinheiro público, asseguram aos candidatos recursos que superam em muito o orçamento de qualquer veículo de imprensa. Eis o lugar mais eficaz para declarações de voto: as campanhas oficiais. Alegremente, elas publicariam os textos persuasivos dos articulistas de opinião, difundindo-os para uma audiência inalcançável pelos jornais.

Nos EUA, jornais costumam declarar voto, em seus editoriais. Nenhum problema. A declaração pontual torna mais transparente a relação do veículo com seus leitores. Adicionalmente, obriga os jornais que não querem perdê-los a preservar a busca da objetividade nos espaços noticioso e analítico, bem como a natureza apartidária das colunas de opinião.

PUBLICIDADE

O colunismo de opinião transita, por definição, em rotas contaminadas por alguma subjetividade. É indispensável, porém, mantê-la dentro de limites estreitos. A opinião em estado puro ("eu acho") só é de interesse público quando o sujeito que "acha" controla poderes suficientes para imprimir sua preferência pessoal na vida dos demais —como ocorre com presidentes, parlamentares ou juízes. Colunistas, por outro lado, precisariam sustentar suas opiniões em cerrada argumentação conceitual e evidências factuais. Declarações de voto, que são meras adesões ao arsenal discursivo das próprias campanhas, não cumprem o requisito.

Há dois tipos de persuasão. A persuasão utilitária, típica da publicidade, tem a finalidade de provocar uma decisão de consumo. Campanhas eleitorais pertencem ao discurso publicitário porque pretendem convencer o eleitor a comprar uma mercadoria simbólica: o candidato X ou Y. Já a persuasão não utilitária almeja convencer o público sobre o valor de certas ideias. É essa a vocação das colunas de opinião.

A crítica implacável de atos ou ideologias de autoridades, líderes partidários e partidos faz parte da missão do colunismo político. Vale até elogiá-los –parcimoniosamente, pois eles têm fartos meios para disseminar autoelogios. Nada disso se confunde com declarações de voto.

As redes sociais deturparam as percepções sobre o debate público. Nelas, opiniões geram recompensas psicológicas, na forma de "likes". O mecanismo estimula a fragmentação dos participantes em bolhas dedicadas à reconfirmação de seus pontos de vista. O colunismo que declara voto tende a reproduzir o panorama das redes, selecionando leitores ansiosos pela reiteração de suas próprias opiniões.

Leitores atentos e vacinados contra fanatismos adivinharão meu voto, se quiserem perder tempo com isso. Mas não o declaro, em respeito a eles.

Você vai usar a camisa da seleção após as eleições?, Marina Izidro, FSP

 


Dia desses, minha ex-aluna me ligou. Ela é americana e continua morando em Londres depois de ter terminado seu mestrado em jornalismo esportivo. O motivo da ligação tinha a ver com o Brasil. Ela estava escrevendo uma reportagem para uma universidade dos Estados Unidos sobre a relação entre a seleção brasileira de futebol e a eleição presidencial às vésperas da Copa do Mundo.

Conversamos por um tempo, e ela me contou que viu o vídeo de Neymar apoiando Jair Bolsonaro (e isso faz parte da democracia, só fica difícil desvincular política da seleção quando a estrela da equipe defende publicamente o bolsonarismo). Eu disse que muita gente que conheço perdeu a identificação com o time ou não quer usar a camisa do Brasil por receio de ser associada a uma ideologia com a qual não concorda.

A estrela da seleção defende o bolsonarismo - Anne-Christine Poujoulat - 27.set.22/AFP

Essa americana é uma das várias pessoas que me perguntam aqui na Inglaterra sobre as eleições. O mundo acompanha com curiosidade –e apreensão– o que vai acontecer no domingo (30).

O The Athletic publicou nesta semana o artigo "Como a extrema-direita do Brasil ‘sequestrou’ a camisa mais famosa do mundo", que tem inclusive depoimentos do Walter Casagrande, colega da Folha.

A duas semanas do início da COP 27, conferência do clima da ONU, a Sky News, principal rede de televisão britânica ao lado da BBC, foi à Amazônia mostrar a dimensão do desmatamento ilegal.

O editorial de terça-feira (25) da revista Nature, uma das publicações científicas mais relevantes do mundo, diz que "um segundo mandato para Bolsonaro representa uma ameaça à ciência, à democracia e ao meio ambiente" e que "os últimos quatro anos do Brasil são uma lembrança do que acontece quando aqueles que elegemos desmontam instituições destinadas a reduzir a pobreza, proteger a saúde pública, impulsionar a ciência e o conhecimento, proteger o meio ambiente e defender a justiça e a integridade de evidências". "Os eleitores do Brasil têm uma oportunidade valiosa de começar a reconstruir o que Bolsonaro demoliu. Se Bolsonaro tiver mais quatro anos, o dano poderá ser irreparável", acrescenta.

Não são reportagens criadas pelo tio do WhatsApp, mas por veículos que fazem jornalismo profissional extremamente sério, investem em checagem de dados, consultam especialistas respeitados, apuram in loco.

Escrevi uma coluna em junho sobre como na Inglaterra, nas décadas de 1980 e 1990, grupos de extrema-direita ligados ao futebol como a English Defence League tentaram se apropriar da cruz de são Jorge –da bandeira inglesa– usando-a como símbolo político. Recentemente, defensores do Brexit foram acusados de associar a boa fase da seleção masculina à saída do Reino Unido da União Europeia, e o ex-primeiro-ministro Boris Johnson, de surfar na onda do sucesso na Eurocopa ao ir com a camisa da Inglaterra à final em Wembley.

Ao fim do nosso papo, minha aluna perguntou: "Depois das eleições, se Bolsonaro perder, os brasileiros vão usar a camisa da seleção durante a Copa do Mundo com mais tranquilidade?". "Hum… Acho, espero, que sim", respondi, sem ter certeza. Pena que o esporte, que consegue despertar em nós, brasileiros, nosso senso de orgulho nacional, tenha se misturado com uma guerra política tóxica. Mas, assim como os ingleses fizeram, dá tempo de resgatar nossos símbolos. Sempre dá.