De modo geral, não declaro meu voto, pois creio que, para o grande público, ele é tão irrelevante quanto minhas preferências cinematográficas, literárias, esportivas ou culinárias. Mas, especificamente, recuso-me a declarar voto neste espaço para não violar aquilo que deveria ser um princípio inegociável da imprensa profissional: o jornal precisa evitar a prática da persuasão utilitária.
A Folha tinha uma norma, hoje abolida, que vetava declarações de voto em colunas de opinião. Era uma derivação da regra intocável que separa, rigidamente, o espaço jornalístico do espaço publicitário. Um candidato é um produto no mercado da política –num certo sentido, como uma marca de sabonete é um produto no mercado da higiene pessoal. Não divulgo meu voto e não solicito que leitores votem em alguém pelo mesmo motivo que não faço publicidade de outras mercadorias.
Sei que sabonete é coisa diferente –mas isso só torna tudo pior. "Um bom jornal é uma nação conversando consigo mesma" (Arthur Miller). Ninguém cessa a conversa por divergências sobre sabonetes, mas escolhas de candidato poluem o diálogo. Um jornal cravejado por declarações de voto será lido (ou descartado) como material de propaganda partidária.
O Fundo Eleitoral e o horário "gratuito", financiados com dinheiro público, asseguram aos candidatos recursos que superam em muito o orçamento de qualquer veículo de imprensa. Eis o lugar mais eficaz para declarações de voto: as campanhas oficiais. Alegremente, elas publicariam os textos persuasivos dos articulistas de opinião, difundindo-os para uma audiência inalcançável pelos jornais.
Nos EUA, jornais costumam declarar voto, em seus editoriais. Nenhum problema. A declaração pontual torna mais transparente a relação do veículo com seus leitores. Adicionalmente, obriga os jornais que não querem perdê-los a preservar a busca da objetividade nos espaços noticioso e analítico, bem como a natureza apartidária das colunas de opinião.
O colunismo de opinião transita, por definição, em rotas contaminadas por alguma subjetividade. É indispensável, porém, mantê-la dentro de limites estreitos. A opinião em estado puro ("eu acho") só é de interesse público quando o sujeito que "acha" controla poderes suficientes para imprimir sua preferência pessoal na vida dos demais —como ocorre com presidentes, parlamentares ou juízes. Colunistas, por outro lado, precisariam sustentar suas opiniões em cerrada argumentação conceitual e evidências factuais. Declarações de voto, que são meras adesões ao arsenal discursivo das próprias campanhas, não cumprem o requisito.
Há dois tipos de persuasão. A persuasão utilitária, típica da publicidade, tem a finalidade de provocar uma decisão de consumo. Campanhas eleitorais pertencem ao discurso publicitário porque pretendem convencer o eleitor a comprar uma mercadoria simbólica: o candidato X ou Y. Já a persuasão não utilitária almeja convencer o público sobre o valor de certas ideias. É essa a vocação das colunas de opinião.
A crítica implacável de atos ou ideologias de autoridades, líderes partidários e partidos faz parte da missão do colunismo político. Vale até elogiá-los –parcimoniosamente, pois eles têm fartos meios para disseminar autoelogios. Nada disso se confunde com declarações de voto.
As redes sociais deturparam as percepções sobre o debate público. Nelas, opiniões geram recompensas psicológicas, na forma de "likes". O mecanismo estimula a fragmentação dos participantes em bolhas dedicadas à reconfirmação de seus pontos de vista. O colunismo que declara voto tende a reproduzir o panorama das redes, selecionando leitores ansiosos pela reiteração de suas próprias opiniões.
Leitores atentos e vacinados contra fanatismos adivinharão meu voto, se quiserem perder tempo com isso. Mas não o declaro, em respeito a eles.
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