Dia desses, minha ex-aluna me ligou. Ela é americana e continua morando em Londres depois de ter terminado seu mestrado em jornalismo esportivo. O motivo da ligação tinha a ver com o Brasil. Ela estava escrevendo uma reportagem para uma universidade dos Estados Unidos sobre a relação entre a seleção brasileira de futebol e a eleição presidencial às vésperas da Copa do Mundo.
Conversamos por um tempo, e ela me contou que viu o vídeo de Neymar apoiando Jair Bolsonaro (e isso faz parte da democracia, só fica difícil desvincular política da seleção quando a estrela da equipe defende publicamente o bolsonarismo). Eu disse que muita gente que conheço perdeu a identificação com o time ou não quer usar a camisa do Brasil por receio de ser associada a uma ideologia com a qual não concorda.
Essa americana é uma das várias pessoas que me perguntam aqui na Inglaterra sobre as eleições. O mundo acompanha com curiosidade –e apreensão– o que vai acontecer no domingo (30).
O The Athletic publicou nesta semana o artigo "Como a extrema-direita do Brasil ‘sequestrou’ a camisa mais famosa do mundo", que tem inclusive depoimentos do Walter Casagrande, colega da Folha.
A duas semanas do início da COP 27, conferência do clima da ONU, a Sky News, principal rede de televisão britânica ao lado da BBC, foi à Amazônia mostrar a dimensão do desmatamento ilegal.
O editorial de terça-feira (25) da revista Nature, uma das publicações científicas mais relevantes do mundo, diz que "um segundo mandato para Bolsonaro representa uma ameaça à ciência, à democracia e ao meio ambiente" e que "os últimos quatro anos do Brasil são uma lembrança do que acontece quando aqueles que elegemos desmontam instituições destinadas a reduzir a pobreza, proteger a saúde pública, impulsionar a ciência e o conhecimento, proteger o meio ambiente e defender a justiça e a integridade de evidências". "Os eleitores do Brasil têm uma oportunidade valiosa de começar a reconstruir o que Bolsonaro demoliu. Se Bolsonaro tiver mais quatro anos, o dano poderá ser irreparável", acrescenta.
Não são reportagens criadas pelo tio do WhatsApp, mas por veículos que fazem jornalismo profissional extremamente sério, investem em checagem de dados, consultam especialistas respeitados, apuram in loco.
Escrevi uma coluna em junho sobre como na Inglaterra, nas décadas de 1980 e 1990, grupos de extrema-direita ligados ao futebol como a English Defence League tentaram se apropriar da cruz de são Jorge –da bandeira inglesa– usando-a como símbolo político. Recentemente, defensores do Brexit foram acusados de associar a boa fase da seleção masculina à saída do Reino Unido da União Europeia, e o ex-primeiro-ministro Boris Johnson, de surfar na onda do sucesso na Eurocopa ao ir com a camisa da Inglaterra à final em Wembley.
Ao fim do nosso papo, minha aluna perguntou: "Depois das eleições, se Bolsonaro perder, os brasileiros vão usar a camisa da seleção durante a Copa do Mundo com mais tranquilidade?". "Hum… Acho, espero, que sim", respondi, sem ter certeza. Pena que o esporte, que consegue despertar em nós, brasileiros, nosso senso de orgulho nacional, tenha se misturado com uma guerra política tóxica. Mas, assim como os ingleses fizeram, dá tempo de resgatar nossos símbolos. Sempre dá.
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