domingo, 31 de julho de 2022

Elio Gaspari - Bolas de ferro dos escândalos do PT continuam lá, FSP

 


Em 2018, a onda bolsonarista que elegeu o capitão, Wilson Witzel no Rio e João Doria em São Paulo foi beneficiada pela blindagem com que o PT protegia os escândalos de seus governos.

Quatro anos depois, Lula lidera as pesquisas e oferece ao eleitorado êxito dos grandes números de suas administrações. Sua rejeição está em 36%, enquanto a de Bolsonaro vai a 53%, mas as bolas de ferro dos escândalos continuam lá.

Lula aparece em primeiro plano em um fundo escuro. Ele é um homem branco, de barba e cabelos ralos da mesma cor. Tem semblante sério e olha para o lado
O ex-presidente e candidato ao Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva, durante Convenção Nacional do PSB, em Brasília - Gabriela Biló - 29.jul.2022/Folhapress

DATAFOLHA

A última pesquisa do Datafolha mostrou que Lula precisa suar a camisa para liquidar a eleição no primeiro turno.

TERMÔMETRO DE BOLSONARO

Percebe-se um padrão nos discursos de Bolsonaro.

Quando ele fala das realizações do seu governo, está no modo de confiança. Quando ataca as urnas, o Supremo ou o TSE, está no modo da desesperança.

Trata-se de tentar aferir a proporção dos dois modos em cada discurso, visto que ele os mistura.

Não se deve avaliar falas em cercadinhos ou em padarias.

A BATALHA DE MINAS

Os mastigadores de números de Lula e Bolsonaro estão convencidos de que a batalha do primeiro turno será travada em Minas Gerais. Nos últimos 50 anos quem venceu no estado ganhou a eleição nacional.

Lula está fechado com o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil, que disputa o governo. Romeu Zema, que disputa a reeleição, afastou-se de Bolsonaro, em cuja onda venceu em 2018.

A campanha dirá quanto resta da onda de 2018. Os resultados das eleições municipais de 2020 mostraram que ela encolheu.

OS VOTOS DE CIRO

Ciro Gomes pode anunciar mil vezes seu rompimento com o PT, mas a maior parte de seus 8% irão para Lula.

Bolsonaro e Ciro Nogueira não entenderam a carta pela democracia, Elio Gaspari, FSP

 

Jair Bolsonaro e o doutor Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil da Presidência, disseram que o manifesto da carta em defesa da democracia era coisa de banqueiros ressentidos pela popularização do Pix.

Seria ingenuidade supor que eles não entendem de banqueiros ou de política. Bolsonaro e Nogueira estão num palácio onde algum efeito sobrenatural tem a capacidade de distorcer a percepção da realidade.
No palácio nada é o que é. Se cai um meteorito no Pará, isso pode ter sido jogada de alguma ONG.

Em primeiro plano, Bolsonaro, um homem branco, cabelos castanhos e terno, com a mão esquerda sobre a poca. Atrás dele, levemente desfocado, Ciro Nogueira, um homem branco, cabelos escuros penteados para trás e terno azul escuro. Há outros homens atrás deles
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Ciro Nogueira (Casa Civil) durante convenção do PP, em Brasília - Adriano Machado - 27.jul.2022/Reuters

A Carta de 2022 procura replicar o que teria sido o efeito da "Carta aos Brasileiros" que o professor Goffredo da Silva Telles leu numa noite de agosto de 1977, há 45 anos.

Valeria a pena que Nogueira e seus colegas palacianos relessem o que escreveu o falecido Serviço Nacional de Informações, analisando a cena do Largo do São Francisco:

"A Carta aos Brasileiros

A leitura da ‘Carta aos Brasileiros’ feita pelo Professor Goffredo da Silva Telles, dia 8 de agosto de 1977, no pátio interno da Faculdade de Direito da USP, como parte dos festejos comemorativos do sesquicentenário da implantação dos cursos jurídicos no Brasil deu a impressão, à primeira vista, de que se tratava de um ato oficial organizado pela direção da Faculdade, em comemoração a mais um aniversário de sua fundação.

Na verdade, o documento em apreço, de mera conotação política, não teve apoio maciço da Congregação da referida Academia de Direito, senão de minoria inexpressiva, conquanto ativa.

É da entrevista do diretor da Faculdade a afirmação: ‘A leitura (da Carta) era um ato político e pessoal do professor Goffredo e, por isso, a permissão para uso do salão só poderia ser dada pela Congregação, mas o pedido não foi feito’.

A ‘Carta aos Brasileiros’ está recebendo a adesão de professores de outras escolas de direito e de muitos advogados de São Paulo e de outros estados. No entanto, ela não está merecendo a adesão irrestrita e nem sensibilizou a opinião pública, como esperavam seus autores. Alguns políticos de conhecida formação liberal se recusaram a assiná-la, sob os mais variados argumentos. (...) O presidente seccional da OAB em São Paulo deixou de assinar a ‘Carta’ por considerá-la um documento elaborado por iniciativa isolada."

O SNI não havia entendido nada. O negócio daquela Carta, como a de hoje, era a democracia.

Como ensinou Mark Twain, a história não se repete, mas rima.

O chefe do SNI, general João Batista Figueiredo, tinha um pé na carta de Goffredo e a ponta do outro no radicalismo militar.

O ministro do Exército, general Sylvio Frota, achava que o presidente Ernesto Geisel era socialista e naqueles dias começou a redigir um discurso que pronunciaria em Sobral (CE), emparedando-o.

Dois dias depois, na análise do SNI, o ex-governador baiano Antônio Carlos Magalhães encontrou Geisel e disse-lhe que estava vacilando, pois deveria demitir Frota. O presidente respondeu:

— Você não me conhece. Tiro na hora que quiser.

Tirou-o no dia 12 de outubro.

Em fevereiro de 1978, com Frota fora do páreo, o SNI tinha outras preocupações. Vigiava oficiais que haviam sido ligados ao ministro. Entre eles, o jovem capitão Augusto Heleno, seu ex-ajudante de ordens.

ANJO DA GUARDA

O anjo da guarda de Jair Bolsonaro é preguiçoso, mas agiu em seu benefício quando impediu que a patacoada da reunião com os embaixadores estrangeiros fosse realizada no Itamaraty.

Os defensores do evento garantiam que seria um gol de placa.

O anjo da guarda é preguiçoso porque permitiu que o capitão fosse atingido por duas epidemias em quatro anos de mandato.

EUFORIA

Há uma certa euforia entre os defensores da democracia e adversários de Jair Bolsonaro.

Comemora-se que a carta em defesa da democracia superará a marca de 500 mil assinaturas. Admita-se que ela passe do milhão. Esse tipo de documento não pode ter a importância aferida pela quantidade de signatários.

Em 2018, Eduardo Bolsonaro elegeu-se deputado por São Paulo com 1,84 milhão de votos.

Hélio Schwartsman Na Covid, Deus dá lição de biologia, FSP

 


Não acho que Deus exista, mas admitamos, para fins de argumentação, que ele seja real e interfira no mundo. Existem vários modos de fazê-lo. Há desde o superativismo divino, no qual nem uma pedra rola sem autorização do criador, até o deísmo, pelo qual o demiurgo criou o universo com suas leis naturais e foi descansar num longo "shabbat", que já dura 14 bilhões de anos.

A ilustração de Annette Schwartsman, publicada na Folha de São Paulo no dia 31 de julho de 2022, mostra um homem branco de barba e cabelos castanhos longos, usando calção de banho preto, deitado sobre uma espreguiçadeira, com um drink na mão esquerda, tomando sol.
Ilustração de Annette Schwartsman - Annette Schwartsman

pandemia de Covid-19 traz dificuldades para os partidários da primeira concepção, já que nos obrigaria a ver Deus como um cara malvado. Se tudo depende de decisão do criador, então ele é o culpado pelos 6 milhões de óbitos até aqui registrados. Não daria nem para condenar Bolsonaro por suas omissões, já que elas seriam parte do plano divino.

A segunda concepção oferece um papel mais bacana para o demiurgo. No deísmo, ele pode ser visto como o melhor professor de biologia de todos os tempos. O universo que ele criou evidentemente já continha as leis da evolução. O que a epidemia fez foi escancará-las, revelando a todos que é Darwin e não interpretações fundamentalistas da Bíblia que está certo.

De fato, o vírus exibe diante de nossos olhos o poder da seleção natural mediante variação. Com pouco mais de dois anos de circulação, ele já produziu um alfabeto grego quase inteiro de variantes que se tornaram cada vez mais infecciosas e substituíram as versões anteriores, como prevê a teoria. Uma sublinhagem da ômicron, a BA.5, teve sua taxa bruta de reprodução, o R0, estimada em 18,6, o que a torna tão transmissível quanto o sarampo, algo que poucos epidemiologistas acreditavam que veriam em vida.

As taxas de hospitalização e óbito das novas variantes não acompanharam a de infecção. Os biólogos discutem se há mesmo uma tendência geral dos vírus de evoluírem para formas menos agressivas, mas o principal responsável por esse fenômeno no caso da Covid foram as vacinas, uma invenção indiscutivelmente humana.