Jair Bolsonaro e o doutor Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil da Presidência, disseram que o manifesto da carta em defesa da democracia era coisa de banqueiros ressentidos pela popularização do Pix.
Seria ingenuidade supor que eles não entendem de banqueiros ou de política. Bolsonaro e Nogueira estão num palácio onde algum efeito sobrenatural tem a capacidade de distorcer a percepção da realidade.
No palácio nada é o que é. Se cai um meteorito no Pará, isso pode ter sido jogada de alguma ONG.
A Carta de 2022 procura replicar o que teria sido o efeito da "Carta aos Brasileiros" que o professor Goffredo da Silva Telles leu numa noite de agosto de 1977, há 45 anos.
Valeria a pena que Nogueira e seus colegas palacianos relessem o que escreveu o falecido Serviço Nacional de Informações, analisando a cena do Largo do São Francisco:
"A Carta aos Brasileiros
A leitura da ‘Carta aos Brasileiros’ feita pelo Professor Goffredo da Silva Telles, dia 8 de agosto de 1977, no pátio interno da Faculdade de Direito da USP, como parte dos festejos comemorativos do sesquicentenário da implantação dos cursos jurídicos no Brasil deu a impressão, à primeira vista, de que se tratava de um ato oficial organizado pela direção da Faculdade, em comemoração a mais um aniversário de sua fundação.
Na verdade, o documento em apreço, de mera conotação política, não teve apoio maciço da Congregação da referida Academia de Direito, senão de minoria inexpressiva, conquanto ativa.
É da entrevista do diretor da Faculdade a afirmação: ‘A leitura (da Carta) era um ato político e pessoal do professor Goffredo e, por isso, a permissão para uso do salão só poderia ser dada pela Congregação, mas o pedido não foi feito’.
A ‘Carta aos Brasileiros’ está recebendo a adesão de professores de outras escolas de direito e de muitos advogados de São Paulo e de outros estados. No entanto, ela não está merecendo a adesão irrestrita e nem sensibilizou a opinião pública, como esperavam seus autores. Alguns políticos de conhecida formação liberal se recusaram a assiná-la, sob os mais variados argumentos. (...) O presidente seccional da OAB em São Paulo deixou de assinar a ‘Carta’ por considerá-la um documento elaborado por iniciativa isolada."
O SNI não havia entendido nada. O negócio daquela Carta, como a de hoje, era a democracia.
Como ensinou Mark Twain, a história não se repete, mas rima.
O chefe do SNI, general João Batista Figueiredo, tinha um pé na carta de Goffredo e a ponta do outro no radicalismo militar.
O ministro do Exército, general Sylvio Frota, achava que o presidente Ernesto Geisel era socialista e naqueles dias começou a redigir um discurso que pronunciaria em Sobral (CE), emparedando-o.
Dois dias depois, na análise do SNI, o ex-governador baiano Antônio Carlos Magalhães encontrou Geisel e disse-lhe que estava vacilando, pois deveria demitir Frota. O presidente respondeu:
— Você não me conhece. Tiro na hora que quiser.
Tirou-o no dia 12 de outubro.
Em fevereiro de 1978, com Frota fora do páreo, o SNI tinha outras preocupações. Vigiava oficiais que haviam sido ligados ao ministro. Entre eles, o jovem capitão Augusto Heleno, seu ex-ajudante de ordens.
ANJO DA GUARDA
O anjo da guarda de Jair Bolsonaro é preguiçoso, mas agiu em seu benefício quando impediu que a patacoada da reunião com os embaixadores estrangeiros fosse realizada no Itamaraty.
Os defensores do evento garantiam que seria um gol de placa.
O anjo da guarda é preguiçoso porque permitiu que o capitão fosse atingido por duas epidemias em quatro anos de mandato.
EUFORIA
Há uma certa euforia entre os defensores da democracia e adversários de Jair Bolsonaro.
Comemora-se que a carta em defesa da democracia superará a marca de 500 mil assinaturas. Admita-se que ela passe do milhão. Esse tipo de documento não pode ter a importância aferida pela quantidade de signatários.
Em 2018, Eduardo Bolsonaro elegeu-se deputado por São Paulo com 1,84 milhão de votos.
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