domingo, 23 de maio de 2021

‘Ciberpopulismo não é fenômeno provisório, está instalado’, diz filósofo, OESP

 Entrevista com

Andrés Bruzzone, filósofo e comunicador

Tulio Kruse, O Estado de S.Paulo

23 de maio de 2021 | 05h00

O filósofo e comunicador Andrés Bruzzone, de 57 anos, vive seu segundo confronto com a armadilha da polarização na política. Brasileiro nascido na Argentina, nutre desgosto pela divisão na sociedade que se aprofundou durante os anos de kirchnerismo no país vizinho, a partir da década de 2000. Ele diz que vê, há pelo menos cinco anos, o mesmo ocorrer no Brasil e tem poucos motivos para ser otimista em relação às eleições de 2022

Esse desconforto o levou à pesquisa para o recém-lançado livro Ciberpopulismo (editora Contexto), um ensaio sobre o uso da tecnologia e das redes sociais pela extrema direita. Em entrevista ao Estadão, Bruzzone diz que o fenômeno do populismo digital veio para ficar e que, enquanto partidos democráticos sofrem para se adaptar ao novo cenário, haverá menos espaço para moderação. É por isso que ele se diz cético quanto à chamada “terceira via” no Brasil. “A minha leitura é de que estão fora do jogo, o que é muito triste. Assim perdemos nuances, estamos entre branco e preto, doença ou saúde, não tem meio-termo. No limite, é preciso escolher de maneira binária. Isso é muito ruim para a democracia.” 

  • O tom do seu livro parece pessimista. O sr. diz que expectativas frustradas – na economia, nas condições de vida em sociedade – explicam o surgimento da onda populista à direita, mas os movimentos democráticos ainda não têm uma resposta para isso. Ou têm?

Eu realmente não sou otimista. De alguma maneira, acho que a democracia está encontrando mecanismos para se proteger – assim como a mídia tradicional, uma vez que a tendência digital estava colocando em risco o próprio jornalismo. A democracia, nesse sentido, tem mecanismos de defesa. Mas não sou otimista. Nós votamos com três órgãos do corpo. Com o coração naquilo que amamos – nos identificamos com uma pessoa, um partido. Votamos com o cérebro também, fazemos escolhas racionais. Essas duas coisas funcionam, mas o populismo age diretamente no terceiro órgão: a tripa, as entranhas. O populismo apela de maneira mais intensa para paixões negativas, o medo e o ódio. São muito intensas, muitas vezes mais do que as paixões positivas. As redes sociais são muito mais eficazes para odiar do que para gostar. Há muito mais haters do que lovers. Num ambiente polarizado e populista, olhar para as taxas de rejeição passa a ser mais importante do que para as taxas de adesão. Quando se juntam esses dois fenômenos – das mídias digitais e do populismo – e os dois apontam para o ódio, para frustrações, fúria e canalização do medo, é muito difícil fugir da armadilha. 

Andrés Bruzzone
O filósofo e comunicador Andrés Bruzzone: redes são 'mais eficazes' para odiar  Foto: Tiago Queiroz/Estadão
  • Parece mais fácil usar as redes sociais para promover ódio e desinformação. As instituições democráticas não conseguem aprender com as ferramentas do extremismo?

Idealmente, sim. Não consigo encontrar motivos estruturais para que isso não seja possível. Ocorre que, até agora, não vemos isso. Houve a fase do otimismo digital, a Primavera Árabe e discussões sobre a possibilidade do voto direto (em leis). Isso ainda não está acontecendo de maneira consistente. Ainda que seja possível em teoria, não vemos na prática. Com certeza há uma infinidade de ferramentas para avaliar o trabalho dos eleitos, e uma militância digital claramente democrática muito forte. Há uma fiscalização nas redes sociais. Quando um ex-secretário mente numa CPI, isso se espalha na rede, não há como esconder. Há um ganho de transparência, e isso não deveria nunca significar menos democracia. Talvez seja necessário ainda algum tempo para a democracia e suas instituições aprenderem a lidar com essa realidade nova. Isso ainda está por ser visto.

  • O ciberpopulismo é apenas o uso da tecnologia para promover a polarização, a mesma que já vimos no século 20, ou há mais do que isso?

Ele (o ciberpopulismo) nasce desse encontro entre o populismo tradicional e a tecnologia, que é muito recente. Ele nasce disso, mas provoca uma mudança estrutural. Primeiro se aproveita de mudanças nos sistemas de meios de comunicação e de partidos políticos e, ao mesmo tempo, acentua essas mudanças estruturais. Acho que é muito mais do que um fenômeno contingente. Não é, provavelmente, um fenômeno provisório e, sim, algo que está instalado. A democracia vai precisar lidar com esse encontro do populismo com as possibilidades que a tecnologia coloca à disposição dos especialistas em campanhas políticas.

  • Mais comunicação é um problema para a democracia?

É um paradoxo. Por enquanto, o maior acesso a informações está enfraquecendo e ameaçando as democracias. Mas não devia. O que provavelmente está faltando é o poder fiscalizador do Estado, a regulamentação dos processos de produção e distribuição de informações. Eu não acredito, e não acho que seja sustentável hoje, que uma desregulação total seja positiva.

  • O sr. cita no livro o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, que diz que o populismo de esquerda não tem chance de alcançar o apelo populista da direita. Concorda?

Eu não concordo com nenhum prognóstico tão taxativo. Acho que não. Em uma primeira fase, vimos a extrema direita se armar muito bem digitalmente, conseguiu canalizar uma série de frustrações. Ela fez com que partes da população, que estavam invisíveis, fossem visibilizadas – isso nos EUA, França, Brasil. Havia pessoas pouco importantes politicamente porque não tinham meios de participar. O que a extrema direita viu foi que poderia dar a essas pessoas um horizonte de representação, fazê-las visíveis. E aí veio essa onda que estamos vivendo no Brasil e no mundo. Não acho que partidos de centro e de esquerda não consigam também aprender. Acho que, no Brasil, estamos vendo um momento muito preocupante, mas, ao mesmo tempo, interessante. A esquerda brasileira está aprendendo a usar redes sociais, vemos isso no cotidiano. E vem aí uma eleição que vai ser muito pautada pelos sistemas digitais de construção de discurso. Cabe a cada um apostar a favor ou contra Tony Blair. (A eleição) terá, claramente, um dinâmica de ciberpopulismo. Será uma polarização extrema, na qual quem eu odeio será tão importante quanto quem eu amo. O Brasil vai viver essas polarizações sobrepostas.

  • O sr. cita a possibilidade incerta da construção de um populismo de esquerda, que não tenha vocação antidemocrática. Acha que essa é uma porta de saída viável para manter a democracia?

Essa é uma questão extremamente delicada. Polarização, assim como populismo, é uma palavra que nomeia muitas coisas diferentes. Precisamos tomar cuidado com essa noção. Na discussão sobre a Terra ser redonda ou plana, por exemplo, não existe polarização e não existe ponto médio entre os dois. De um lado há a ciência, e do outro um pensamento não racional. Não existem polos equivalentes quando, de um lado, há uma força antidemocrática. Não há nenhuma equivalência entre qualquer candidato democrático e outro que quer explodir o sistema. Pode existir polarização, mas não existe equivalência entre os dois. Às vezes se pensa que a polarização leva a um equilíbrio, ao colocar uma situação de equivalência entre dois polos, e isso não é verdade. Existe um limite, que é o do jogo democrático. Dentro dele, tudo. E fora dele, nada. Essa deve ser, entendo eu, a posição de qualquer democrata que acredita no pluralismo. Isso te leva a um paradoxo. Você é obrigado a votar, muitas vezes, em um candidato que você detesta – mas detesta dentro do jogo democrático. A polarização te leva a essas situações. O polo democrático é sempre melhor para a democracia. Não há justificativa de qualquer pessoa com o mínimo de decência cívica para apoiar um candidato que claramente é antidemocrático. O que vai marcar o jogo da próxima eleição é a equação de quantas pessoas apoiam cada um dos dois candidatos e quantas pessoas os detestam, a ponto de votar em alguém que normalmente não votariam.

  • Em um cenário conflagrado como esse, o 'centro democrático' ou a chamada 'terceira via' perdem? Têm alguma chance de ganhar discussões?

A minha leitura é de que estão fora do jogo – o que é muito triste. Assim perdemos nuances, estamos entre branco e preto, entre doença ou saúde, não tem meio-termo. No limite, é preciso escolher de maneira binária. Isso é muito ruim para a democracia.

  • Existe alguma saída para a armadilha do ciberpopulismo?

Eu diria que somente com um acordo muito claro das forças democráticas. O Brasil tem uma vocação de diálogo e contemporização muito maior, por exemplo, do que a Argentina. É um país federal, em que o poder está mais fragmentado. Faço essa comparação por dois motivos: porque conheço o modelo argentino e porque é um lugar interessante para entender o que pode acontecer quando uma polarização se impõe e perdura. Eu acho que um pacto democrático seria a única saída para esta situação, essa armadilha. Havendo esse pacto entre as forças de esquerda e direita democráticas, dá para se deixar de fora os antidemocráticos. É preciso fomentar o diálogo, procurar entender e abrir espaço para o diferente. Aprender a escutar e promover escuta. É muito difícil construir um pensamento coletivo se, mesmo com diferenças à direita e à esquerda, os que temos uma vocação sinceramente democrática não conseguirmos acordos básicos. Tem alguém querendo tacar fogo no circo, não podemos deixar. Se o circo queimar, estamos todos incinerados. 

Arquiteto Paulo Mendes da Rocha morre aos 92 anos; relembre trajetória, FSP

 Redação, O Estado de S.Paulo

23 de maio de 2021 | 13h39

Paulo Mendes da Rocha, um dos maiores arquitetos do Brasil, morreu neste domingo, 23, aos 92 anos de idade. Ao longo de sua carreira, recebeu condecorações importantes como o prêmio Pritzker, principal distinção da arquitetura mundial, em 2006, e o Leão de Ouro da Bienal de Arquitetura de Veneza, em 2016. 

Filho de engenheiro, Mendes se formou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, em 1954. Quatro anos depois, ganhou projeção ao fazer o ginásio do Clube Atlético Paulistano, sendo premiado na Bienal Internacional de São Paulo em 1961, mesmo ano em que passou a dar aulas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP).

Junto a Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha fez parte do grupo que formou a Escola Paulista, marcado pelas grandes obras de infraestrutura em concreto, e chegou a presidir o departamento paulista do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) de 1972 a 1973 e de 1986 a 1987. 

O arquiteto Paulo Mendes da Rocha em foto de 2018
O arquiteto Paulo Mendes da Rocha em foto tirada em dezembro de 2018 Foto: Leda Abuhab/Estadão

Durante a ditadura militar, foi afastado do cargo de professor durante a vigência do AI-5, em 1969, voltando somente em 1980, após a anistia, como auxiliar de ensino. Só se tornou professor titular 18 anos depois, quando se aposentou compulsoriamente ao completar 70 anos.

Em 2020, Mendes optou por doar seu acervo à Casa de Arquitectura, museu e centro expositivo de Matosinhos, na região metropolitana do Porto, em Portugal. A decisão dividiu opiniões, entre críticos à atitude, afirmando necessidade de o Brasil conservar uma coleção como a dele, e os que apoiaram-no.

"Essa decisão foi tomada há dois anos, bem antes, portanto, da crise atual. Nunca procurei ninguém, foi o [diretor executivo Nuno] Sampaio que me fez a proposta de abrigar o acervo na Casa de Arquitectura e convidou Catherine Otondo para fazer o inventário da obra", contou ao Estadão, à época. O acervo tinha quase 9 mil peças, entre maquetes, fotografias e desenhos originais.

Entre suas principais obras, destacam-se o Museu Brasileiro da Escultura (MuBE), concluído em 1988, e o plano de reforma da Pinacoteca do Estado de São Paulo, além do Jockey Clube de Goiânia, completado em 1962, o edifício Guaimbê, em São Paulo, em 1964. Também recebeu prêmios na Expo70, em Osaka, no Japão, em 1969, e no concurso internacional para o Centre Georges Pompidou, em Paris, em 1971. 

No Facebook, Pedro Mendes da Rocha, filho do arquiteto, publicou uma homenagem: "Depois de tanto projetar edifícios em concreto e aço, meu pai foi projetar galáxias com as estrelas!".

Prepare-se para 3ª onda de Covid e 500 mil mortos até julho, Marcelo Leite, FSP

 Sístoles e diástoles: assim como o coração se contrai e relaxa para bombear sangue, a epidemia de Covid também segue um ritmo pulsante, ditado pelo grau de distanciamento social. Na ausência de vacinas suficientes para garantir imunidade coletiva, quer dizer.

No Brasil, a primeira dose de imunizantes mal chegou a um quinto da população, por culpa federal de você-sabe-quem. Nessas condições, unidades de saúde só veem escassear doentes prostrados pelo corona quando autoridades estaduais e municipais apertam restrições à mobilidade.

No pulso seguinte, com o enésimo relaxamento das medidas restritivas, unidades básicas, prontos-socorros e UTIs voltam a se encher. Leitos lotam, suprimentos para intubação rareiam, oxigênio passa a faltar, mais e mais mortes acontecem. Já vimos esse filme.

A repetição do colapso hospitalar é tão previsível quanto batimentos cardíacos, nesse paciente intratável chamado Brasil. A analogia para por aqui, porque sístoles e diástoles se sucedem em frações de segundos, ao passo que altos e baixos de casos e óbitos na epidemia avançam com defasagem de três a quatro semanas.

O intervalo que separa o aumento no número de infecções da subida na quantidade de mortos corresponde ao tempo de progressão da doença nos infectados sintomáticos. Entre mais pessoas entrarem em circulação, contraírem o vírus, desenvolverem sintomas, serem internadas e precisarem de cuidados intensivos, vários dias transcorrem; uma vez intubados na UTI, demora outro tanto até que 80% sucumbam.

Retomando a analogia: ao longo da vida, o coração se desgasta sob o esforço de bater 100 mil vezes a cada 24 horas, 36 milhões por ano, década após década, e um dia para; a fadiga social com idas e vindas da Covid, porém, se manifesta bem mais rápido.

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Nem saímos do segundo ciclo, e já bastou para população, governadores e prefeitos, exaustos, baixarem mais um pouco a guarda (de resto, imperfeita). Ninguém aguenta mais a falta de amigos, respeito, parentes, popularidade, sossego, recursos, vacinas, empregos, sedativos, renda, solidariedade, leitos, decência...

“Lockdown” virou palavra maldita, pecado mortal, graças aos esforços genocidas de Jair Bolsonaro. Seus adversários políticos fogem da providência como a cruz que se aparta do demônio. Nunca fizemos nada parecido com o trancamento geral.

Após tanta negligência com providenciar vacinas, testes em massa e rastreamento com separação de infectados seriam a única medida capaz de derrubar as curvas funéreas de maneira sustentável.

Na falta de tudo, torna-se fácil antever novo repique de mortes em poucas semanas. Pode parecer irresponsável tal presságio, quando o número de óbitos está em queda, mas até crianças sabem que a água do mar recua antes de tudo submergir no tsunami.

Não deveria haver espaço para alívio quando quase 2.000 brasileiros morrem por dia. Ainda por cima, a quantidade de infectados parou de cair e volta a subir em vários lugares. A lotação de UTIs ultrapassa alarmantes 80% na maioria dos estados e capitais.

Fique aqui a previsão, coisa mais arriscada para um jornalista fazer: em poucas semanas chegará uma terceira e mortífera onda. O Brasil alcançará a cifra chocante de meio milhão de mortos em meados de junho, ou logo depois.

É para anotar e cobrar a coluna quando chegar a hora. Nada dará mais satisfação do que errar, nesse caso.

Aos que acreditam em Deus, contudo, recomenda-se muita oração. Dos humanos, com ou sem poder de decisão, já não cabe esperar quase nada.