domingo, 29 de março de 2020

Nós vamos aprender alguma coisa com a pandemia? (futuro, pós pandemia)

Gilberto Amendola, O Estado de S. Paulo
29 de março de 2020 | 05h00

pandemia de coronavírus vai passar. E, com ela, vai-se embora também a quarentena. Embora ainda não se saiba exatamente quando isso vai acontecer, já é possível pensar, especular e, principalmente, sonhar com esse dia. A pergunta que nos cabe nesse momento é: “Vamos aprender alguma coisa?”. Ou ainda: “O que pode ser melhor daqui para frente?”.
Primeiro, vamos olhar para dentro. Quando tudo isso for uma lembrança amarga (ou um aprendizado duro) o que é que vai nos sobrar? Se “de tudo fica um pouco”, como diria o poeta Carlos Drummond de Andrade, qual será esse pouco que restará na hora em que a vida voltar ao normal?
As cenas de solidariedade e colaboração entre vizinhos e desconhecidos pode ser uma pista. Os netos que estão se resguardando por amor e empatia aos avós e os pais que estão se reconectando com os filhos também são bons exemplos.
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Cuidado. Com placas, moradores de São Paulo fazem ações para alertar a população para que não saia de casa  Foto: Eleonora Rigotti
E que tal a falta que está nos fazendo um café com os amigos, um happy hour depois do trabalho ou um aperto de mão e um abraço? Tudo isso deve ser o motor da nossa mudança e, claro, da mudança do mundo. Mas vamos começar pequenos, dentro da gente mesmo.
A funcionária pública Eleonora Rigotti, de 33 anos, tem colocado a placa “Fique em Casa” em sua janela e apoiado outras ações de conscientização e ajuda. “Eu espero que as pessoas percebam que não adianta ser bom só para o indivíduo. Precisa ser bom para todo mundo, para o seu colega de trabalho, para seu vizinho, para os idosos. Temos que cuidar um dos outros”, disse. “Vamos entender que estamos todos conectados e que precisamos cuidar melhor das nossas relações e da própria cidade”.
Para Camila Salmazo, orientadora educacional do ensino médio do Colégio Marista João Paulo II, o vírus vai nos fazer repensar sobre o que temos feito das nossas próprias vidas. “A gente atropela muitas oportunidades, não enxergamos coisas boas ou pessoas que estão ao nosso redor. Nem na higiene a gente reparava tanto. Não podemos sair dessa desligando um botão e voltando à velha rotina”, ponderou. 
Camila acredita nas mudanças internas: “Vamos aprender a desacelerar, nos alimentar melhor, ouvir as pessoas, mudar nossas relações de trabalho e priorizar o que podemos aprender com novas experiências”.

'Ídolos de barro irão derreter', diz professor de filosofia

“Algumas coisas vislumbro para o momento posterior à tempestade, em que muitos ídolos de barro irão derreter”, falou o professor de filosofia do Mackenzie, Gerson de Moraes.
Para Moraes, políticos, formadores de opinião e religiosos que “estão nadando contra a verdade que está posta irão perder seu capital simbólico”. “Pode observar que pessoas que hoje ditam regras de comportamento irão encolher depois da pandemia”, disse. 
O professor vai além: “As empresas que só enxergam a população como clientes e consumidor também terão sérios problemas no fim da pandemia”. Moraes acredita que o estímulo pela concorrência deve diminuir. “As pessoas vão entender que o mais importante não é o dinheiro, mas a própria vida”, afirmou. “O capitalismo precisa se transformar em algo mais fraterno, humano e colaborativo. Com todo mundo em casa, a força civilizatória se faz presente. Vai perder quem nega a ciência e tudo aquilo que construímos como humanidade. Será também uma possibilidade de combater teorias da conspiração e valorizar informações de qualidade”, completou.

Empresas estão descobrindo que trabalho remoto é possível

Para o mestre em Direito Trabalhista, Alexandre Silvestre, o universo das empresas está descobrindo que o trabalho remoto é possível. “Tenho conversado com empresários que dizem que a produção aumentou nesse período. As pessoas estão mais focadas. Essa experiência pode ser levada para o ambiente corporativo”, disse. 
Para ele, a tendência é que as leis trabalhistas sejam simplificadas e desburocratizadas. Além disso, Silvestre aposta no crescimento do home office. “Existiam empresas reticentes, mas a realidade está mostrando que as pessoas dominam as ferramentas tecnológicas e podem trabalhar a distância”, falou.
Na saúde, ao menos uma mudança prática para saltar aos olhos de quem estuda o tema. Ricardo Ramires Filho, advogado e membro da Comissão de Estudos Sobre Planos de Saúde e Assistência Médica da OAB/SP e Coordenador do Comitê de Estudo Sobre a Atenção Domiciliar da OAB/SP, aposta na telemedicina como uma resposta após o fim da pandemia.
“Devemos ter mudanças no acesso à saúde pública e privada. A regulamentação da teleconsulta e telemedicina vai agilizar processos”, projetou. 
Ramires diz que a nossa cultura é “hospitalocêntrica”. “Cerca de 80% da demanda nos prontos-socorros são casos que poderiam serem resolvidos com consultas a distância e deixaríamos os hospitais para casos sérios”, disse. 
Agora, vamos olhar do alto e tentar enxergar o quadro todo. O que será do mundo pós-pandemia? A organização e a relação entre as nações mudarão? O mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC/SP, Lucas M. de Souza cita o historiador Eric Hobsbawm (1917-2012), autor do livro Era dos Extremos, para advertir sobre a dificuldade de se analisar o tempo presente quando se está inserido nele. Ainda assim, segundo Souza, é razoável imaginar que as nações avancem em termos de cooperação internacional. “Antes da pandemia, a postura no mundo estava cada vez mais isolacionista”, disse.

Banqueiro nos EUA mostra que, quando rotina não aponta saída, há loucos que viram gênios, FSP

Quando ninguém sabe o que fazer, ou quando as rotinas não apontam uma saída, surgem loucos que se revelam gênios.
Em 1906 a cidade de San Francisco foi destroçada por um terremoto, seguido de incêndios. Amadeo Giannini tinha um pequeno banco e sua clientela vivia no andar de baixo. Ele alugou um caminhão de lixo e tirou todo o dinheiro de seu cofre. (Outros banqueiros achavam que deviam deixá-los nas caixas-fortes e o calor assou as notas.)
A grande ideia de Giannini foi botar uma mesa na rua. Ele passou a emprestar dinheiro a quem estivesse precisando, confiando nos fios dos bigodes. Ele contava que recebeu de volta tudo o que emprestou e que no primeiro dia dessa operação maluca recebeu depósitos equivalentes a US$ 1,5 milhão em dinheiro de hoje.
Prédio do Bank of America, em Los Angeles, nos Estados Unidos
Prédio do Bank of America, em Los Angeles, nos Estados Unidos - Mike Blake /Reuters
Mesmo que tenha exagerado, seu tamborete virou o Bank of America, um dos maiores dos Estados Unidos, e ele entrou para a história da banca.

HOJE E ONTEM


O doutor Rubem Novaes, presidente do Banco do Brasil, ensinou que "muita bobagem é feita e dita, inclusive por economistas, por julgarem que a vida tem valor infinito".
A vida dos outros, certamente. De qualquer forma, ele não é o único que pensa assim, nem essa maneira de pensar é nova.
Em 1830 a Santa Casa do Rio de Janeiro colocou um anúncio num jornal pedindo aos senhores de escravos que não mandassem para os cemitérios escravos doentes, mas ainda vivos.
Lembrando esse episódio, a historiadora Mary Karasch ensinou que naquele tempo a marca do comportamento do andar de cima não era e crueldade, mas o "simples descaso".

ALÍVIO


Na cúpula do Judiciário cozinha-se uma trégua para as empresas que estão em recuperação judicial que, sem malandragens, viram-se obrigadas a atrasar pagamentos por causa da contração da economia.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota, venera todos os governantes presentes, passados e futuros. Por isso se aborreceu ao saber que a revista inglesa Economist chamou o capitão de "BolsoNero".
O cretino acha que o imperador romano ganhou má fama por causa de historiadores marxistas da época. Ele teria tocado violino durante o incêndio de Roma, mas os violinos só apareceram séculos depois.

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Brincando com a crise sanitária, Bolsonaro causou estragos, Elio Gaspari, FSP


Presidente da República fez confusões, gracinhas e provocações com delírios autoritários

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Passará o tempo e ficará a lembrança de que durante a epidemia da Covid-19 o presidente da República fez confusões, gracinhas e provocações com delírios autoritários.
Brincando com a crise sanitária Bolsonaro causou estragos, mas os governadores e as lideranças parlamentares contiveram a ruína. Resta a crise econômica, paralela e duradoura. Nela, não haverá lugar para gracinhas, fantasias ou teatrinhos como o que se organizou com amigos da Federação das Indústrias de São Paulo.
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, usando máscara de proteção no rosto durante coletiva de imprensa para falar sobre a crise do coronavirus
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, usando máscara de proteção no rosto durante coletiva de imprensa para falar sobre a crise do coronavirus - Pedro Ladeira /Folhapress
Em tempos saudáveis, durante a negociação da reforma da Previdência, sua ekipekonômica tentou tungar o Benefício de Prestação Continuada dos miseráveis. Depois decidiram taxar os desempregados. Com a epidemia, inventaram uma medida provisória de garantia ao desemprego sem contrapartida. Exposta a demofobia da iniciativa, veio a história de que acontecera um erro de redação. Contem outra, doutores.
A matriz demófoba dos Acadêmicos da Economia foi ao vinagre e os doutores descobriram que o andar de baixo existe. Lidando com essa vertente da crise, volta-se ao ponto de partida: a máquina federal precisa funcionar.
A mente tumultuada do capitão produz frases desconexas. Um exemplo: "O povo tem que parar de deixar tudo nas costas do poder público". Ele nunca recebeu um só centavo que não viesse das arcas do Tesouro, que é sustentado por esse mesmo povo.
Para Bolsonaro, tudo é "uma questão de poder". Nas suas palavras, "se acabar a economia, acaba qualquer governo, acaba o meu governo".
Engano, nenhum governo corre o risco de acabar, mas o dele depende de Jair Bolsonaro.

A LIÇÃO DE BERNANKE


Durante a crise financeira de 2008 o professor Ben Bernanke (Stanford) estava à frente do Federal Reserve Bank americano. Ele era um verdadeiro economista liberal e fizera carreira estudando a Depressão dos anos 1930.
A situação estava tão braba que o secretário do Tesouro, Henry Paulson, em jejum, trancou-se no banheiro para vomitar.
Ambos decidiram despejar dinheiro no mercado, resgatando empresas que corriam o risco de quebrar, espalhando o pânico. Era o contrário do que havia aprendido, ensinado e praticado. Diante do que parecia uma contradição ele ensinou ao mundo e a seus pares: "Não há ateu em trincheira, nem ideólogo em crise financeira".