domingo, 22 de março de 2020

Ruy Castro Últimas palavras, FSP

Os recados que celebridades bem humoradas queriam deixar para depois da morte

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Em tempos de desesperança como o nosso, aplico uma receita, para mim, infalível. Releio Alvaro Moreyra, principalmente suas memórias, “As Amargas, Não...”, de 1954. Ninguém amou tanto a vida e falou dela com tanta delicadeza. Vejo agora que Alvaro, que não conheci, era delicado também ao falar da morte. Nesse livro, ele sugere divertidos epitáfios para seu túmulo —a que só chegaria dez anos depois. Eis alguns:
“Que silêncio, hein?”. “Peço apenas migalhas de pão para os pardais”. “Parei de rir. Parei de chorar. Morri?”; “Não contem anedotas. Sei todas”. “Com certeza sinto falta do mar”. “Foi para isto então?”. “Escutem, agora sou apenas uma alma. Sabem lá o que é isto?”. “Não tenham mais medo. Já podem dizer todo o bem que sabem de mim”. “O grande domingo!”. “Realizei o desejo: a casa de campo”. “Não tragam flores. Plantem uma roseira aqui”. “Afinal, envelheci”. “Obrigado!”.
Não sei se um deles foi adornar seu endereço final no cemitério São João Batista. As famílias nem sempre se lembram do que seus membros gostariam de dizer para a eternidade. Talvez por isso, em 1976, dirigindo uma revista aqui no Rio, encarreguei duas ótimas repórteres, Cleusa Maria e Christina Lyra, de perguntar a algumas celebridades bem humoradas o que elas gostariam de ler em seus futuros túmulos. Respostas:
Chacrinha: “Não quero choro nem vela”. Rubem Braga: “De volta às cinzas”. Juscelino Kubitschek: “Missão cumprida”. Tom Jobim: ”Tu foste a única culpada”. Nelson Rodrigues: “Aqui jaz Nelson Rodrigues, assassinado por imbecis de ambos os sexos”. Miéle: “Aqui jaz, absolutamente contra a vontade, Luiz Carlos Miéle”. Jorginho Guinle: “Aqui jazz”. Ivan Lessa: “Aqui, ó!”. Chico Anysio: “E agora, vão rir de quê?”. Paulo Gracindo: “Ingrata, já de branco, não é?”. Carlinhos (Canal 100) Niemeyer: “Flamengo até morrer”. Hoje, todos já se foram. E nenhum teve obedecidas suas últimas palavras.
Luiz Carlos Miéle, que gostaria de ler em seu túmulo que jazia ali 'absolutamente contra a vontade' - Greg Salibian - 3.mar.13/Folhapress

Hélio Schwartsman Brincando de Pangloss, FSP (definitivo)

Cansei do tom sombrio do noticiário das últimas semanas, de modo que hoje vou dar uma de Pangloss, o personagem irremediavelmente otimista do “Cândido” de Voltaire.
Antes de mais nada, mesmo nos piores cenários hoje traçados, não estamos diante de um evento de nível de extinção da humanidade. Um dia a epidemia vai passar, e a esmagadora maioria das pessoas terá sobrevivido a ela. As estruturas produtivas também. Aliás, dois efeitos colaterais positivos da virtual paralisação de cidades brasileiras deverão ser a redução de homicídios e dos óbitos no trânsito.
Num plano já mais anímico, eu destacaria a retomada da confiança na ciência. Sei que isso é mais uma esperança pessoal do que uma certeza, mas não me parece implausível que as pessoas percebam que a coisa só não ficou muito pior porque muitos governos ouviram os cientistas e tomaram as medidas certas. Desfechos diferenciados entre países que deram ou não deram atenção às recomendações poderão oferecer uma base de comparação eloquente.
Se até Trump, depois de muita relutância, foi capaz de perceber que era melhor seguir a ciência do que suas intuições, então qualquer um é em princípio capaz de fazê-lo —bem, o Bolsonaro talvez não.
Ainda no capítulo microrganismos, bobeamos ao ignorar os alertas dos virologistas de que uma pandemia importante estava a caminho, mas não é tarde para fazer algo a respeito do problema da resistência a antibióticos, que, asseguram-nos os infectologistas, deverá causar uma próxima crise sanitária.
Outra consequência da passagem da Covid-19 que soa promissora é a disseminação do “home office”. As pessoas vão descobrir que o trabalho remoto é possível em muito mais situações do que se supunha, e isso poderá trazer impactos positivos para a produtividade, a felicidade individual, o trânsito e até a vida dos bairros.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

sábado, 21 de março de 2020

Como reduzir o custo psicológico do isolamento, Fernando Reinach, O Estado de S.Paulo


14 de março de 2020 | 17h32


O aumento dos casos da covid-19 tem forçado os países a implementar medidas que aumentam a distância física e diminuem o contato entre pessoas. Na China, as pessoas deixaram de ir ao trabalho, as escolas fecharam, os eventos que envolvem aglomerações foram cancelados e a liberdade de ir e vir foi restrita. O mesmo está ocorrendo na Itália. Outros países estão tomando medidas semelhantes. Separando as pessoas, fica mais difícil de o vírus se espalhar e o número de casos por dia diminui, o que retarda a pandemia. E, mais importante, diminui a sobrecarga no sistema de saúde. O surto dura mais tempo, mas é menos intenso e as pessoas têm mais chances de serem tratadas adequadamente. Temos de nos preparar para a possibilidade de termos nossa liberdade de ir e vir restrita nas próximas semanas ou meses.
O problema é que somos animais sociais. Estamos acostumados a viver em grupos, a interagir com familiares e amigos. Por esse motivo, ficar trancado em casa durante semanas deixa qualquer um louco.
Na verdade, pouquíssimas pessoas ficam realmente loucas no sentido médico do termo. E, graças à ciência, existem muitos estudos sobre o custo psicológico de uma quarentena. O respeitado jornal The Lancet publicou uma revisão da literatura científica sobre o estado emocional das pessoas durante e após o isolamento (The Psycological Impact of Quarentine and How to Deduce It: Rapid Review of the Evidence).
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A base de dados do jornal apontou inicialmente 3.166 artigos sobre o assunto. Excluindo-se as duplicatas, havia um total de 2.900 trabalhos – 2.848 foram considerados irrelevantes. Cinquenta e dois estudos passaram por avaliação cuidadosa e o que segue são os resultados reportados nos 24 trabalhos incluídos na revisão. As populações estudadas incluem médicos infectados, populações do Canadá, de Taiwan, do Senegal, de Hong Kong, da China e de outros países que sofreram com a epidemia de Sars, ebola, Mers e outras doenças.
Vários impactos foram detectados durante o isolamento: depressão, estresse, mau humor, irritabilidade, insônia, estresse pós-traumático, raiva e exaustão emocional. Esses são os sintomas com maior prevalência. No caso de pessoas isoladas por Sars e Mers, 20% ficaram com medo, 10% com sentimento de culpa e 18% com tristeza. Também houve pessoas com sentimentos positivos, 4% se sentiram aliviados e 5%, felizes.
Após a quarentena, os sintomas persistiram em muitas pessoas por meses. Em alguns médicos e enfermeiras, o medo de doenças não desapareceu. Os estudos demonstraram que pessoas jovens (16 a 24 anos), de baixa educação e mulheres têm maior suscetibilidade. Ter filhos parece diminuir as chances de sofrimento.
Foram também identificadas as razões para esses distúrbios: medo de ser infectado, frustração e tédio, falta de suprimentos e de informação. Depois da quarentena, as preocupações financeiras e o estigma de ter sido isolado são as razões mais frequentes para os sintomas. Os estudos recomendam o que pode ser feito para aliviar os efeitos: manter a quarentena tão curta quanto possível, garantir informação e suprimento de comida, reduzir o tédio com ajuda de meios digitais e comunicação.
A conclusão é que a quarentena tem efeitos psicológicos muito diversos e de longa duração. Como muito provavelmente a maioria de nós vai passar por um período de isolamento total ou parcial, é bom saber que os sentimentos fazem parte da resposta normal dos seres humanos. Esse conhecimento talvez nos ajude a enfrentar com mais coragem esse transtorno. Cabe ao governo levar em conta esses achados ao organizar o distanciamento social ou as quarentenas.