sábado, 21 de março de 2020

Como reduzir o custo psicológico do isolamento, Fernando Reinach, O Estado de S.Paulo


14 de março de 2020 | 17h32


O aumento dos casos da covid-19 tem forçado os países a implementar medidas que aumentam a distância física e diminuem o contato entre pessoas. Na China, as pessoas deixaram de ir ao trabalho, as escolas fecharam, os eventos que envolvem aglomerações foram cancelados e a liberdade de ir e vir foi restrita. O mesmo está ocorrendo na Itália. Outros países estão tomando medidas semelhantes. Separando as pessoas, fica mais difícil de o vírus se espalhar e o número de casos por dia diminui, o que retarda a pandemia. E, mais importante, diminui a sobrecarga no sistema de saúde. O surto dura mais tempo, mas é menos intenso e as pessoas têm mais chances de serem tratadas adequadamente. Temos de nos preparar para a possibilidade de termos nossa liberdade de ir e vir restrita nas próximas semanas ou meses.
O problema é que somos animais sociais. Estamos acostumados a viver em grupos, a interagir com familiares e amigos. Por esse motivo, ficar trancado em casa durante semanas deixa qualquer um louco.
Na verdade, pouquíssimas pessoas ficam realmente loucas no sentido médico do termo. E, graças à ciência, existem muitos estudos sobre o custo psicológico de uma quarentena. O respeitado jornal The Lancet publicou uma revisão da literatura científica sobre o estado emocional das pessoas durante e após o isolamento (The Psycological Impact of Quarentine and How to Deduce It: Rapid Review of the Evidence).
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A base de dados do jornal apontou inicialmente 3.166 artigos sobre o assunto. Excluindo-se as duplicatas, havia um total de 2.900 trabalhos – 2.848 foram considerados irrelevantes. Cinquenta e dois estudos passaram por avaliação cuidadosa e o que segue são os resultados reportados nos 24 trabalhos incluídos na revisão. As populações estudadas incluem médicos infectados, populações do Canadá, de Taiwan, do Senegal, de Hong Kong, da China e de outros países que sofreram com a epidemia de Sars, ebola, Mers e outras doenças.
Vários impactos foram detectados durante o isolamento: depressão, estresse, mau humor, irritabilidade, insônia, estresse pós-traumático, raiva e exaustão emocional. Esses são os sintomas com maior prevalência. No caso de pessoas isoladas por Sars e Mers, 20% ficaram com medo, 10% com sentimento de culpa e 18% com tristeza. Também houve pessoas com sentimentos positivos, 4% se sentiram aliviados e 5%, felizes.
Após a quarentena, os sintomas persistiram em muitas pessoas por meses. Em alguns médicos e enfermeiras, o medo de doenças não desapareceu. Os estudos demonstraram que pessoas jovens (16 a 24 anos), de baixa educação e mulheres têm maior suscetibilidade. Ter filhos parece diminuir as chances de sofrimento.
Foram também identificadas as razões para esses distúrbios: medo de ser infectado, frustração e tédio, falta de suprimentos e de informação. Depois da quarentena, as preocupações financeiras e o estigma de ter sido isolado são as razões mais frequentes para os sintomas. Os estudos recomendam o que pode ser feito para aliviar os efeitos: manter a quarentena tão curta quanto possível, garantir informação e suprimento de comida, reduzir o tédio com ajuda de meios digitais e comunicação.
A conclusão é que a quarentena tem efeitos psicológicos muito diversos e de longa duração. Como muito provavelmente a maioria de nós vai passar por um período de isolamento total ou parcial, é bom saber que os sentimentos fazem parte da resposta normal dos seres humanos. Esse conhecimento talvez nos ajude a enfrentar com mais coragem esse transtorno. Cabe ao governo levar em conta esses achados ao organizar o distanciamento social ou as quarentenas.

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