terça-feira, 24 de setembro de 2019

Diário de Londres, João Pereira Coutinho, FSP

Eu não sabia que a dor de perder um filho tinha variações de intensidade

Londres ferve. Culpa do Brexit. Circulo pela cidade e, entre os meios letrados, há um ódio ao premiê Boris Johnson que não permite qualquer discussão racional. O homem é um ditador e, mais ainda, quer tirar o Reino Unido da União Europeia.
Sorrio. Depois pergunto duas coisas, “sotto voce”. Primeira: se ele é um ditador, por que motivo a esquerda recusa as eleições que ele propôs? Segunda: sair da União Europeia não foi aquilo que os ingleses escolheram no referendo de 2016?
Perguntas óbvias, ao nível de um débil mental, mas que são temerárias no ambiente em que vivemos. A culpa, como dizia um sociólogo americano hoje esquecido (Alvin Gouldner), está no “complexo de Platão”: a ideia antiga, antiquíssima,  de que as massas são deploráveis —e de que a cidade deve ser governada por uma qualquer casta de sábios.
Que o “complexo de Platão”, agora mais forte do que nunca, seja o contrário do ideal democrático, eis um pormenor que não passa de um pormenor para os sábios.
De fato, não há nada de novo debaixo do sol. Leio os jornais. Um editorial do The Guardian analisa o livro de memórias do ex-premiê britânico David Cameron.
E o editorialista, fazendo uma referência à morte do filho de Cameron (um menino de seis anos, que sofria de paralisia cerebral), afirma: Cameron conheceu a dor, sim, mas foi uma “dor privilegiada”.
Eis o raciocínio: perder um filho é duro. Mas, no caso de Cameron, o seu dinheiro, o seu privilégio, a sua influência permitiu-lhe ter acesso aos melhores tratamentos e a um luto mais confortável.
Curioso. Eu não sabia que a dor de perder um filho tinha variações de intensidade consoante a renda. O Guardian esclareceu-me: quando somos pobres, dói mais. Quando temos dinheiro, a dor é coisa passageira.
Aliás, para que o editorial fosse completamente bolchevique (e não envergonhadamente bolchevique), só faltava esclarecer que os ricos não têm sentimentos e que Cameron, depois do funeral, fez uma festa lá em casa.
O século 20 foi pródigo nessas tácticas: para justificar a guerra de classe, era preciso mostrar o inimigo como um ser sub-humano. Será que o século 21, e o clima de histeria política em que ele está mergulhado vai ressuscitar velhos fantasmas?
Depois da aberração, o The Guardian pediu desculpas. Até quando?
Vou ao Garrick Theatre para ver a mais recente peça de David Mamet, “Bitter Wheat”. Pergunta: qual o tema mais radioativo que um dramaturgo poderia escolher? Resposta: os crimes sexuais de Harvey Weinstein.
David Mamet, que nunca temeu a polémica, ocupa-se do assunto. Pior: ocupa-se do assunto em tom de comédia, entregando o papel de Weinstein (na peça, o nome do personagem é outro, lógico) a John Malkovich. Resultado?
Não, “Bitter Wheat” não é uma apologia do assédio. Pelo contrário: Malkovich, gordo e literalmente repulsivo, dá uma boa ideia de como seria Weinstein com as beldades do cinema. Uma mistura de gangsterismo com autocomiseração patética, que só um ator como Malkovich seria capaz de recriar para nosso genuíno horror.
A peça, que já terá deixado Londres quando o leitor ler estas linhas, não terá estreia em Nova York. É pena. Como diziam os antigos, é rindo que se corrigem os costumes.
Joe Biden, candidato à indicação democrata para as presidenciais de 2020, é velho. E os jornais não se cansam de relembrar o fato em tom jocoso ou condenatório.
Engraçado. Se Biden fosse negro ou gay, será que os mesmos jornais fariam referência a isso no mesmo tom com que falam da sua idade?
Claro que não. Neste tempo de “wokeness” (palavra nova, que significa estar alerta para as injustiças da sociedade) todos os grupos têm direito a uma defesa apaixonada. Todos, exceto os velhos.
E, no entanto, parece que o “ageism” (outra palavra nova; significa atos ou expressões discriminatórios contra os mais velhos) cresce como nunca. Não apenas no caso de Biden; aqui, no Reino Unido.
Um estudo recente da Sun Life, intitulado The Ageist Britain e divulgado pela imprensa, informa que 34% dos britânicos já discriminaram “pessoas de uma certa idade”.
Ilustração de Angelo Abu para coluna João Pereira Coutinho de 24.set.2019.
Ilustração de Angelo Abu para coluna João Pereira Coutinho de 24.set.2019 - Angelo Abu
As “pessoas de uma certa idade” confirmam: 68% dos inquiridos com mais de 50 anos já sentiram essa discriminação. No trabalho, nos transportes, até nas compras do dia a dia.
Parafraseando George Orwell, todas as vítimas são iguais mas algumas são mais iguais do que outras.
João Pereira Coutinho
Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Governo de SP fecha acordo para elevar de 14% para 40% esgoto tratado pela Sabesp em Guarulhos, G1

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), assinou nesta segunda-feira (23) um acordo de cooperação com a Prefeitura de Guarulhos para que a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) eleve de 14% para 40% o tratamento de esgoto da cidade. O investimento, compartilhado entre governo do estado e as prefeituras da capital e de Guarulhos, é de R$ 1,7 bilhão.
No ranking nacional do Instituto Trata Brasil, Guarulhos, a segunda maior cidade do estado, ficou na 81ª posição entre os 100 municípios analisados. O município trata menos de 20% do esgoto e despeja o restante no Rio Tietê. A cidade tem estação de tratamento de esgoto. A primeira foi inaugurada 9 anos atrás, mas a maior parte dos imóveis não foi conectado à rede.
O acordo prevê ainda, pelo serviço, a redução da dívida de R$ 3 bilhões que Guarulhos possui com o governo estado, disse Doria. O objetivo é impedir que o esgoto de Guarulhos desague totalmente no Rio Tietê, já que a cidade é a maior poluidora do rio por meio de dejetos domésticos, conforme o prefeito de Guarulhos, Gustavo Costa, conhecido como Guti.
"Nossa meta é a despoluição do rio Tietê em 10 anos. Seria absolutamente impossível despoluir o rio Tietê se não tivéssemos começando agora o programa de tratamento do esgoto", disse Doria.
Segundo Guti, até então, Guarulhos tratava apenas 2% do seu esgoto, e "conseguimos elevar isso para 14% atualmente". A meta inicial é elevar até o fim de 2020 para 40% o tratamento, salientou o presidente da Sabesp, Benedito Braga.
Doria ressaltou que, desde um acordo inicial realizado no início de 2019, houve a regularização da entrega de água na cidade. "Temos 1,4 milhão de moradores em Guarulhos que faziam rodízio de água, passavam até 30 horas sem água. Isso não existe mais, a situação foi resolvida. Não existe mais rodízio de água em Guarulhos", afirmou.

Privatização

O governador salientou que, por enquanto, não há planos para a privatização da Sabesp, como havia defendido no início da gestão, já que demanda autorização da Assembleia Legislativa, o que ainda não ocorreu.
"Dentro do que a legislação permite, atualmente, vamos nos ater ao que a legislação permite, que é a capitalização da Sabesp", disse Doria.

Solavanco democrático e os riscos da crise ambiental, Moises Naim , OESP

Moisés Naím, O Estado de S.Paulo
23 de setembro de 2019 | 05h44

O que Espanha, Itália, Israel e Reino Unido têm em comum? A incapacidade de formar governos estáveis e capazes de governar. E esses são quatro países que, apesar de tudo, têm regimes nos quais ainda se respeita a divisão de poderes e se limita o poder do Executivo. Como sabemos, o que não faltam são países nos quais a disfuncionalidade política é muito mais grave. 
No mundo todo, governar está ficando mais difícil. Em alguns casos, impossível. Vemos que as eleições não funcionam mais como a âncora que estabiliza a política e possibilita aos governos... que governem. Mais do que isso: eleições e referendos agora revelam a profunda polarização do eleitorado, paralisam o jogo político e tornam impossível a tomada de decisões.
Assim, os resultados eleitorais formalizam e quantificam a profunda fissura da sociedade e, em alguns casos, contribuem para dificultar a convivência civilizada entre as facções. A resposta que se dá a esses problemas é convocar novas eleições.
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Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido Foto: Christopher Furlong / AFP
Mas governar não está dificultando apenas a vida das democracias. Tampouco parece normal que Xi Jinping e Vladimir Putin, dois dos homens mais poderosos do mundo, estejam preocupados com manifestações de rua protagonizadas principalmente por jovens desarmados.

Controle férreo na China e na Rússia

Xi e Putin exercem um controle férreo sobre seus países, e os que protestam nas ruas de Hong Kong e Moscou não são uma ameaça para a sobrevivência de seus regimes. O que surpreende é Xi e Putin não terem acabado antes com os protestos.
Talvez a relativa tolerância que esses autocratas vêm mostrando com as manifestações seja um sintoma de quão seguros eles se sentem e da irrelevância dos protestos. Ou talvez não saibam como combatê-los.
Os protestos não têm líderes óbvios e hierarquias claras. A organização, coordenação e participação neles depende das redes sociais. Em Hong Kong, líderes do governo pró-Pequim se queixam de que, ainda que queiram fazer acordos com os manifestantes, não sabem com quem negociar.
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O presidente da Rússia, Vladimir Putin Foto: EFE/EPA/ALEXEY NIKOLSKY / SPUTNIK / KREMLIN POOL
Obviamente, Xi e Putin poderiam acabar com os protestos usando os instrumentos normais das ditaduras: sangue e fogo. Mas o uso da força sempre implica riscos e pode fazer com que, em vez de sufocar os protestos, venha a agravá-los, convertendo-os em ameaças políticas mais graves.
Isso aconteceu, por exemplo, na Síria, onde as manifestações na cidade de Deraa contra a detenção e tortura de 15 estudantes que grafitavam contra o governo ganharam força até se transformarem em uma guerra civil que já dura oito anos e cobrou mais de meio milhão de vidas.

O papel das empresas na crise ambiental

Mas, se o que está ocorrendo na política mundial não é normal, o que vem ocorrendo com o meio ambiente é ainda menos. Os fatos são conhecidos. Imagens de todas as partes do planeta mostrando as catástrofes produzidas por incêndios, chuvas torrenciais, secas prolongadas e furacões são cotidianas.
As evidências científicas são esmagadoras e a inação para fazer frente a essas ameaças é ainda mais. A paralisia ante enfrentar com eficácia as mudanças climáticas constitui sem dúvida o maior perigo que nossa civilização vive.
A inépcia dos governos em responder à emergência climática é exacerbada pela influência de interesses econômicos. A ExxonMobil e os irmãos Charles e David Koch são apenas dois exemplos de empresas e indivíduos ricos que, durante décadas, financiaram fartamente “centros de pesquisa” e “cientistas” dedicados a semear dúvidas sobre a gravidade do problema climático e impedir que governos adotem as políticas necessárias.
O fato de grandes empresas influírem sobre governos para evitar que tomem decisões contra seus ganhos não é novidade. De fato, é o normal.
O que não é normal é líderes de algumas das maiores empresas do mundo repudiarem publicamente a ideia de que seu objetivo primordial seja maximizar os lucros. Foi, no entanto, o que ocorreu há algumas semanas, quando os chefes de 181 das maiores empresas americanas assinaram um comunicado que sustenta exatamente esse repúdio.
Esses altos executivos afirmam que as empresas privadas devem conciliar os interesses de seus acionistas com os de clientes, empregados, fornecedores e comunidades nas quais operam.

Titãs do capitalismo estão atrasados

Obviamente, esses titãs do capitalismo estão chegando atrasados ao diálogo. Para muita gente, já é evidente que ficou insustentável para qualquer empresa ignorar os interesses e necessidades dos grupos dos quais dependem para satisfazer apenas aos acionistas.
O debate agora é sobre como fazer isso, e, principalmente, garantir que as empresas cumpram o que prometem. Alguns importantes líderes empresariais têm ideias a respeito. Brad Smith, presidente da Microsoft, por exemplo, publicou um artigo na revista The Atlantic intitulado “As empresas tecnológicas precisam de mais regulamentação”.
Isso não é normal. Sem dúvida, surpreende que o presidente da 16.ª maior empresa do mundo exorte os governos a regulamentarem suas indústrias. Mas essa, como as outras anomalias que acabamos de discutir, tiradas do noticiário recente, é apenas mais um exemplo de quanto é difícil decifrar o mundo no qual nos coube viver. / TRADUÇÃO