Com 317 votos favoráveis e 111 contrários, a Câmara dos Deputados aprovou na quinta-feira (5) um projeto de decreto que derruba a resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente sobre aborto legal em menores de idade —o projeto vai ao Senado.
Mas a norma do Conanda apenas reafirma o direito desse estrato à interrupção da gravidez a partir de diretrizes como prioridade no acesso ao serviço de aborto legal, o sigilo e o atendimento seguro e humanizado.
A medida obscurantista dos deputados parte de viés ideológico e desconsidera os obstáculos no acesso ao aborto legal no país, colocando a saúde e até a vida das brasileiras mais jovens em risco —a mortalidade materna no estrato até 14 anos (62,57 mortes a cada 100 mil nascidos vivos) é superior à média nacional (52,7).
Ademais, é uma tentativa de confundir a população sobre o alcance da resolução, que não altera a lei em vigor desde a década de 1940. Trata-se, assim, de esvaziar a aplicação dos dispositivos sobre aborto do Código Penal.
No Brasil, a interrupção da gravidez é permitida em casos de risco de vida para a gestante, estupro e anencefalia fetal. A lei estabelece que manter relação sexual com menor de 14 anos é estupro de vulnerável, não cabendo alegação de consenso da vítima.
Os dados são alarmantes. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 61% dos 87,5 mil estupros registrados no ano passado foram contra crianças e adolescentes nessa faixa etária.
Sabe-se que o tema é controverso e motivo de embate político estridente. O próprio governo petista se opôs à resolução do Conanda em dezembro e, após críticas, agora indicou voto contrário à sua derrubada na Câmara.
Contudo o conhecimento técnico deveria guiar políticas públicas, não a ideologia. Legisladores criticam a resolução porque ela não impõe um tempo limite de gestação para autorizar o aborto, embora tal limitação só possa ser instituída por lei, já que o o Código Penal não a impõe.
Crianças e adolescentes, principalmente as mais pobres, são as que tendem a realizar o procedimento em gravidez avançada porque desconhecem o próprio corpo, não conseguem denunciar abusos sofridos no ambiente doméstico e não têm acesso regular a serviços médicos.
Por isso é o público que mais enfrenta obstáculos para ter garantido o aborto legal. Ao derrubar a resolução, os deputados colocam uma disputa política tacanha acima do direito, da saúde e da vida de crianças e adolescentes que dizem proteger.
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