segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Congresso mina o direito de meninas estupradas, Lygia Maria, FSP

 O congresso está numa cruzada contra o direito que crianças grávidas têm ao aborto legal. Nem o interesse eleitoreiro parece explicar tamanha crueldade. Afinal, segundo o Datafolha, 58% dos brasileiros acham que a lei sobre o tema deve continuar como está (34%), incluir mais permissões (17%) ou que o aborto deveria ser descriminalizado (7%).

O Código Penal autoriza o procedimento em casos de risco à vida da mulher, anencefalia fetal e estupro, e toda relação sexual com menor de 14 anos é estupro.

De acordo com a OMS, a taxa no Brasil de partos em meninas entre 10 e 14 anos a cada 1.000 mulheres em 2023 foi de 2,4, acima da média global (1,5). Na região Norte do país, o índice (4,7) é maior do que o da África subsaariana (4,4), a pior do mundo.

Protesto, em São Paulo, contra a PL 1904, chamado de PL Antiaborto por Estupro - Tuane Fernandes-15.jun.24/Folhapress

Em 2024, a vítima era menor de 14 anos em 61% dos casos de estupro, e essas crianças têm dificuldade para interromper a gravidez de forma segura —em 2021, só 8% das 1.556 internações relacionadas a aborto na faixa etária de 10 a 14 anos ocorreram por causas autorizadas pela lei.

Por isso o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente estabeleceu, por meio de resolução, protocolos de atendimento que facilitam o acesso ao aborto a menores de idade. Na quinta (5), porém, a Câmara aprovou decreto para derrubar a resolução, que não altera a lei vigente.

O projeto vai ao Senado, onde outras propostas insensatas tramitam. Uma impede o aborto por telemedicina (com uso de medicamentos), mesmo que a OMS mostre que o método é seguro; outra proíbe o aborto após 22 semanas de gestação em caso de estupro e anencefalia.

Ora, os casos após 22 semanas só ocorrem por incompetência do Estado em garantir esse direito, e no geral são as meninas pobres que demoram mais para reconhecer a gravidez e procurar ajuda. Problemas que a telemedicina e a resolução do Conanda têm potencial para resolver.

Deputados e senadores deveriam sentir vergonha por atuarem contra a saúde física e mental de crianças estupradas. É preciso interromper esse ciclo abjeto de violência, não perpetuá-lo.

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