Vanessa Ferrari
A mesma tecnologia que vigia nossas florestas consome água, energia e minerais raros em escala industrial. Com o início da COP30, o Brasil precisa decidir: regular esse paradoxo ou fingir que ele não existe.
Sistemas de inteligência artificial como o PrevisIA, do Imazon, e plataformas do Inpe detectam desmatamento em tempo real, preveem onde a devastação acontecerá e mapeiam estradas clandestinas onde nenhum fiscal jamais pisou. Essa sentinela digital protege a amazônia com eficiência que o Estado sozinho jamais alcançaria. Mas, segundo o AI Index Report 2025, da Universidade de Stanford, treinar o Llama 3.1 405B gerou 8.930 toneladas de CO₂ —equivalente a 900 voos entre São Paulo e Nova York.
O verdadeiro impacto está na inferência: cada vez que milhões de usuários consultam o ChatGPT diariamente, geram emissões que podem superar todo o custo do treinamento inicial. Cada 20 a 50 perguntas consomem meio litro de água limpa. Os data centers dependem de lítio e estanho extraídos de ecossistemas devastados.
Nesta COP, o Brasil precisará apresentar não discursos, mas soluções jurídicas concretas. E aqui reside nossa contradição: enquanto monitoramos a amazônia com IA sofisticada, operamos 180 data centers no país —incluindo o quinto maior da América Latina, em Barueri (SP)— sem qualquer marco regulatório que exija controle ambiental específico dessa infraestrutura. A metáfora da "computação em nuvem" criou uma ilusão de imaterialidade. A realidade é física: cada modelo exige milhares de servidores refrigerados que drenam aquíferos, alimentados por energia frequentemente vinda de combustíveis fósseis, construídos com minerais extraídos sem compromisso com a sustentabilidade.
Nossa legislação ambiental robusta foi concebida na era analógica. Não se imaginava regular algoritmos que incentivam consumo insustentável, data centers que consomem recursos hídricos equivalentes a pequenas cidades ou modelos de IA cujo treinamento gera emissões comparáveis a centenas de voos transatlânticos.
Sediar a conferência climática mais importante do planeta no coração da amazônia nos permite demonstrar capacidade de inovar juridicamente. O Brasil reúne elementos únicos: guardamos o maior patrimônio de biodiversidade do planeta, operamos sistemas avançados de IA para monitorá-lo e hospedamos infraestrutura significativa de data centers. Essa combinação nos credencia a propor um modelo de governança que outros países possam replicar. Mas isso exige ação legislativa urgente.
Primeiro, enquadrar datacenters e infraestruturas de IA como atividades potencialmente poluidoras, submetendo-as ao licenciamento ambiental específico. Segundo, estabelecer transparência radical. Empresas desenvolvedoras devem publicar relatórios detalhados sobre a pegada ambiental de seus modelos.
A COP30 pode ser o fórum para o Brasil propor um padrão internacional dessas métricas.
Terceiro, incorporar o princípio do protetor-recebedor, criando incentivos para empresas que desenvolvem IA com externalidades ambientais positivas. Quarto, criar um "Estatuto da IA Ambiental" que consolide deveres, responsabilidades e incentivos.
A inércia regulatória não é neutra. É permitir que o progresso tecnológico continue sem internalizar suas externalidades ambientais, transferindo o custo para as próximas gerações. A IA pode ser a aliada mais poderosa da amazônia —mas apenas se tivermos a sabedoria jurídica de transformá-la em uma inteligência a serviço da sustentabilidade.
A COP30 não é apenas uma conferência. É o prazo que nos impusemos para decidir se o Brasil será líder em governança ambiental do século 21 ou mais um país que assiste, passivo, à própria contradição.
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