segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Vanessa Ferrari - IA que protege amazônia também a polui, FSP

 Vanessa Ferrari

Juíza de direito, é doutora em Direito Civil (USP) e pesquisadora dos reflexos da inteligência artificial na responsabilidade civil ambiental

A mesma tecnologia que vigia nossas florestas consome água, energia e minerais raros em escala industrial. Com o início da COP30, o Brasil precisa decidir: regular esse paradoxo ou fingir que ele não existe.

Sistemas de inteligência artificial como o PrevisIA, do Imazon, e plataformas do Inpe detectam desmatamento em tempo real, preveem onde a devastação acontecerá e mapeiam estradas clandestinas onde nenhum fiscal jamais pisou. Essa sentinela digital protege a amazônia com eficiência que o Estado sozinho jamais alcançaria. Mas, segundo o AI Index Report 2025, da Universidade de Stanford, treinar o Llama 3.1 405B gerou 8.930 toneladas de CO₂ —equivalente a 900 voos entre São Paulo e Nova York.

A imagem mostra um corredor estreito entre estantes repletas de unidades de armazenamento, possivelmente fitas magnéticas ou discos rígidos. No centro, há um equipamento automatizado que parece estar projetado para acessar as unidades de armazenamento. As estantes são organizadas de forma ordenada, com etiquetas visíveis em algumas das unidades.
Data center nos EUA - Manuel Orbegozo/Reuters

verdadeiro impacto está na inferência: cada vez que milhões de usuários consultam o ChatGPT diariamente, geram emissões que podem superar todo o custo do treinamento inicial. Cada 20 a 50 perguntas consomem meio litro de água limpa. Os data centers dependem de lítio e estanho extraídos de ecossistemas devastados.

Nesta COP, o Brasil precisará apresentar não discursos, mas soluções jurídicas concretas. E aqui reside nossa contradição: enquanto monitoramos a amazônia com IA sofisticada, operamos 180 data centers no país —incluindo o quinto maior da América Latina, em Barueri (SP)— sem qualquer marco regulatório que exija controle ambiental específico dessa infraestrutura. A metáfora da "computação em nuvem" criou uma ilusão de imaterialidade. A realidade é física: cada modelo exige milhares de servidores refrigerados que drenam aquíferos, alimentados por energia frequentemente vinda de combustíveis fósseis, construídos com minerais extraídos sem compromisso com a sustentabilidade.

Nossa legislação ambiental robusta foi concebida na era analógica. Não se imaginava regular algoritmos que incentivam consumo insustentável, data centers que consomem recursos hídricos equivalentes a pequenas cidades ou modelos de IA cujo treinamento gera emissões comparáveis a centenas de voos transatlânticos.

Sediar a conferência climática mais importante do planeta no coração da amazônia nos permite demonstrar capacidade de inovar juridicamente. O Brasil reúne elementos únicos: guardamos o maior patrimônio de biodiversidade do planeta, operamos sistemas avançados de IA para monitorá-lo e hospedamos infraestrutura significativa de data centers. Essa combinação nos credencia a propor um modelo de governança que outros países possam replicar. Mas isso exige ação legislativa urgente.

Primeiro, enquadrar datacenters e infraestruturas de IA como atividades potencialmente poluidoras, submetendo-as ao licenciamento ambiental específico. Segundo, estabelecer transparência radical. Empresas desenvolvedoras devem publicar relatórios detalhados sobre a pegada ambiental de seus modelos.

A COP30 pode ser o fórum para o Brasil propor um padrão internacional dessas métricas.
Terceiro, incorporar o princípio do protetor-recebedor, criando incentivos para empresas que desenvolvem IA com externalidades ambientais positivas. Quarto, criar um "Estatuto da IA Ambiental" que consolide deveres, responsabilidades e incentivos.

A inércia regulatória não é neutra. É permitir que o progresso tecnológico continue sem internalizar suas externalidades ambientais, transferindo o custo para as próximas gerações. A IA pode ser a aliada mais poderosa da amazônia —mas apenas se tivermos a sabedoria jurídica de transformá-la em uma inteligência a serviço da sustentabilidade.

A COP30 não é apenas uma conferência. É o prazo que nos impusemos para decidir se o Brasil será líder em governança ambiental do século 21 ou mais um país que assiste, passivo, à própria contradição.

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