domingo, 26 de novembro de 2023

Produtores atacam inação do governo em projeto de valets de navios, FSP

 

BRASÍLIA

Representantes do agronegócio, indústria e transportes afirmam que o governo "lavou as mãos", permitindo a aprovação, na Câmara dos Deputados, de um projeto de lei para manter o monopólio dos práticos —seleto grupo de 600 pilotos que estacionam navios quando chegam e partem dos portos brasileiros com ganhos mensais médios de R$ 300 mil.

A vitória da categoria foi uma derrota para esses setores da economia e contrariou orientações do Mdic (Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio), do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), da área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) e até da Marinha.

Vista aérea do Porto de Santos, em São Paulo - 13.mar.2022-Divulgação/Codesp

Para eles, o esquema de rodízio dos práticos nas manobras dos navios impede a concorrência. Seria necessária uma regulação econômica permanente para a atividade, por órgão com experiência de coibir abusos, algo barrado pelo projeto de lei.

O texto, que tramitou em regime de urgência e chegou ao Senado no fim da semana, prevê que a fixação de preço só será feita mediante provocação, em caráter extraordinário, excepcional e temporário no limite de 12 meses prorrogável por igual período e pela Marinha.

O inusitado é que a própria Marinha reconhece não ter experiência para fazer a regulação econômica e defende que a atividade seja exercida pela agência reguladora do setor, a Antaq —a quem o PL 757/22 delegou um papel apenas consultivo.

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Auditoria do TCU apontou que os preços de praticagem no Brasil são muito acima da média internacional. O achado destaca que o valor médio da hora da manobra no Brasil é 2,6 vezes superior à tarifa mais elevada nos EUA e a média dos preços cobrados em 8 portos brasileiros tem ágio de 529% em relação à média de 9 portos internacionais.

"É um escândalo no Brasil. Sabe quem paga? O produtor", disse o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), um dos principais expoentes da bancada do agro no Congresso Nacional, durante a votação do projeto, na semana passada.

Segundo as bancadas setoriais na Câmara, na votação, o Palácio do Planalto enviou representantes de terceiro escalão, sem orientação definida para o posicionamento da base de deputados.

A praticagem é um dos itens que pesam no Custo Brasil, segundo estudo do Mdic. A pasta considerou a regulação econômica da atividade como uma medida necessária para aumento da competitividade das exportações brasileiras.

O ministério considera que a exigência para que as empresas de navegação contratem o prático designado pelo sistema de rodízio, o chamado prático da vez, "compromete a livre negociação de preços, com incentivo à prática de sobrepreço e a consequente elevação de custos logísticos".

Neste domingo (26), a Marinha divulgou um comunicado informando que o projeto "coloca em grave risco a segurança da navegação.

"A proposta original tratava exclusivamente da regulação econômica da atividade de praticagem, que ficaria sob a competência para atuação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários. O substitutivo estabelece a MB [Marinha do Brasil] como regulador econômico (...). A versão aprovada não aperfeiçoa a regulação, mas retira da Autoridade Marítima ferramentas regulatórias, pois ao alçá-la ao nível legal, dificulta a sua atualização com a agilidade que o setor requer", diz em nota.

A pasta diz ser favorável ao esquema de rodízio, mas, da forma como foi definido, tornará "perene um monopólio e mercado".

OUTRO LADO

A Praticagem do Brasil, associação que representa a categoria, disse que o projeto passou por dezenas de reuniões e audiências públicas tanto no Senado quanto na Câmara antes de ir à votação.

"Na aprovação unânime do projeto na Câmara, o relator da matéria, deputado Coronel Meira, destacou que 25 setores foram envolvidos na construção do texto", disse em nota.

"O objetivo das críticas é desviar o foco do debate sobre a regulação efetiva dos fretes marítimos abusivos cobrados por armadores. Na pandemia, por exemplo, os fretes quintuplicaram. Mais recentemente, no período de seca na Amazônia, as companhias de navegação cobraram sobretaxas de R$ 5 mil por TEU [unidade padrão de volume dos contêineres], totalizando R$ 15 milhões por embarcação. Essas práticas, sim, precisam de fiscalização e regulação da Antaq", disse a associação.

Segundo ela, o regime de escala (rodízio) é uma determinação da Marinha por razão da segurança da navegação e para evitar favorecimentos de armadores. Além disso, pela atual legislação, a Marinha pode fixar o preço do serviço, em caráter excepcional e temporário, em caso de impasse na negociação entre armador e praticagem.

"Em Manaus, por exemplo, há dezenas de faturas atuais da praticagem cobrando os mesmos valores estabelecidos em portarias da Marinha há 12 anos. O projeto de lei reforça essa prerrogativa da Marinha e traz uma inovação, permitindo que a Antaq participe de comissão temporária formada pela Autoridade Marítima para emitir parecer consultivo sobre o preço. Esse era um pleito dos armadores", diz a nota.

Sobre os preços acima da média internacional e o peso disso no Custo Brasil, a entidade afirma que, um estudo do Laboratório de Transportes e Logística (LabTrans) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) indicou que a participação da praticagem no custo do frete marítimo é de 0,36% e 0,54%, de acordo com os portos de destino (China e Holanda, respectivamente), sem impacto para o usuário.

De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), "a regulamentação técnica exercida pela Marinha, com a consequente instituição da escala de rodízio única, não caracteriza infração à ordem econômica".

Com Paulo Ricardo Martins


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