Estava em Paris no dia 7 de outubro. Depois do ataque do Hamas, errei pelas ruas com um profundo sentimento de humilhação. Podia eu pertencer à mesma espécie dos que haviam entrado no kibutz para assassinar qualquer judeu que estivesse a seu alcance? Não parei de ouvir o noticiário, embora não quisesse. Até me dar conta de que ele não me permitiria compreender os fatos.
Comprei um livrinho sobre a história do antissemitismo e reli o Gênesis para me dizer que a história atual repete a do Antigo Testamento. Caim matou Abel. Esaú só não matou Jacó porque, a pedido de Isaac —o pai dos dois—, Jacó migrou com a família. Dina, filha de Jacó, foi estuprada. O assassinato, a diáspora e o estupro foram e são atuais.
Freud dizia que assim é porque nós somos o produto de gerações e gerações de assassinos. Só que não explica por que nós nos entregamos repetidamente à pulsão de morte. A explicação talvez esteja no fato de que "o inconsciente não concebe a própria morte", como o mesmo Freud afirmou. Por não acreditarmos que somos mortais, nós aceitamos a guerra. Não fosse a descrença, haveria mais gente recusando matar e correr o risco de morrer com as armas.
Cerca de 1.200 israelitas e mais de 11 mil palestinos já morreram na guerra. Mais de 120 mil palestinos tiveram que sair da Faixa de Gaza. A imagem de homens, mulheres e crianças andando com seus burricos em direção ao sul foi comparada pelo correspondente Jorge Pontual, da Globonews, a um "êxodo bíblico".
A filósofa Djamila Ribeiro escreveu nesta Folha uma frase inesquecível: "Não se pode jamais instrumentalizar as lágrimas de uma mãe". Graças à profundidade da comparação e à frase lapidar, eu consegui distanciar-me do horror.
O escritor Albert Camus disse que "nomear algo indevidamente aumenta a infelicidade do mundo". Quem nomeia oferece uma alternativa. Repito a frase de Camus como um mantra, na esperança de que a palavra possa nos salvar. Ou seja, a diplomacia, a resistência dos que não confundem o Estado de Israel com os judeus nem o Hamas com os palestinos. Dos que não ignoram —como disse Edward Gibbon, a história é apenas "pouco mais do que o registro dos crimes, loucuras e desventuras da humanidade"—, mas tampouco se rendem à ignorância e, consequentemente, são contrários a todo fanatismo.
O descompasso entre a política e a realidade é global, e a indiferença à vida é o nosso denominador comum atual. A palavra genocídio implica intenção explícita de matar. Mas também pode ser aplicada quando a intenção é implícita e os exemplos de genocídio se multiplicam a olhos vistos. Basta sair nas ruas das grandes capitais mundiais e escutar os que não têm país nem abrigo; os que vão morrer de frio nas calçadas dos países do Norte ou "morrer de sol", sem lenço nem documento, como os dependentes químicos e moradores de rua dos países do Sul.
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