Meu colega André Roncaglia, que ocupa este espaço às sextas-feiras, na coluna passada demonstrou entusiasmo com a política pública de aumentar a tarifa de importação de carros elétricos para estimular a produção local.
Há duas condições necessárias, mas não suficientes, para que a política tenha alguma chance de funcionar. Primeira, que ela tenha data para terminar. Segundo, que tenha metas de exportação.
A produção de um bem somente é sustentável se conseguimos atingir um mercado muito maior do que o brasileiro. Em particular, uma linha de produção de automóvel somente será competitiva se a produção for em torno de 300 mil unidades por ano.
Devido à diversidade da demanda, o mercado brasileiro exclusivamente não sustenta uma indústria competitiva: nosso mercado é de 3 milhões de unidades, e a demanda é muito mais diversa do que somente dez modelos.
Tradicionalmente, a grande crítica que se faz aos esforços da política industrial (PI) é que um burocrata não consegue escolher os vencedores. O que funcionará? Não é possível saber de antemão.
No entanto, em um recente trabalho, "The new economics of industrial policy", Réka Juhász, Nathan Lane e Dani Rodrik lembram que a exigência sobre o gestor público é menor. Segundo os autores: "Na presença de incerteza, tanto sobre a eficácia das políticas quanto sobre a localização/magnitude das externalidades, o teste final não é se os governos podem escolher "vencedores", mas se eles têm (ou podem desenvolver) a capacidade de deixar os "perdedores" irem embora".
Ou seja, o desenho da política pública precisa prever a possibilidade de a política não funcionar. O setor público precisa ser capaz de se desapegar da política.
Essa é uma das maiores limitações para a prática da PI por aqui. Como escrevi na coluna de 1º de outubro, quando nos comparamos aos países asiáticos, há três aspectos que dificultam o emprego de PI por aqui.
Primeiro, temos escassez de capital humano e físico. Em geral, os setores que se deseja desenvolver usam intensamente fatores de produção escassos, o que encarece a política.
Segundo, o Estado brasileiro não tem demonstrado ter a capacidade da autonomia embutida —estar próximo ao setor privado, para ser capaz de destravar obstáculos, e, simultaneamente, ser independente dos interesses particulares.
Terceiro, temos enorme dificuldade de nos desfazer de políticas públicas. No Brasil, tudo se transforma em direito adquirido imediatamente. Uma política é iniciada e nunca nos desfazemos dela, mesmo que ela não tenha funcionado.
Como bem lembrado por Alex da Mata em um tuíte na semana passada, há uma quarta distinção quando nos comparamos aos países asiáticos. Estes sempre valorizaram a abertura para o comércio internacional, fator essencial para que a industrial automobilística seja autossustentável.
Por exemplo, a política de desoneração da folha de salários foi iniciada em 2011, no governo Dilma, com o objetivo de ajudar setores da indústria de transformação na competição com a China. Era para ser uma política temporária até que a indústria brasileira absorvesse os efeitos do ingresso da China na OMC.
Com o tempo, inúmeros setores foram sendo incorporados, e hoje o foco da política são setores intensivos em trabalho que produzem bens para o mercado doméstico e que não sofrem concorrência externa, pois são bens não comercializáveis internacionalmente. Não há nenhum estudo sério que mostre que a política de desoneração da folha de salário gera empregos.
A desoneração da folha de salários se mantém como uma política pública somente devido à ação dos grupos de pressão que defendem o interesse localizado à revelia do interesse coletivo. Oxalá o presidente Lula vete a recente renovação da desoneração da folha.
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