quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Aluguel alto, IPTU e novos prédios transformam Augusta em rua fantasma em SP, FSP

 No brechó de parede verde-água decorada com peças de arte e uma calcinha emoldurada –foi presente do cantor Wando (1945-2012)–, a proprietária Márcia Tavares, 55, diz estar preocupada com as escavações bem ao lado. "Acho que já tiraram todo o chão", comenta.

Uma torre com 21 andares e apartamentos de até R$ 4 milhões subirá colada à Galeria Flórida, onde fica a loja da ex-fotógrafa de moda e celebridades, no trecho da rua Augusta que liga a avenida Paulista aos Jardins, na zona oeste de São Paulo. "Se eles fizessem uma proposta [pelo espaço], acho que eu toparia vender", diz, rindo.

Ela sabe que galerias não estão entre os imóveis mais cobiçados pelas incorporadoras. Seria difícil negociar com cada um dos donos de lojas e salas, dizem comerciantes locais. Em vez disso, as empresas compram galpões e sobrados que, colocados abaixo, darão lugar aos novos empreendimentos.

O homem tem cabelos longos, usa paletó cinza e calça jeans; a placa com o nome "Rua Augusta" está à frente de uma grande imagem de um edifício
Pedestre diante de um estande de vendas de um empreendimento imobiliário na rua Augusta, nos Jardins, na zona oeste de São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

De olho na chance de conseguir bons preços por imóveis muitas vezes mal conservados, proprietários buscam dispensar os locatários. Para isso, sobem preços de aluguéis. Com lojas desocupadas, desfazem-se de amarras contratuais e facilitam a venda. O aluguel caro tende a desestimular comerciantes a exercerem o direito de renovação da locação.

Exemplo concreto é o casario com meia dúzia de portas fechadas e placas de locação, onde só resiste o restaurante especializado em comida havaiana do chef Gabriel Jorge Fernandes, 30. A família dona dos sobrados já avisou que não renovará o contrato com o locatário.

"Na pandemia, o comércio local foi sendo expulso pela falta de demanda. Depois, os imóveis não foram mais alugados. Percebi que o pessoal parou de alugar e passou a vender os espaços", relata Fernandes, que está de mudança para um ponto na mesma via. "É muito triste ver a Augusta assim."

A expansão imobiliária é só uma das causas do fenômeno que reúne no mesmo lugar uma explosão de empreendimentos e a notória decadência do comércio. Diferentes motivos explicam as dezenas de placas de "aluga-se" fixadas em portas de aço.

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Bruno Miranda, 34, é coordenador de uma administradora que tem um imóvel vago há mais de três anos no local. "Realmente há situações na Augusta em que o proprietário prefere deixar o imóvel vazio para facilitar a venda, mas no nosso caso, o problema é o IPTU muito alto, que deixa o aluguel caro", conta.

O tributo municipal é calculado com base no valor do imóvel e a chegada das construtoras é mais um elemento a inflacionar o custo da locação. O aluguel também reflete a valorização da propriedade, explica o especialista em mercado imobiliário Daniel Sznelwar.

"Se compram um imóvel do lado do meu e fazem um prédio para pessoas com maior poder aquisitivo, o comércio pode ter uma margem maior. Da mesma forma, o imóvel vale mais", diz Sznelwar.

Se por um lado há motivos para o aluguel subir, por outro, a diminuição da circulação de pedestres após a pandemia e a ausência de lugares para parar carros –estacionamentos também estão dando lugar a prédios– reduziram a atratividade dos pontos comerciais.

Sinais da transformação pela qual a cidade passa e contra a qual há pouco o que se possa fazer, explica Roberto Mateus Ordine, presidente da Associação Comercial de São Paulo.

Ordine explica que a decadência da Augusta teve início muito antes da atual expansão imobiliária, pois está relacionada à chegada dos shoppings centers no final dos anos 1960. "Os consumidores mudaram de hábito, passaram a comprar em locais com mais comodidade e segurança", diz.

Com a migração do consumidor com mais dinheiro para os centros de compras, butiques deram lugar a um comércio com produtos de baixo valor agregado.

Ela tem pele e cabelos claros, usa roupa preta e o local é colorido
A fotógrafa Márcia Tavares, 55, é proprietária de um brechó na rua Augusta; peças de arte e calcinha presenteada pelo cantor Wando decoram a parede - Clayton Castelani/Folhapress

Quanto à atual transformação, há tendência de redução dos comércios populares. Serão substituídos por prestadores de serviços, como lavanderias, academias e clínicas voltadas à estética e bem-estar, prevê Ordine. "Com algumas diferenças, essa transformação já aconteceu no outro lado da Augusta, que liga a avenida Paulista ao centro", compara.

Quem resiste busca adequação à nova realidade. É o que fez o restaurante gerenciado por Vando Moreira, 54, obrigado a se mudar para um salão menor quando o locador vendeu o imóvel para uma construtora. "Tivemos que sair para o dono demolir", conta.

Apesar de mais apertado, o novo estabelecimento, na mesma calçada, tem aluguel de R$ 20 mil por mês, quase o dobro do anterior. "Está muito caro. É por isso que tem muita gente saindo daqui", diz Moreira, que cobra R$ 26 o prato-feito, com opções como picadinho, frango à passarinho e fígado.

Dono de uma papelaria, Dearo Germinari, 59, compensa a ausência de compradores presenciais com os milhares de clientes que atende por Whatsapp. Mas isso não compensa a falta que faz a Augusta viva. "Uma rua que era maravilhosa há 14 anos, quando cheguei, está agora parecendo um cemitério, com tantos prédios e ninguém andando nas calçadas."

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