SÃO PAULO
O Sesc é uma potência. Criado para melhorar a vida de comerciários, hoje vai muito além e faz parte da vida das cidades.
Se, na frente soft, oferece milhares de cursos, eventos, espetáculos, congressos e publicações, a parte hard é um legado de espaços imprescindíveis para as cidades. Só em São Paulo são 25 unidades.
O crítico de arquitetura Paul Goldberger diz que os espaços incríveis fazem a gente sentir algo na boca do estômago. Algumas das unidades do Sesc são capazes de produzir essa sensação.
O meu preferido, e imagino de muita gente, é o Sesc Pompeia, de 1986, um projeto de Lina Bo Bardi para uma fábrica desativada de tambores na Lapa. A pessoa entra e vai se desligando da rua, em meio aos tijolinhos e paralelepípedos. No galpão principal, a surpresa do espelho d´água. Na exposição de Sebastião Salgado, dois anos atrás, as fotos naquele preto e branco hiper contrastado pareciam flutuar no escuro.
Minha memória vai até algumas décadas atrás, sentado nas cadeiras estranhas para assistir aos shows de Luiz Melodia, Itamar Assunção e Rumo. Nunca entendi por que o teatro tem dois lances de cadeiras em direções opostas, que desafiavam os artistas a escolher para que lado olhar. Numa palestra lá mesmo, Lina contou que fez as cadeiras desconfortáveis de propósito, para que ninguém relaxasse durante os shows. Idiossincrasias de gênios...
No Belenzinho, projeto de Ricardo Chahim, de 2010, o que faz perder o fôlego é a massa humana, que toma as piscinas e que provocou a admiração incondicional do músico Tom Zé.
Na unidade da 24 de maio, de 2017, com projeto do escritório MMBB e Paulo Mendes da Rocha, a beleza do prédio é a sua integração com a cidade. É uma praça aberta, sem os degraus, catracas e pórticos de outros prédios públicos ou privados que a gente vê por aí. O visitante circula pelos andares sem pressa. Lá embaixo, o teatro. Lá em cima, o mirante, e a vista surpreendente da cidade cinza.
Tem muitos outros, mas um deles especialíssimo –o Cinesesc, um dos poucos cinemas de rua que sobraram na cidade. Não é nada demais por fora, mas dentro tem o bar tem vista direta para a tela da sala de projeção. Em março de 2020, fiquei ali tomando café enquanto assistia tranquilo a "Amarcord", de Felini. Foi a última sessão antes de tudo fechar por conta da pandemia. Três anos depois, o cinema está lá, firme e forte, mesmo numa rua Augusta que está vindo abaixo.
E agora?
O sonho de qualquer organização é ter uma fonte de recursos constante. É o caso do Sistema S, que inclui Senai, Sesc, Sesi e outras, recebendo um percentual fixo –e compulsório- da folha de seus patrocinadores. No caso do Sesc, apenas no Estado de São Paulo é uma bolada de R$ 2,4 bilhões, um número maior que os orçamentos da Secretaria Estadual e da Secretaria Municipal de Cultura somados.
É surpreendente que todo esse dinheiro seja gerido por uma entidade privada. Mesmo com um conselho que inclui até o Tribunal de Contas da União, a missão do Sesc, de melhorar a qualidade de vida dos comerciários, poderia em tese transformá-lo num clube fechado e assistencialista. Foi assim no início, mas a gestão de Danilo Santos de Miranda, em quase 40 anos, optou por uma postura de se abrir para as cidades e para a sociedade. Basta comparar o impacto do Sesc na vida de São Paulo com o de seus congêneres Senai e Senac para ver que a estratégia deu resultado.
Suspeito que essa abertura funcione, voluntária ou involuntariamente, como um seguro contra as propostas cíclicas de mexer no destino do bilionário orçamento, que vem de contribuições obrigatórias. Enquanto estiver cumprindo eficientemente um papel de difusão de cultura e de acesso para os cidadãos, haverá sempre alguém para defender seu funcionamento e para evitar que outras bocas também queiram morder um pedaço do dinheiro, como a Embratur, por exemplo.
Depois da morte de Danilo, há quase um mês, vale a pena perguntar se vai haver alguma mudança nos rumos do Sesc. A pergunta se justifica pelo grau de centralização da organização e é mais relevante ainda diante da nossa carência de espaços públicos.
O Sesc tem a previsão de abrir mais seis unidades só na capital. A do Parque Dom Pedro 2° é tão importante que a própria prefeitura está concebendo um Plano de Intervenção Urbana para aproveitar o embalo que a nova unidade pode causar nessa região tão degradada. E, no lugar mais emblemático de São Paulo, virá a sede administrativa do Sesc, para o antigo prédio do Mappin, em frente ao Theatro Municipal.
O Sesc já afirmou que os planos anteriores seguem em frente. Vale a pena aproveitar o poderio econômico da entidade para ajudar a criar os novos espaços de convivência na cidade que tanto precisa.
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