Neste domingo (19) se realizará o segundo turno da eleição presidencial da Argentina. Um fato surpreendente é que o candidato peronista, ainda que possa perder, mostrou-se competitivo, mesmo sendo ministro da Economia em um contexto de crise e inflação descontrolada. Um feito e tanto, mesmo considerando que o adversário exótico assusta e leva muitos eleitores para o peronismo, como opção "menos pior".
Na coluna de 28/1/2023, citei o artigo "Populist Leaders and the Economy" (Manuel Funke e coautores, 2022), que mostra que governos populistas conseguem ficar mais tempo no poder que os "não populistas", ainda que seus mandatos gerem piores resultados econômicos. O peronismo é um caso extremo de resiliência associada à decadência econômica.
A chave do sucesso político parece estar na criação de benefícios visíveis a diferentes grupos sociais, como subsídios nos preços e financiamentos, tributação favorecida e transferências de renda.
As distorções se acumulam, o déficit público cresce, a inflação sobe, o crescimento não vem. Recuperar a economia passa por remover ou redesenhar os benefícios.
Isso coloca os eleitores em um dilema. Se votar em outro candidato, na esperança de reformas que melhorem a economia, e o plano não der certo, o eleitor fica no pior dos mundos: com inflação, com crise econômica e sem o seu benefício. A campanha de Massa, por exemplo, alertava em anúncios nos transportes coletivos que, se Milei ganhar, o subsídio acabará e a passagem ficará 10 vezes mais cara.
A vacina que as democracias usam para evitar essa armadilha é o uso de regras que, ex-ante, submetem a expansão de políticas públicas à realidade orçamentária.
Essa foi uma das funções da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) aprovada no Brasil no ano 2000. Em seus artigos 14 a 17, a LRF estabelece que, para propor qualquer benefício fiscal ou programa público que reduza receita ou aumente despesa, o governo precisa, pelo menos, dizer quanto custará essa nova política e como ela será financiada.
Isso é uma condição básica. Muitas outras são necessárias: quais os detalhes de implementação, os riscos, a razões para escolher esta política em detrimento de alternativas que levariam ao mesmo resultado etc.
No entanto, desde a sua aprovação, a LRF vem sendo enfraquecida e desrespeitada. Nem a exigência mínima dos artigos 14 a 17 é cumprida: políticas públicas são criadas sem que se saiba quanto custarão ou como serão pagas. Isso abre as portas para a profusão de benefícios específicos e nos conduzem à "armadilha argentina".
Por exemplo, recentemente o governo propôs a medida provisória 1.162/23, reformulando o programa Minha Casa Minha Vida, que foi convertida na lei 14.620/23. Além de ampliação geral dos subsídios do Tesouro aos financiamentos habitacionais, a lei autoriza que famílias beneficiárias do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) recebam moradias sem pagar: 100% de subsídio. Tendo em vista que são mais de 20 milhões de família no Bolsa Família e 4,5 milhões de beneficiários do BPC, há que se estimar o custo potencial. Mas nada foi dito a respeito.
A exposição de motivos da MP diz que a aprovação da matéria não teria custos a serem computados nos termos dos artigos 16 e 17 da LRF, porque eles só ocorreriam no futuro, quando da regulamentação. Mas na regulamentação (portaria MCID 1248/23) não foram explicitados os custos. A MP tramitou no Congresso e todos os pareceres louvaram a sua "adequação orçamentária e financeira".
Afinal: quanto vai custar? Ninguém disse.
Não se trata de ser contra o subsídio a pessoas pobres. Benefícios para a alta renda estão sendo criados com essa mesma sem-cerimônia, como a desoneração da folha de pagamento de empresas, as isenções tributárias para hotéis, restaurantes e igrejas ou o aumento do financiamento dos partidos políticos.
Na Argentina, foi tudo financiado por emissão monetária e gerou o surto inflacionário. Aqui está sendo financiado por dívida pública, resultando em juros altos, baixo crescimento e concentração de renda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário