O novo presidente da Argentina é maluco.
Entre seus sintomas estão, por ordem decrescente de gravidade, seu desejo de destruir o Banco Central, seu plano de dolarizar a economia e sua tendência a aceitar ordens de seu cachorro morto.
Nós, brasileiros, não temos direito de rir. Duvido que o cachorro Conan se revele um guru pior do que o jumento Olavo, que assombrava os sonhos de Jair Bolsonaro e indicou dois ministros da Educação.
O segundo turno da Argentina em 2023 foi bem diferente do segundo turno brasileiro de 2018. Bolsonaro passou para o segundo turno em primeiro, com ampla vantagem, em meio a uma onda de crescimento avassaladora. Era tão forte que se deu ao luxo de desprezar o apoio (entusiasmadamente oferecido) de candidatos tucanos aos governos de São Paulo e Rio Grande do Sul.
Por contraste, Javier Milei terminou o primeiro turno em segundo lugar. Só foi eleito porque conseguiu o apoio da direita tradicional, representada pela terceira colocada na eleição, Patricia Bullrich, e pelo ex-presidente Mauricio Macri.
Por isso, foi necessário todo um esforço de tentar normalizar Milei, apresentá-lo como um membro razoável da direita continental. Os ex-presidentes Iván Duque e Andrés Pastrana (Colômbia), Felipe Calderón e Vicente Fox (México), Jorge Quiroga (Bolívia), Luis Fortuño (Porto Rico), Sebastián Piñera (Chile), além do próprio Macri e do ex-premiê espanhol Mariano Rajoy, assinaram uma carta defendendo o voto em Milei.
Vejam que, na hora de apresentar Milei como um sujeito razoável, ninguém chamou Bolsonaro para a foto. Até hoje tem gente grande no Brasil fingindo que Jair não é aberrante. Mas o mundo sabe.
A esperança dos direitistas moderados é que, nos próximos anos, Macri conseguirá substituir Conan como a voz que guiará as decisões de Milei.
Vai dar certo? É cedo para dizer.
Por um lado, Milei tem uma base no Congresso muito mais frágil do que a de Bolsonaro. Em que pesem as ligações da vice de Milei com a extrema direita militar, as Forças Armadas argentinas não parecem dispostas a aceitar o papel de fiadoras da loucura do presidente, como aconteceu no Brasil.
Por outro lado, eu acreditaria mais na aposentadoria de Conan do cargo de guru presidencial se Milei não tivesse anunciado, logo depois da eleição, que vai extinguir o Banco Central.
Se for só o caso de trocar a placa na entrada do prédio, de "Banco Central" para, digamos, "Banco da Liberdade", é ridículo; mas segue a vida.
O problema é se as funções do BC deixarem de ser exercidas, seja pela dolarização completa (que eliminaria a possibilidade de política monetária autônoma), seja pela desregulamentação completa do sistema financeiro. Aí, meu amigo, acabou.
É sempre possível que os argentinos administrem Milei melhor do que administramos Bolsonaro. Mas seria irresponsável ignorar o potencial de desastre quando um presidente maluco entra em choque com as instituições em cenário de crise econômica profunda.
Nas últimas décadas, as viradas ideológicas na Argentina sempre foram mais extremas que as brasileiras. Menem foi muito mais neoliberal que FHC nos anos 90, os Kirchner sempre estiveram à esquerda de Lula e Dilma neste milênio. Torçamos para que agora a tendência se reverta. Ninguém quer imaginar alguém mais fascista que o Jair.
Nenhum comentário:
Postar um comentário