A independência de autarquias federais, de agências reguladoras ou mesmo de Supremas Cortes funciona para resolver problemas de inconsistência temporal que surgem ao longo dos ciclos eleitorais: incentivos à reeleição podem dar origem a pressões políticas sobre os membros dessas instituições, fazendo-os desviar dos objetivos que deveriam perseguir. Guardadas as devidas diferenças entre as instituições, a independência cumpre o papel de protegê-las da influência política, para que seus membros possam atuar de forma técnica e de acordo com seus mandatos.
As indicações de membros com mandatos determinados e protegidos é uma das formas através da qual a independência é garantida. Esse é o caso do Conselho de Administração da Defesa Econômica (Cade) e do Supremo Tribunal Federal (STF), embora no STF seus integrantes não fiquem no cargo pelo mesmo período de tempo. Recentemente, a lei de autonomia do Banco Central do Brasil (BCB) também estabeleceu mandatos determinados e protegidos para seus diretores e presidente.
De um lado, um mandato protegido evita que os membros desas instituições adotem condutas mais negligentes para atender demandas políticas, já que não podem ser demitidos por atuarem de acordo com critérios técnicos, ainda que suas ações sejam contrárias aos desejos do governo.
De outro, uma independência "de jure" pode não se traduzir em uma independência "de facto" quando a prática do governo passa a se desviar dos objetivos estipulados na legislação que estabelece a independência operacional das instituições de Estado. Isso acontece quando o governo, responsável pelas indicações dos membros dessas instituições, internaliza os efeitos da reforma e passa a indicar membros mais alinhados ao governo, colocando seus próprios quadros em posições estratégicas nas instituições de Estado.
Quando uma reforma ocorre em uma dimensão (proteção de mandatos), mas o equilíbrio político permanece inalterado, os políticos podem tentar usar um instrumento diferente (indicação de membros) para atingir o objetivo anteriormente almejado com o instrumento que está sendo reformado. Essa possibilidade, cunhada por Acemoglu e coautores com efeito gangorra (seesaw effect), mostra que a eficácia de uma reforma não é invariante ao ambiente político. Reformas podem não gerar os benefícios esperados quando as circunstâncias políticas utilizam instrumentos alternativos para desfazer seus efeitos.
Então, se a independência das instituições de Estado é desejável, mas o ambiente político consegue atuar para desfazer parte dos efeitos esperados das reformas, qual efeito domina?
Um estudo recente mostra que nos casos de reformas institucionais que garantem a independência operacional dos bancos centrais, o segundo efeito parece dominar. O estudo documenta que as indicações para os bancos centrais se tornaram cada vez mais politicamente motivadas (isto é, com atuações menos independente "de facto") ao longo do tempo, especialmente após as reformas que buscavam isolar os bancos centrais de interferência política (isto é, tornando os bancos centrais mais independentes "de jure"). De forma mais importante, as indicações com motivação política se traduziram em piores resultados de inflação e de estabilidade financeira.
Considerando que os bancos centrais vêm ampliando sua atuação na regulação bancária (a exemplo da supervisão de riscos climáticos e do desenvolvimento de moedas digitais), a credibilidade de suas ações torna-se tanto mais relevante.
Os resultados mostram que a independência "de jure" pode não ser suficiente para garantir independência "de facto" quando os governos atuam ativamente para desfazer os objetivos das reformas usando as indicações de forma política. Reformas econômicas que não são acompanhadas por mudanças no sistema político têm seus efeitos enfraquecidos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário