Um grupo de psiquiatras resolveu se manifestar. Não para defender sua profissão, reclamar aumento de salários ou redução do horário de trabalho. Não. Os psiquiatras estão indignados porque em muitos hospitais doentes são amarrados, presos com correias, condenados, à mínima falta, ao isolamento. Este protesto dos médicos em primeiro lugar tem a virtude da informação. Imaginamos que os métodos descritos por eles estavam confinados ao antigos, realmente antigos, estabelecimentos do século 19, àqueles tempos obscuros e bárbaros onde não havia hospitais psiquiátricos, mas "manicômios". E desses loucos encontramos imagens nos antigos livros de medicina: seres hirsutos, sujos, babando, olhar de animal assustado, a boca aberta como num grito. Homens ou mulheres seminus, com frequência enjaulados e amarrados como um salsichão numa camisa de força. Essa imagens, imaginávamos que tinham desaparecido para sempre. Ora, o protesto dos psiquiatras as atiram diretamente no nosso rosto. Hoje, em 2015, na França, diariamente fechamos, imobilizamos, sangramos pessoas doentes. Essas práticas desumanas praticamente haviam desaparecido. Mas agora estão em claro aumento e, mais ainda, banalizadas como atos quotidianos. Segundo o manifesto dos psiquiatras: "Dizer não às correias que machucam, que provocam gritos, que aterrorizam mais do que tudo, é dizer 'sim' a um mínimo de fraternidade, afirmar que podemos agir de outra maneira". Essas brutalidades - amarrar o doente, aterrorizá-lo, mantê-lo confinado durante semanas na solidão e no silêncio de uma cela - não significa apenas fazer-lhe mal, mas humilhá-lo, aterrorizá-lo e sobretudo encerrá-lo no seu sofrimento infinito, sepultá-lo numa espécie de tumba e levá-lo diretamente à "loucura" contra a qual os médicos têm a missão de protegê-los. Tais revelações são surpreendentes. Há meio século parecia que a França abandonara essas práticas. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, jovens médicos entusiastas sonhavam enterrar esses métodos medievais. Em 1963, nasceu a clínica de La Borde, na qual os doentes não apenas eram tratados como seres humanos, responsáveis e preciosos, mas livres com relação ao seu corpo e seus movimentos e participavam do funcionamento da instituição. Os resultados foram espetaculares. O modelo se propagou na França, claro, mas também nos países vizinhos, em particular na Inglaterra. Mais tarde, no êxtase libertário das revoltas estudantis de maio de 1968, inúmeras tentativas foram lançadas para humanizar ainda mais, chegando ao desvario, a liberdade concedida aos pacientes. Em seguida o bom senso rapidamente retornou e essas audácias foram esquecidas, a tal ponto que hoje são os próprios médicos que denunciam a volta da "velha camisa de força", que agradava tanto às sociedades burguesas dos séculos 19 e 20. O grupo de psiquiatras explica este violento retrocesso pela precariedade dos recursos. O número de psiquiatras e enfermeiras não é enorme, não que sejam mais raros do que antes, mas o prolongamento da vida humana tem por efeito aumentar a população enferma. E os hospitais são vetustos, mal equipados. Temos de pensar também que a psiquiatria é apenas o sintoma de uma tendência mais geral: após os anos de liberdade que se extinguiram bruscamente após as revoltas de maio de 1968, um silêncio absoluto tomou conta da vida social e intelectual da França. O desemprego, as ignomínias do terror islâmico, a deterioração da grande esperança que foi a Comunidade Europeia, o temor dos imigrantes, a insegurança do planeta, os desconfortos da vida urbana, o conformismo dos estudantes angustiados com seu próprio futuro e pouco inclinados ao sonho, tudo isso se combinou para dar nascimento a uma sociedade repressiva, menos feliz e menos indulgente, como para justificar o título do livro do grande filósofo Michel Foucault: Vigiar e Punir. O hospital psiquiátrico será o reflexo ou a sombra da sociedade francesa? Ou o seu microcosmo?
/ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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