Está nas livrarias "Milicianos" do repórter Rafael Soares. É um grande livro e conta a triste história do progresso do crime organizado no Rio de Janeiro. Com uma década de trabalho e 10 mil páginas de documentos pesquisados, ele expõe a gravidade do problema.
A tropa de elite da Polícia Militar era formada por uma equipe de assassinos. Alguns migraram para as milícias e pistolagens, acabando no tráfico de armas e drogas. De certa maneira, isso já era sabido ou intuído. Rafael Soares mostra que o sabido e intuído há anos estava também documentado pelo Ministério Público.
Jogo, milícias e drogas protegem-se sob uma capa de cumplicidade e empulhação. Os pistoleiros Ronnie Lessa, acusado de ter assassinado a vereadora Marielle Franco, e Adriano da Nóbrega, gerente do Escritório do Crime, não foram pontos fora da curva, mas prolongamentos de uma linha irregular.
Em maio de 2015, quando o Rio era empulhado pelas Unidades de Polícia Pacificadora e pelo majestoso teleférico do Morro do Alemão, a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, andou no bondinho e disse: "Estou me sentindo numa estação de esqui. (...) Algo só visto nos Alpes".
Rafael Soares mostra o que acontecia nos Alpes de Madame Lagarde.
Anos antes, havia-se celebrado a figura do sargento Marcos Falcon, orgulhoso, hasteando uma bandeira no alto do Alemão: "Não se pode desafiar o Estado".
Em 1995, Falcon havia sequestrado e assassinado um fuzileiro naval, por engano. Mais tarde assumiu a milícia do bairro de Oswaldo Cruz, cobrando proteção, ligações clandestinas e a venda de gás. Preso em 2011, foi solto meses depois. Expulso da PM, viu-se absolvido, com decisão confirmada pelo Tribunal de Justiça. Foi reintegrado à tropa e aposentou-se como subtenente.
Falcon dedicou-se à escola de samba da Portela, casou-se com a porta-bandeira da Beija-Flor e quis disputar uma cadeira de vereador. Foi executado pelo Escritório do Crime antes da eleição. O prefeito Eduardo Paes foi ao seu velório.
O Escritório do Crime era gerido pelo ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega e funcionava na padaria Sabor da Floresta, na Ilha do Governador. Enquanto ele esteve na PM sua tropa era conhecida como "Guarnição do Mal".
O então deputado estadual Flávio Bolsonaro apreciava-o. Patrocinou seu nome para uma condecoração e empregou-lhe a mulher e a mãe no gabinete. Apesar da solidariedade de Jair Bolsonaro, que prestigiou-o indo ao seu júri, foi condenado a 19 anos de prisão. Meses depois, o Tribunal de Justiça anulou a sentença. Uma de suas irmãs diria: "O jogo do bicho pagou a absolvição dele".
Este é o aspecto amedrontador do livro "Milicianos". Ele mostra quão fundo e quão longe foi o crime organizado. Com as cartas que estão na mesa, ele pode ir mais fundo, e mais longe, enfunado pelo vento da tolerância.
Há pouco o país chocou-se com a execução de dois médicos na Barra da Tijuca.
Nada de novo sob o céu de anil. Em 2007, um jovem casal foi emboscado na saída de um ensaio de escola de samba.
Zé Personal, poderoso bicheiro e dono de um haras, contaria a um amigo: "Porra, o tenente João e o capitão Adriano fizeram merda, mataram um casal na Grajaú-Jacarepaguá pensando que era o Guaracy, mataram enganado".
Guaracy e sua mulher foram executados semanas depois. Passaram-se alguns anos, o amigo e Zé Personal foram assassinados. A hora de Adriano chegou em 2020.
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