Shireen Mahdi
Economista principal do Banco Mundial para o Brasil e doutora em economia pela Universidade de Manchester (Reino Unido)
É difícil manter o olhar no horizonte quando sabemos que diversas armadilhas ameaçam nossos próximos passos. Esse é um dos dilemas enfrentados por formuladores de políticas públicas, que, muitas vezes, têm de se concentrar em questões urgentes e imediatas, que lhes deixam pouco espaço para se preparar para o futuro.
"O Brasil do Futuro", uma publicação do Banco Mundial lançada este mês, pretende resolver essa questão ao adotar uma visão de longo prazo. Em reconhecimento do papel dos legados históricos na definição da configuração socioeconômica do Brasil de hoje, o estudo mantém o olhar num futuro mais distante e identifica algumas megatendências que impedem a plena realização do Brasil do futuro. Três dessas megatendências se destacam:
O Brasil corre o risco de envelhecer antes de enriquecer. A porcentagem de jovens no Brasil deve diminuir rapidamente nas próximas décadas. Em 1950, 52% da população brasileira tinha entre 0 e 19 anos de idade, ao passo que, em 2020, essa parcela caiu para 28%, e deve chegar a 22% em 2042. Em termos absolutos, isso representará um declínio de 13% da população jovem nos próximos 20 anos, o que gerará impactos profundos nos mercados de trabalho e nos sistemas previdenciário, educacional e sanitário.
A segunda megatendência tem a ver com as disrupções tecnológicas no mundo do trabalho. Cerca de 25% dos brasileiros ainda não tiveram acesso à Terceira Revolução Industrial e apenas 4% atuam em setores que já adotam tecnologias avançadas 4.0 —muito abaixo dos cerca de 20% observados em benchmarks internacionais. As mudanças tecnológicas podem acelerar os ganhos de bem-estar se o acesso digital e as capacidades tecnológicas se tornarem mais acessíveis para todos, mas também podem agravar a desigualdade e a exclusão tecnológica se o acesso e as competências digitais não evoluírem a um ritmo muito mais rápido.
A terceira megatendência tem a ver com o impacto das mudanças climáticas nas famílias brasileiras. Cerca de três em cada dez indivíduos vivem numa situação de alta vulnerabilidade socioeconômica ou alta vulnerabilidade ambiental. Aproximadamente 19% dos brasileiros residem em municípios considerados de alto risco ambiental. A agricultura e a energia hidrelétrica, dois setores cruciais para a economia nacional, também estão cada vez mais vulneráveis às mudanças climáticas, o que gerará impactos para as famílias.
Além disso, essas megatendências (ou megarriscos, dependendo do ponto de vista) afetam as relações (e a confiança) entre os cidadãos e o Estado. O sistema de coesão social está sob pressão, tendo sofrido uma erosão significativa desde os "anos dourados" da década de 2000. A polarização política atingiu novos patamares, ao passo que a confiança do público permanece baixa em comparação a padrões globais. Vale lembrar que a confiança é fundamental para o planejamento futuro: as pessoas que confiam nas instituições públicas têm horizontes de planejamento de mais longo prazo. A ausência disso resulta numa base fraca para investimentos, tanto em nível individual quanto para a sociedade em geral.
Os desafios enfrentados pelo Brasil evoluirão nas próximas décadas. Isso é natural. Todavia, se as políticas públicas não se concentrarem nos obstáculos de longo prazo, esses desafios também se tornarão mais profundos. A sociedade deve buscar um equilíbrio entre o presente e o futuro para que o Brasil possa construir um círculo virtuoso duradouro rumo à produtividade, à inclusão e à sustentabilidade. Além disso, é necessário reposicionar os debates políticos, que tendem a se concentrar em benefícios de curto prazo e, muitas vezes, respondem apenas às exigências e interesses de grupos específicos, em vez de ganhos de longo prazo.
O que poderia fazer parte dessa agenda? Acesse o relatório aqui.
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