Não deve provocar estranheza, nem intranquilidade, quando o Senado Federal, Casa que presido por delegação de meus pares, cumpre sua função constitucional de buscar aperfeiçoar a Carta Magna por julgar necessário. Assim se dá com a proposta de emenda constitucional (PEC) 8/2021 que acabamos de aprovar para aprimorar o funcionamento do Supremo Tribunal Federal. O texto segue para a Câmara dos Deputados, que, soberanamente, vai debater e votar.
A PEC 8, aprovada pelos senadores e senadoras, foi democraticamente debatida à vista do conjunto da sociedade brasileira e votada com transmissão ao vivo pelos diversos veículos de comunicação. Assim deve ser na democracia. Desta forma, cumpre o Congresso Nacional o papel a ele designado pelos constituintes de 1988.
Qual é o objetivo da PEC 8? Apenas e tão somente reforçar o princípio da colegialidade.
Se um Poder vai interferir nas decisões de outro, que seja pela maioria de seus membros. Quando o Congresso vai analisar os vetos do Poder Executivo, a decisão de manter ou derrubar deve ser tomada por uma maioria. Seria inaceitável, por exemplo, se o presidente do Congresso pudesse, monocraticamente, derrubar um veto presidencial.
Parece-me, e pareceu aos senadores e senadoras, razoável que o princípio se aplique às situações em que a Suprema Corte faz o controle de constitucionalidade de atos do Executivo e do Legislativo.
É bem conhecido o mandamento constitucional de que os Poderes devem ser independentes. Menos falado, mas tão importante quanto, é a Carta determinar que sejam harmônicos. E como se alcança a harmonia, mesmo na divergência? Por meio dos freios e contrapesos. Todo Poder está submetido ao controle de outro Poder.
Não chega a ser uma ideia nova. Nasceu quando as sociedades europeias se cansaram do absolutismo e instalaram a República.
Note-se que na transição entre aquele e esta, nos primórdios do Iluminismo, surgiu um modelo híbrido: o despotismo esclarecido. Um rei ou imperador portador de ideias modernas impunha a modernização forçada, exatamente com base no poder absolutista. Mas foi um fenômeno passageiro. O despotismo esclarecido há muito saiu de moda.
Aqui no Brasil, o Poder Moderador, pelo qual o imperador submetia os demais Poderes, deixou de existir exatamente na Proclamação da República. Tivemos desde então, é verdade, períodos autoritários, quando cessou a independência dos Poderes, e quando a harmonia entre eles era imposta por um moderador de fato, o Executivo. Na história mais recente, esse modelo foi ao arquivo morto, sem deixar saudades, na redemocratização de 1985 e na Constituinte de 1988.
É da natureza humana que posições de poder tragam consigo o desejo de mais poder. Exatamente por isso, as leis cuidam de estabelecer limites ao seu exercício. Quais devem ser esses limites? É missão do Legislativo decidir. E um detalhe. Os limites legais ao Poder, pelos freios e contrapesos, são também —e isso poucas vezes é notado—, um mecanismo de proteção do próprio Poder contra eventuais erros e excessos, que sempre trazem consequências.
O Brasil é uma democracia relativamente jovem, daí situações como o debate em torno da PEC 8, de que trata este artigo, poderem causar alguma estranheza e intranquilidade. Talvez este episódio, em vez de se desenhar como uma crise, possa configurar uma oportunidade de superar isso. Torço para que saiamos todos melhores desta circunstância. Conscientes de que nenhum de nós é dono da democracia brasileira. Ela foi, é e será uma construção coletiva. Como dever ser.
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