A passagem do meganavio mercante APL Yangshan, de 347 metros de comprimento e 45,2 metros de largura, pelo porto de Santos terminou nesta quarta-feira (9) com reflexos preocupantes para o já caótico sistema de travessia de balsas entre Santos e Guarujá, no litoral sul paulista.
A projeção de especialistas e da própria SPA (Santos Port Authority, que administra o porto) é de que mais embarcações deste porte, ou até maiores, aumentem a frequência de uso do porto como rota já nos próximos meses. Normalmente, os navios que passam pelo porto têm em média 225 metros.
Em outubro, o navio de bandeira maltesa CMA CGM Vela, também de 347 metros, paralisou por quase três horas as atividades portuárias e mobilizou seis rebocadores no processo para conseguir atracar na margem esquerda, do lado de Guarujá.
A interrupção provocada pelo navio de Singapura nesta terça (8) ocorreu entre 13h30 e 15h, seguindo a determinação da Capitania dos Portos, conforme a portaria 74/2021, e da Marinha do Brasil. Nesta quarta, a interrupção foi das 13h30 às 14h30.
"[A vinda desses navios] é planejada e uma consequência para a oferta que o porto se preparou, só atrasou um pouco em função da pandemia. Não conseguimos fazer uma estimativa de frequência. Será mais comum no próximo ano, mas depende do fluxo mundial de comércio", disse à Folha Bruno Stupello, diretor de Desenvolvimento de Negócios e Regulação da SPA.
"Esses meganavios são comuns no hemisfério norte, mas estão vindo para a rota do sul também. É uma tendência do mercado que armadores passem a operar não só leste-oeste, com Ásia e EUA, mas norte-sul", afirmou.
Reflexo dessa tendência, no início do mês, o porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, recebeu o cargueiro asiático One Amazon, de 330 metros de comprimento, que saiu de Busan, na Coreia do Sul.
De acordo com o último PDZ (Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do porto de Santos), a projeção de aumento do volume de cargas é de quase 50% nos próximos 20 anos: mais 67,9 milhões de toneladas, saltando para 214,9 milhões de toneladas a demanda total.
A tendência é que a chegada de novas embarcações de grande porte ocasione menos impactos nas operações com o passar do tempo —exceto no sistema de balsas que transportam veículos.
Nesse caso, por segurança, os usuários não podem sequer aguardar com os veículos posicionados sobre as embarcações, diante do risco de ondas provocadas pelas manobras. Durante o dia, são comuns paralisações de aproximadamente 15 minutos para a passagem de navios menores.
Nesta terça e quarta, porém, o tempo de espera foi de 1 hora e 30 minutos e 1 hora, respectivamente. Os usuários da travessia foram orientados pela Prefeitura de Santos e pela Secretaria de Logística e de Transportes para fazerem o percurso por via terrestre.
"Essa é uma questão em que o usuário da balsa sempre será penalizado. A tendência, já sabemos, é que isso ocorra com maior frequência. Não tem rota alternativa de balsa, por isso a importância de uma ligação seca com urgência", disse o secretário de Logística e Transportes do estado de São Paulo, João Octaviano Machado.
De acordo com o Departamento Hidroviário, a operação de travessia entre os municípios hoje tem funcionado, em média, com 5 balsas —o limite é de 7, com uma de reserva.
"Surgindo novos grandes navios, em nada adiantará operarmos com sete balsas. Vamos ter que parar mesmo assim", disse o secretário.
Em Santos, o volume diário entre Santos e Guarujá no mês de setembro foi de 28.999 passagens, segundo dados da pasta. O número é calculado com base em 13.554 veículos e 8.234 motocicletas, além de 7.034 ciclistas e 177 pedestres.
As alternativas propostas, por sua vez, ainda estão longe de sair do papel. Nos últimos anos, o projeto de ligação seca entre Santos e Guarujá ficou travado, diante da polêmica sobre qual seria o melhor trajeto: uma ponte, defendida pelo governo estadual, ou um túnel submerso, o preferido pela autoridade portuária, pelo governo federal e impulsionado pelo movimento "Vou de Túnel", encabeçado por um grupo de engenheiros navais, empresas e associações.
"Sempre defendemos que ponte e túnel não são excludentes, precisamos da ponte ligando a margem direita à esquerda e do túnel para a mobilidade urbana", afirmou o secretário Octaviano.
"Hoje o processo vive uma puxada de freio de mão com a mudança de governo. A questão do Fla-Flu de ponte ou túnel é algo vencido. Precisaremos de um novo modelo jurídico e regulatório, uma nova empreitada para tirar do papel", disse Casemiro Tércio, ex-presidente da SPA e um dos mentores do "Vou de Túnel".
A última alternativa citada pelo governo estadual é a de acelerar a viabilização da linha verde (uma nova rodovia com destino ao porto), anunciada em março de 2021, como uma rota que aliviaria o sistema Anchieta-Imigrantes, com a criação de uma nova logística entre Santos e São Paulo.
Ainda não há definição de um traçado, mas a projeção é de que a ligação faça a conexão do rodoanel, na capital, com a margem esquerda do porto.
"Ainda está em fase de modelagem. Não temos conclusão sobre o traçado, o tempo de obra e nem o projeto executivo ainda", disse Octaviano.
Em setembro, o Departamento Hidroviário passou a operar com mais uma balsa, reformada com investimento de R$ 4,5 milhões e capacidade para 50 veículos, além e 150 passageiros.
Dias antes da nova balsa, moradores das duas cidades precisaram esperar por horas devido à lentidão na travessia, comprometida por condições climáticas adversas, segundo o departamento.
Para o início da temporada, durante a Operação Verão, a estimativa é que o movimento entre as duas aumente em até 40%.
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