O acesso incontrolado a todo tipo de informação, tendo como consequência a enorme dificuldade de filtrar o “essencial, por invisível aos olhos”, transformou o individuo em um formulador de dogmas para ele incontestáveis. A divergência de opiniões nas bolhas digitais ou na realidade do dia a dia, de um pecadilho que não merecia nem uma Ave Maria na confissão anual da Semana Santa, passou a pecado mortal punido com a mais severa das ameaças – eu te odeio. Parece que as pessoas perderam o senso de viver em coletividade por questionarem ideias discordantes. Essas bolhas acusam, processam e condenam sem direito de resposta a quem as ofende por refletir diferente. Usam qualquer canal digital para proferirem a sentença, protegidos pelo escudo dos bits e bytes da ágora virtual que os encoraja pela imaterialidade do ofendido. 2/2 O livre-arbítrio de pensar e agir, pressuposto consagrado nas escrituras, não justifica como resposta a uma opinião contrária tamanha deselegância. Onde, afinal, está a liberdade de opinião e expressão tão defendidas por grupos em disputas de narrativas? Quando Voltaire escreveu em 1761 o Tratado da Tolerância, indignado com a injusta execução do protestante Jean Calas acusado de assassinar seu próprio filho Marc-Antoine por supostamente professar outra fé religiosa, fez uma profunda análise dessa epidemia que graceja em nossos dias – A INTOLERÂNCIA -, buscando suas origens, suas consequências e reflexos. O autor foi da Grécia à França pré-revolucionária trazendo exemplos da (in)tolerância. Eis, do meu ponto de vista, o trecho mais instigante daquela obra: “O princípio universal está em toda a Terra: não faças aos outros o que não gostarias que fizessem a ti. Ora, não dá para imaginar, seguindo esse princípio, um homem dizendo ao outro: acredita no que eu acredito ou perecerás. […] acredita ou farei a ti todo o mal que puder”. , A obra precisa ser revisitada. Intolerâncias com a opinião, como as dirigidas a Calas, se percebe diariamente. Está na família, entre amigos, no trabalho, na rua. Explode ao menor rastilho da pólvora da insensatez. Mas tenho esperanças de paulatina modificação do comportamento de enfrentamento no qual vivemos. É necessário que homens e mulheres comecem por não serem fanáticos para merecerem a tolerância de suas ações como afirmava Voltaire. Paz e bem!
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