O planeta alcançou 8 bilhões de pessoas, o que não será um problema para a Terra se fizermos as escolhas certas, defende o matemático biológico Joel E. Cohen. O problema é que, até aqui, não temos feito as escolhas certas.
Para ele, que leciona em duas universidades americanas, a continuidade da vida no mundo dependerá de alguns fatores —se países continuarão a entrar em guerras, se fronteiras serão mantidas abertas, que uso será dado ao que for plantado e a quem destinar a produção.
Autor de "How Many People Can the Earth Support" (quantas pessoas a Terra pode aguentar), Cohen afirma que escolhas individuais são importantes para o futuro do planeta e que é preciso ter em mente que o que acontece do outro lado do mundo afeta a vida de todos.
A certa aura de pessimismo do especialista hoje guarda semelhança com 2011, quando a Folha o ouviu por ocasião da marca de 7 bilhões de habitantes atingida então. À época, ele alertou que o planeta seguia uma "receita para o desastre" e lamentou o que considerava uma situação global instável ecológica, política, econômica e socialmente.
Afinal, quantas pessoas a Terra pode aguentar? Há quatro coisas que precisamos considerar para essa resposta: população, economia, ambiente e cultura.
População não é só a quantidade de gente, mas se são jovens ou velhos, se vivem nas cidades ou em áreas rurais. Economia envolve distribuição de riqueza, tecnologias, quem decide como ela vai ser gerida. Ambiente, tanto seres vivos quanto não vivos, cidades em áreas de terremotos, atmosfera, bioma, pestes. E o que conecta isso tudo é a cultura: linguagem, comunicação, instituições, religião, mitologia, arte.
Esses elementos são interligados. Se você ignora essas conexões, vai fazer a coisa errada. A resposta é que depende das conexões que faremos envolvendo economia, ambiente, cultura e as populações.
Vamos permitir o comércio entre países ou usá-lo como arma? A vida na Terra será melhor se ele acontecer. Vamos decidir conflitos na base do diálogo ou matar uns aos outros? Há muitas escolhas a fazer, não consigo prever quais serão feitas. O mundo pode aguentar 8 bilhões de pessoas tranquilamente, mas até agora estamos fazendo um péssimo trabalho.
E como o sr. avalia as escolhas feitas até aqui? Há boas e más notícias. A boa é que há mais crianças nas escolas do que nunca. A má é que a qualidade do ensino em muitos casos é terrível. A capacidade das crianças em leitura e matemática em alguns países é miserável, não só em nações pobres da África, mas em lugares ricos e industrializados como os EUA.
Estima-se que exista 800 milhões de pessoas no mundo com fome crônica, subnutrição a longo prazo. Elas não podem ter uma vida normal, ir ao trabalho. Entre elas, há 150 milhões de crianças com menos de cinco anos; 22% de todas as crianças do planeta com essa idade estão atrofiadas. São crianças que terão doenças infecciosas, não crescerão o suficiente, não se tornarão adultos produtivos —se sobreviverem. Não vão conseguir aprender nada mesmo se forem à escola.
Nós produzimos comida suficiente no mundo. No ano passado, foram 2,8 bilhões de toneladas de grãos, o suficiente para alimentar até 14 bilhões de pessoas. Então por que há fome? Porque os pobres não podem comprar comida. Isso acontece porque preferimos alimentar animais e máquinas, na produção de combustível, a alimentar pessoas. Estamos jogando fora um quinto de nossas crianças. Que tipo de futuro queremos?
O que é preciso fazer, então? Você pode começar por não criar conflitos. O mundo gastou no ano passado US$ 2,1 trilhões em esforços militares. Esse dinheiro seria muito mais produtivo se fosse gasto de outra maneira, com bem-estar humano, proteção ambiental, produtividade econômica. Se encontrássemos uma maneira de pararmos de matar os outros, liberaríamos muitos recursos para outros propósitos.
É preciso também cuidar e prover nutrição suficiente para crianças pequenas, mulheres grávidas e lactantes; métodos contraceptivos para os 200 milhões de mulheres que desejam e não têm acesso a eles; informação para adolescentes. Cuidando desses grupos, podemos transformar a vida na Terra.
Produzimos muitos grãos, e o mundo não sabe que arroz e feijão são um superalimento proteico. É a base da alimentação no Brasil, mas em muitos lugares culturalmente o feijão é visto como comida para pobres. Se as pessoas comerem arroz e feijão, a vida na Terra vai melhorar.
É preciso dar informação para as pessoas reduzirem o consumo de açúcar. O tabaco mata 8 milhões de pessoas todos os anos, mais do que a Covid. E quem está prestando atenção? As empresas envenenam as pessoas e o governo permite, porque recebe impostos. É preciso educar as pessoas, que desperdiçam suas vidas com a quantidade de álcool que consomem. Se fizerem um pouco de exercício físico, pararem de fumar e de beber, se alimentarem melhor e dormirem o suficiente, nada mais é preciso.
Mas mudanças no plano individual poderão mudar o futuro do planeta? Se as pessoas promovem uma mudança de comportamento maciça e em escala, os governos e as grandes empresas vão ter que acompanhar. O Walmart é uma das maiores empresas dos EUA, e quando você vai lá vê corredores e corredores lotados de porcarias cheias de sal e gordura.
Quais os desafios para o futuro? Ninguém sabe até onde a população vai crescer. Há projeções que vão até o fim do século. Mas temos alguma ideia sobre o futuro. Se não houver uma catástrofe nuclear ou uma nova peste pior do que a Covid, em 2050 a população mundial terá 1 bilhão a mais de habitantes, com uma proporção maior de pessoas mais velhas. Você tem mais idosos hoje do que em qualquer período da história. E pessoas nas cidades; dois terços do planeta vivem nas cidades.
Por outro lado, em muitos lugares a população vem caindo, o que se tornou um problema econômico. Como conciliar a explosão populacional em alguns locais e a escassez de gente em outros? A primeira coisa que me vem à cabeça é a migração. Mas muitos governantes impõem barreiras, porque não estamos falando só de demografia, de pessoas se mudando do Mali ou da Nigéria para Brasil, EUA ou Holanda. É uma pessoa com uma cultura, religião, linguagem e história diferentes indo para outro lugar. E muitos países não aprenderam a acomodar diferenças culturais.
Os governos que não querem imigrantes também poderiam entender que pessoas bem alimentadas, bem educadas e com oportunidade em seus países tendem a emigrar menos. Então, se não querem imigrantes, podem investir no desenvolvimento econômico das nações com alto crescimento populacional. Não levamos a sério o fato de que o bem-estar das populações de lugares mais pobres afeta o das populações de lugares mais ricos. Simplesmente fechamos as portas, construímos um muro, sem entender que tudo está interligado. O que acontece na África ou no sul da Ásia vai me afetar pessoalmente.
Há pessoas capacitadas em todos os lugares, só é preciso dar o suficiente para que o cérebro delas possa trabalhar. Investindo em educação, nutrição e desenvolvimento econômico, o planeta pode suportar 8 bilhões de pessoas sem problemas.
RAIO-X | JOEL E. COHEN, 78
Matemático biológico, é diretor dos laboratórios de populações das universidades Rockefeller e Columbia. É autor de "How Many People Can the Earth Support" (quantas pessoas a Terra pode aguentar), entre outras obras consideradas referências na área
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