Esse é o último artigo da coluna "Voto a Voto" para as eleições de 2022. Nas últimas semanas, pesquisadores do FGV Cepesp procuraram demonstrar a importância da análise baseada em evidências para a melhor compreensão das eleições e do nosso sistema político, explorando as regularidades apresentadas pelos dados.
Mas, o final dessas eleições coloca novo enigma: como entender as raízes da nossa divisão? Se a democracia é consequência da diversidade de conflitos e se fortalece com a sua negociação, como proceder quando a distância entre as preferências dos grupos é tamanha que impede a interlocução? O resultado das eleições presidenciais (50,9% a 49,1%), as mais apertadas da Nova República, expressam o tamanho do problema.
Novos dados e novos esforços de pesquisa são necessários para entender como encurtar a distância com relação a um grupo relevante, e crescente, do eleitorado. As evidências deste descolamento já aparecem aqui e acolá. Por exemplo, esta parcela desacredita profundamente das instituições políticas, como demonstrado por várias pesquisas de opinião. Tal descrédito atinge de forma mais aguda o sistema judiciário, encarnação das regras do jogo, e os partidos políticos, principal veículo de encaminhamento de propostas na arena democrática.
Da mesma forma, parte importante desse grupo não parece ser suscetível às políticas sociais tradicionais. Tal como publicado nesta Folha em 20 de outubro, uma pesquisa feita pelo Instituto Locomotiva ressalta que 57% dos brasileiros preferem ter melhor qualidade de vida em detrimento de uma vida mais longa. Esta preferência se traduz, por exemplo, no pouco valor dado ao contrato de trabalho tradicional, a nossa CLT, que embute contribuições para o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), aposentadoria pelo INSS, e outros benefícios de longo prazo.
Nossa fratura se reflete na esfera pública, onde a desregulação do acesso à informação foi acompanhada pelo consumo de notícias e opiniões através das redes sociais, meios que se revelaram úteis para reter e mobilizar eleitores, evitando os contraditórios tão naturais e necessários ao debate democrático.
Uma das faces mais aparentes desta eleição foi envolvimento religioso; particularmente dos evangélicos. Se antes tal participação política tinha caráter mais reativo frente a algumas propostas avaliadas como ameaças aos costumes e a família tradicional; pela primeira vez, os líderes religiosos se envolveram abertamente em diversas campanhas eleitorais. Embora existam estudos consistentes sobre a religião evangélica, as características e consequências dessa nova postura precisam de análises detalhadas.
A inexistência de "Dois Brasis", como afirmou o ex-candidato Lula em sua primeira manifestação como presidente eleito, irá requerer a produção de novas evidências e novas pesquisas combinando diversas abordagens para entender o outro lado, encurtar a distância e permitir o diálogo.
Aos vitoriosos cabe reconhecer que os derrotados representam parte importante do país. Uma parte que, se nada for feito, tenderá a crescer e terá mais chances de vitória na próxima eleição. Diferentemente da clássica esfinge grega, personagem mitológico, a esfinge brasileira nos propõe um enigma coletivo para o qual a falta de resposta pode devorar qualquer projeto de nação democrática. Daqui a quatro anos teremos chance de avaliar o quanto avançamos na solução.
No curtíssimo prazo, talvez o melhor a fazer seja tentar se reconectar com parentes e amigos perdidos nos últimos quatro anos para assistir juntos aos jogos da Copa do Mundo, como era de costume.
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