segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Ruy Castro - As cores usurpadas, fsp

 Em dezembro de 1950, na Escócia, três rapazes e uma moça planejaram invadir a horas mortas a abadia de Westminster, em Londres, e roubar um bloco de pedra tomado de seu país na guerra em que ele fora conquistado pela Inglaterra, em 1296. Roubar, não — resgatá-lo e levá-lo de volta para seu lugar. Era num trono sobre essa pedra que os reis escoceses se sentavam ao ser coroados. E, pelos últimos 654 anos, quem se sentava sobre ela eram os reis ingleses. Ian Hamilton, líder do grupo, era um nacionalista escocês que não se conformava com tal humilhação. O ato mostraria aos ingleses que a Escócia continuava viva na luta pela independência.

Os quatro foram de carro para Londres. Entrar em Westminster foi fácil — arrombaram uma porta lateral com um pé-de-cabra e, como eram 4 da manhã, ninguém os viu. Entraram na igreja e lá estava a pedra, sob o Trono da Coroação. Difícil foi arrancá-la de seu nicho e, carregá-la, impossível — tinha meio metro e pesava 151 kg. Mas Ian conseguiu botá-la sobre seu casaco e a arrastaram até o carro. Em um minuto azularam dali.

A Scotland Yard foi à loucura. Fechou fronteiras, drenou lagos, promoveu uma caçada humana e só faltou estripar gaitas de fole e revistar o saiote de cada escocês. Dias depois, o rei George 6º recebeu uma carta: os nacionalistas revelariam onde a pedra fora escondida, desde que a Inglaterra a devolvesse oficialmente à Escócia. De sua parte, esta se comprometeria a emprestá-la por alguns dias, para futuras coroações inglesas. O rei topou.

Ian morreu outro dia na Escócia, aos 97 anos. Tinha status de herói. A Escócia está até hoje sob domínio inglês, mas, pelo menos, recuperou um símbolo nacional.

As cores, a bandeira e o hino de um país são símbolos nacionais. Donde pertencem à nação — não a uma facção que os usurpa e se arroga a exclusividade deles, como se fosse um país estrangeiro.

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