A frase estava em um programa da Osesp neste ano: “Escrever sobre música é como dançar sobre arquitetura”. Atribuída a muitos é de rara intuição.
Ao redigir, aciono mecanismos mentais muito específicos que entram em contraste com zonas cerebrais únicas. Ao escutar uma música, tudo muda. Sim, seria como dançar sobre arquitetura: duas linguagens diferentes. Possível? Claro, mas com um limite estrutural dado pela tradução e sua entropia necessária.
A Osesp sobreviveu ao maior desafio desde a sua fundação em 1954. Concertos presenciais suspensos por completo, depois parcialmente liberados. Programas alterados pelo coronavírus (que atingiu muitos músicos). Público reduzido e verbas mais escassas. A direção executou malabarismos de logística, e os profissionais da música foram conduzidos a tensões inéditas. A Osesp sobreviveu e emergiu renovada.
Aproveito a oportunidade do Dia da Música e dos Músicos, 22 de novembro, para saudar a luta de tanta gente. Por falar de 22, já me ocorre que são cem anos da Semana de Arte Moderna de 1922 e 200 do Grito do Ipiranga de 1822. Muitos números rondando o tema deste ano do programa que falava de Vastos Mundo: clássicos e modernistas.
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E, se temos de falar com texto do sentimento musical, que tal celebrar o emocionante encontro entre um maestro russo e um solista ucraniano que, dialogando musicalmente, mostraram uma harmonia que escapou a políticos e soldados no ano em curso? Música e arte podem indicar caminhos bons para a paz.
E para quem ainda não conhece, lanço um desafio. Pegue um metrô até o acesso exclusivo para a Sala São Paulo, inaugurado neste ano. Não se esqueça de ter em mãos o bilhete de volta, pois não há bilheteria ali. Entre no site (osesp.art.br), veja a grande variedade de preços populares, acessos especiais, estudantes e até gratuidades. Escolha um programa no site, planeje-se e entregue-se à acústica privilegiada de uma das melhores salas de concerto do mundo.
Não basta termos sobrevivido à pandemia. Temos de saber o motivo pelo qual a vida continua valendo a pena. Os músicos brilhantes e empenhados da Osesp estão preparados para dar essas respostas a você. Basta ousar. Vivemos em uma cidade com enormes desafios, como toda metrópole. Estar por aqui e não aproveitar o bônus da cultura é um projeto ruim. Aceita a ousadia de se transformar? Ousaria se entregar aos programas intensos de música de qualidade internacional ali, toda semana?
Volto à frase do início: observando a arquitetura da Sala São Paulo e ouvindo a música ali dentro, talvez você dance um pouco na volta para casa. Assim, será possível escrever sobre música, fazer o corpo responder para, enfim, perceber que temos uma alma a nutrir com arte e esperança.
Leandro Karnal é historiador, escritor, membro da Academia Paulista de Letras, autor do livro ‘A Coragem da Esperança’, entre outros
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